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01 outubro 2012

A NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR (1)


Parte 1/5


SUMÁRIO: 1.- Os alimentos: razão e conceito. 2.- A obrigação alimentar: doutrina e jurisprudência. 3.- Os alimentos como obrigação solidária. 4.- Novo posicionamento do STJ face ao Estatuto do Idoso. 5.- Conclusão. Referências.

 1 OS ALIMENTOS: RAZÃO E CONCEITO

            Ninguém ignora que tanto quanto o ar que se respira, a água que se bebe e o sono que restaura as energias, os alimentos são essenciais e imprescindíveis à sobrevivência humana, sendo, por tal relevância, alçados a tema de índole constitucional.

            O dever alimentar deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, inserto no artigo inaugural da Carta Magna, em seu inciso III, como anota com irretocável propriedade CRISTIANO CHAVES DE FARIAS: "reside na própria afirmação da dignidade da pessoa humana o fundamento axiológico da obrigação alimentícia...". (FARIAS, 2006, p.136).

            Ademais, a Constituição Federal dispõe "expressis verbis" em seu artigo 229: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.".

            É, sem dúvida, o reconhecimento da responsabilidade jurídica, além de ética e moral, inerente aos membros de uma mesma família, de uns para com os outros, incluindo-se aí, por óbvio, o dever de prestar alimentos como disciplinado na lei civil.

            A "ratio legis" da obrigação alimentar elaborada com o esmero didático de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO prescinde de qualquer retoque quando assevera:

            De fato, sobre a terra, o indivíduo tem inauferível direito de conservar a própria existência, a fim de realizar seu aperfeiçoamento moral e espiritual. E arremata: "Muitas vezes, entretanto, por idade avançada, doença, falta de trabalho ou qualquer incapacidade, vê-se ele impossibilitado de pessoalmente granjear os meios necessários à subsistência". (MONTEIRO, 1997, p. 295).
            
            O conceito do termo alimentos encontra explicitação na proverbial lição do seguro e respeitável magistério de YUSSEF SAID CAHALI:

            Adotada no direito para designar o conteúdo de uma pretensão ou de uma obrigação, a palavra "alimentos" vem a significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção. (CAHALI, 2002, p. 16).

            No mesmo diapasão, manifesta-se o eminente civilista ORLANDO GOMES, fortalecendo e ampliando conceitualmente o tema, para agregar outros valores, discorrendo com precisão que:

            Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. (GOMES, 1999, p. 427).
            
             O atual Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11.01.2003, trata dos alimentos nos artigos 1694 a 1710, valendo ressaltar que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver. Esse direito é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, na regra disposta no art. 1696. Na falta de ascendentes a obrigação cabe aos descendentes e, faltando estes, aos irmãos, quer germanos (mesmo pai e mesma mãe), quer unilaterais (pais diferentes), consoante expressamente estabelece o art. 1697.

            Por sua indiscutível importância, as normas atinentes ao direito alimentar são consideradas de ordem pública, pois objetivam proteger e preservar a vida humana. Em conseqüência, tais regras são inderrogáveis e, sobretudo quando os alimentos derivam do "iure sanguinis", ou seja, de obrigação por parentesco, não admitem renúncia ao direito nem convenção que assente a inalterabilidade de seu valor.

            Em virtude da especificidade e especialidade da prestação de alimentos, o arcabouço jurídico comporta diversas formas de possibilitar sua mais rápida implementação como esclarecem NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:

            A obrigação legal de alimentos é toda especial. Como seu adimplemento se relaciona diretamente com a sobrevivência do alimentando, o sistema dota a prestação alimentar de mecanismos extraordinários de cumprimento, dentre os quais se destacam a possibilidade de prisão civil (CF 5º LXVII); o privilégio constitucional creditório (CF 100 caput e § 1º); garantias especiais de execução (CPC 602) e o privilégio de foro do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos (CPC 100 II)." (NERY JUNIOR, N.; NERY, R. M., 2003, p. 749).

            Releva ressaltar que a obrigação alimentar tem caráter personalíssimo, isto é, não se transmite, quando do falecimento, aos herdeiros do prestador de alimentos, salvo se houver dívidas alimentares vencidas até o falecimento do alimentante, as quais poderão ser debitadas ao espólio e rateadas entre os herdeiros. Este parece o posicionamento mais adequado ao tema, quando se conjugam as disposições dos arts. 1700 e 1694 do Código Civil.

            Nesse direcionamento aponta SILVIO DE SALVO VENOSA quando, referindo-se ao art. 1.700 do CC/2002, salienta:

            Embora o dispositivo em berlinda fale em transmissão aos herdeiros, essa transmissão é ao espólio. É a herança, o monte-mor, que recebe o encargo. De qualquer forma, ainda que se aprofunde a discussão, os herdeiros jamais devem concorrer com seus próprios bens para discriminar o patrimônio próprio e os bens recebidos na herança. Participam da prestação alimentícia transmitida, na proporção de seus quinhões. (VENOSA, 2002, p. 378).

            Portanto, não é a obrigação alimentar que se transmite, porquanto esta se extingue com o falecimento do devedor. O que se entende por transmissível, por conseguinte, é dívida já constituída, ou seja, as prestações porventura em atraso quando da morte do alimentante, pela exegese que se extrai da redação do artigo 1.694 do vigente Código Civil.

            Também a jurisprudência caminha no mesmo sentido, conforme assenta o Colendo Superior Tribunal de Justiça no seguinte julgado:

             Alimentos. Ação julgada procedente. Morte do alimentante. I - A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, respondendo a herança pelo pagamento das dívidas do falecido. Lei nº 6. 515, de 1977, art. 23, e Código Civil, art. 1796. Aplicação. II - A condição de alimentante é personalíssima e não se transmite aos herdeiros; todavia, isso não afasta a responsabilidade dos herdeiros pelo pagamento dos débitos alimentares verificados até a data do óbito." (REsp 64112-SC, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, 3ª. Turma, julg. 16.05.2002, pub. DJU 17.06.2002).

            No tocante à composição da prestação alimentícia, esta deve ser fixada pelo juiz observando sempre o binômio necessidade (da pessoa que pede) e possibilidade (daquele que é demandado e é legalmente responsável pela obrigação), como se depreende do parágrafo 1º do art. 1694 do Código Civil.

            Essa equação, como adverte MARIA HELENA DINIZ "deverá ser feita, em cada caso concreto, levando-se em conta que a pensão alimentícia será concedida sempre ad necessitatem". (DINIZ, 2004, p, 1258).


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