Parte 1/5
SUMÁRIO: 1.- Os alimentos:
razão e conceito. 2.- A obrigação alimentar: doutrina e jurisprudência. 3.- Os
alimentos como obrigação solidária. 4.- Novo posicionamento do STJ face ao
Estatuto do Idoso. 5.- Conclusão. Referências.
1 OS ALIMENTOS: RAZÃO
E CONCEITO
Ninguém
ignora que tanto quanto o ar que se respira, a água que se bebe e o sono que
restaura as energias, os alimentos são essenciais e imprescindíveis à
sobrevivência humana, sendo, por tal relevância, alçados a tema de índole
constitucional.
O
dever alimentar deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, inserto no
artigo inaugural da Carta Magna, em seu inciso III, como anota com irretocável
propriedade CRISTIANO CHAVES DE FARIAS: "reside
na própria afirmação da dignidade da pessoa humana o fundamento axiológico da
obrigação alimentícia...". (FARIAS, 2006, p.136).
Ademais,
a Constituição Federal dispõe "expressis verbis" em seu artigo 229:
"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.".
É,
sem dúvida, o reconhecimento da responsabilidade jurídica, além de ética e
moral, inerente aos membros de uma mesma família, de uns para com os outros,
incluindo-se aí, por óbvio, o dever de prestar alimentos como disciplinado na
lei civil.
A
"ratio legis" da obrigação alimentar elaborada com o esmero didático
de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO prescinde de qualquer retoque quando assevera:
De
fato, sobre a terra, o indivíduo tem inauferível direito de conservar a própria
existência, a fim de realizar seu aperfeiçoamento moral e espiritual. E
arremata: "Muitas vezes, entretanto, por idade avançada, doença, falta de
trabalho ou qualquer incapacidade, vê-se ele impossibilitado de pessoalmente
granjear os meios necessários à subsistência". (MONTEIRO, 1997, p.
295).
O
conceito do termo alimentos encontra explicitação na proverbial
lição do seguro e respeitável magistério de YUSSEF SAID CAHALI:
Adotada no direito para designar o conteúdo
de uma pretensão ou de uma obrigação, a palavra "alimentos" vem a
significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são as
prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem
não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica
assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como
necessário à sua manutenção. (CAHALI, 2002, p. 16).
No
mesmo diapasão, manifesta-se o eminente civilista ORLANDO GOMES, fortalecendo e
ampliando conceitualmente o tema, para agregar outros valores, discorrendo com
precisão que:
Alimentos são prestações para satisfação das
necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa
medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma
pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a
habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e
morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. (GOMES,
1999, p. 427).
O
atual Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em
vigor desde 11.01.2003, trata dos alimentos nos artigos 1694 a 1710, valendo
ressaltar que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos
outros os alimentos que necessitem para viver. Esse direito é recíproco entre
pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, na regra disposta no art.
1696. Na falta de ascendentes a obrigação cabe aos descendentes e, faltando
estes, aos irmãos, quer germanos (mesmo pai e mesma mãe), quer unilaterais
(pais diferentes), consoante expressamente estabelece o art. 1697.
Por
sua indiscutível importância, as normas atinentes ao direito alimentar são
consideradas de ordem pública, pois objetivam proteger e preservar a vida
humana. Em conseqüência, tais regras são inderrogáveis e, sobretudo quando os
alimentos derivam do "iure sanguinis", ou seja, de obrigação por
parentesco, não admitem renúncia ao direito nem convenção que assente a
inalterabilidade de seu valor.
Em
virtude da especificidade e especialidade da prestação de alimentos, o
arcabouço jurídico comporta diversas formas de possibilitar sua mais rápida
implementação como esclarecem NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:
A
obrigação legal de alimentos é toda especial. Como seu adimplemento se
relaciona diretamente com a sobrevivência do alimentando, o sistema dota a
prestação alimentar de mecanismos extraordinários de cumprimento, dentre os
quais se destacam a possibilidade de prisão civil (CF 5º LXVII); o privilégio
constitucional creditório (CF 100 caput e § 1º); garantias especiais
de execução (CPC 602) e o privilégio de foro do domicílio ou da residência do
alimentando, para a ação em que se pedem alimentos (CPC 100 II)." (NERY
JUNIOR, N.; NERY, R. M., 2003, p. 749).
Releva
ressaltar que a obrigação alimentar tem caráter personalíssimo, isto é, não se
transmite, quando do falecimento, aos herdeiros do prestador de alimentos,
salvo se houver dívidas alimentares vencidas até o falecimento do alimentante,
as quais poderão ser debitadas ao espólio e rateadas entre os herdeiros. Este
parece o posicionamento mais adequado ao tema, quando se conjugam as
disposições dos arts. 1700 e 1694 do Código Civil.
Nesse
direcionamento aponta SILVIO DE SALVO VENOSA quando, referindo-se ao art. 1.700
do CC/2002, salienta:
Embora o dispositivo em berlinda fale em
transmissão aos herdeiros, essa transmissão é ao espólio. É a herança, o
monte-mor, que recebe o encargo. De qualquer forma, ainda que se aprofunde a
discussão, os herdeiros jamais devem concorrer com seus próprios bens para
discriminar o patrimônio próprio e os bens recebidos na herança. Participam da
prestação alimentícia transmitida, na proporção de seus quinhões. (VENOSA,
2002, p. 378).
Portanto,
não é a obrigação alimentar que se transmite, porquanto esta se extingue com o
falecimento do devedor. O que se entende por transmissível, por conseguinte, é
dívida já constituída, ou seja, as prestações porventura em atraso quando da
morte do alimentante, pela exegese que se extrai da redação do artigo 1.694 do
vigente Código Civil.
Também
a jurisprudência caminha no mesmo sentido, conforme assenta o Colendo Superior
Tribunal de Justiça no seguinte julgado:
Alimentos. Ação julgada procedente. Morte do alimentante. I - A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, respondendo a herança pelo pagamento das dívidas do falecido. Lei nº 6. 515, de 1977, art. 23, e Código Civil, art. 1796. Aplicação. II - A condição de alimentante é personalíssima e não se transmite aos herdeiros; todavia, isso não afasta a responsabilidade dos herdeiros pelo pagamento dos débitos alimentares verificados até a data do óbito." (REsp 64112-SC, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, 3ª. Turma, julg. 16.05.2002, pub. DJU 17.06.2002).
Alimentos. Ação julgada procedente. Morte do alimentante. I - A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, respondendo a herança pelo pagamento das dívidas do falecido. Lei nº 6. 515, de 1977, art. 23, e Código Civil, art. 1796. Aplicação. II - A condição de alimentante é personalíssima e não se transmite aos herdeiros; todavia, isso não afasta a responsabilidade dos herdeiros pelo pagamento dos débitos alimentares verificados até a data do óbito." (REsp 64112-SC, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, 3ª. Turma, julg. 16.05.2002, pub. DJU 17.06.2002).
No
tocante à composição da prestação alimentícia, esta deve ser fixada pelo juiz
observando sempre o binômio necessidade (da pessoa que pede) e possibilidade
(daquele que é demandado e é legalmente responsável pela obrigação), como se
depreende do parágrafo 1º do art. 1694 do Código Civil.
Essa
equação, como adverte MARIA HELENA DINIZ "deverá ser feita, em cada caso
concreto, levando-se em conta que a pensão alimentícia será concedida sempre ad
necessitatem". (DINIZ, 2004, p, 1258).
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