O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra
de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da
integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que
interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no
cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova
dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas
suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará
a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das
varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou
antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de
litígio.
Hoje a
questão versa sobre atraso na entrega de móveis modulados, nos termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 6.791/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
MOVEIS MODULADOS. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA. RESCISAO CONTRATUAL E
INDENIZACAO POR DANOS MORAIS.CABIMENTO.
1.- A
ENTREGA E INSTALAÇÃO DOS MÓVEIS MODULADOS CONTRATADOS EXTRAPOLOU O PRAZO DE 30 (TRINTA)
DIAS, SENDO JUSTA A RECUSA DO RECORRIDO COM A CONSEQUENTE RESCISÃO DO CONTRATO,
CONSOANTE PREVISÃO EXPRESSA DO CDC.
2.- ALEM
DA INJUSTIFICADA DEMORA, O DESLOCAMENTO DE NOVA ALMEIDA PARA VITORIA, POR
PESSOA IDOSA, COM 74 ANOS DE IDADE, PARA O LOCAL ONDE DEVERIAM SER INSTALADOS OS MOVEIS, FICANDO NA
EXPECTATIVA FRUSTRADA DE SEU RECEBIMENTO, SOMADA A DIFICULDADE NA RESOLUCAO DOS
PROBLEMAS MESMO COM A AJUDA DO PROCON, CAUSARAM-LHE MAIS QUE MEROS DISSABORES,
MAS ABALO PSIQUICO E SENTIMENTO DE DECEPCAO E FRUSTRACAO, FATOS CONFIGURADORES
DE DANO MORAL.
4.-RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma
Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer
do recurso para negar-lhe provimento, termos do voto do Relator, que deste
passa a fazer parte integrante.
Vitória,
ES, de agosto de 2005.
R E L A T Ó R I O
O autor
compareceu pessoalmente ao Juizado Especial Civel de Vitória alegando que
efetuou a compra de moveis na loja da requerida no valor de R$ 2.800,00,
pagando `a vista a importância de R$ 1.000,00 e emitindo nove cheques no valor
de R$ 200,00, cada. Entretanto, a requerida não cumpriu o prazo para entrega
dos moveis apesar das varias tentativas para tal desiderato. Por ser idoso e
estando doente sentiu-se enganado, requerendo a devolução do dinheiro pago e
indenização por danos morais, valorando a causa em R$ 3.800,00.
Regularmente
instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 27/28, que julgou procedente
o pedido para desconstituir o contrato (resolução) celebrado pelas partes,
determinando que a empresa requerida devolva ao requerente a importância de R$
1.400,00, no prazo de três dias após a intimação da sentença, sob pena de multa
diária de R$ 500,00 e ainda pague ao autor a importância de R$ 1.000,00 a titulo de indenização por danos morais, acrescida dos
consectários legais.
Irresignada,
a suplicada interpôs recurso inominado a fls. 30/37, requerendo seja dado
provimento ao recurso para reformar totalmente a r. sentença impugnada por contrariar frontalmente não só o direito
como as provas constantes dos autos.
Contra-razões
a fls. 61/66, propugnando pela manutenção do julgado.
É o relatório.
V O T O
Discute-se
nos autos contrato de compra e venda de móveis sob medida a serem instalados na
residência do consumidor em determinado prazo que o recorrido afirma não
cumprido pela recorrente.
Examinando-se
o processado verifica-se que o recorrido adquiriu moveis modulados de quarto e
cozinha na loja da recorrente, os quais deveriam ser entregues no prazo de 30
dias. Em 27-01-2005, mais de 30 dias
após a compra compareceu ao PROCON de Vitória para reclamar seus direitos,
ocasião em que a recorrente se comprometeu a entregar “a parte de baixo da
cozinha” (fls.06), o que não foi
aceito, sendo lavrada, no dia seguinte, ou seja, 28-01-2005, a ocorrência de
fls. 03, com o encaminhamento para o Juizado Especial Cível para buscar a
tutela jurisdicional e dirimir a questão.
As
assertivas postas pelo recorrido são verossímeis, incidindo, no caso, a
inversão da prova.
Os
documentos acostados pela recorrente são apócrifos e unilaterais, não contendo
informações claras a respeito da transação efetuada nem do prazo para entrega,
aposto de forma aleatória em documento sem a aquiescência do consumidor,
demonstrando gritante falha no atendimento ao consumidor e denotando falta de
organização da empresa.
Com
efeito, trata-se, no caso, de típica relação de consumo que se submete às
disposições do Código de Defesa do Consumidor, editado para proteger os
consumidores de praticas abusivas das empresas.
A
propósito, a lei consumerista prevê o seguinte:
Art. 6º -
Art. 6º São direitos básicos do
consumidor:
III - a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
VI - a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Em face
dos evidentes percalços que foram impostos ao recorrido, pessoa com 74 anos de
idade, como o atraso na entrega dos produtos, deslocamento inútil de Nova
Almeida para esta capital em espera frustrante, reclamação junto ao PROCON, sem
conseguir solucionar o problema criado pela recorrente, tais fatos causaram-lhe
evidente desgaste, abalo psíquico, emocional e espiritual, de molde a
justificar a imposição de indenização por danos morais.
Como
afirmam Mazeaud & Tunc — ‘‘Pareceria
chocante, em uma civilização avançada como a nossa, que fora possível, sem
incorrer em nenhuma responsabilidade civil, lesionar os sentimentos mais
elevados e nobres dos nossos semelhantes, enquanto o menor atentado contra o
seu patrimônio, origina reparação’’ (‘‘Tratado Teórico e Prático da R.
Civil’’ — ed. Buenos Aires, vol. I, tomo I/435, nº 306).
Na mesma
linha o posicionamento do Colendo STJ, como se verifica do julgado abaixo:
‘‘A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de
que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do
simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da
prova do prejuízo’’ (R. Esp. 23.575 — DF — rel. Min. César Asfor Rocha — in DJ
de 01/09/97):
Em
situação semelhante, assim decidiu a Turma Recursal do Colegiado do Rio de
Janeiro:
2003.700.018369-5
Juiz(a)
MARIA CANDIDA GOMES DE SOUZA
Contrato
de comora-e-venda de móveis. Aplicação da Lei 8078/90. Dissabores e transtornos
que superam o mero aborrecimento, decorrentes do descumprimento da programação,
já que a entrega do mobiliário se deu com atraso, além do que uma das peças
adquiridas apresentou defeito, vindo desprovida do gaveteiro. Manifestação do
consumidor no sentido de desistir do negócio, tendo a ré, contudo, se quedado
inerte, por um considerável período, aos apelos do autor Inequívoco dever de
indenizar os danos morais suportados. Defeito na prestação do serviço.
Inteligência do art. 14, do CDC.
Não se
pode olvidar ainda das disposições constantes do Código Civil,: “Art. 423.
Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,
dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
Desse
modo, tenho por mim que a sentença bem examinou as provas produzidas e deu
desate adequado aos fatos, devendo ser mantida integralmente.
Em face
do exposto, nego provimento ao recurso, devendo a recorrente pagar as custas
processuais e honorários advocatícios que arbitro em 15% sobre o valor da
condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.
É como
voto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário