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28 setembro 2012

ATRASO NA ENTREGA DE MÓVEIS GERA DANO MORAL



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre atraso na entrega de móveis modulados, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 6.791/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MOVEIS MODULADOS. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA. RESCISAO CONTRATUAL E INDENIZACAO POR DANOS MORAIS.CABIMENTO. 
1.- A ENTREGA E INSTALAÇÃO DOS MÓVEIS MODULADOS CONTRATADOS EXTRAPOLOU O PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS, SENDO JUSTA A RECUSA DO RECORRIDO COM A CONSEQUENTE RESCISÃO DO CONTRATO, CONSOANTE PREVISÃO EXPRESSA DO CDC.
2.- ALEM DA INJUSTIFICADA DEMORA, O DESLOCAMENTO DE NOVA ALMEIDA PARA VITORIA, POR PESSOA IDOSA, COM 74 ANOS DE IDADE, PARA O LOCAL ONDE DEVERIAM  SER INSTALADOS OS MOVEIS, FICANDO NA EXPECTATIVA FRUSTRADA DE SEU RECEBIMENTO, SOMADA A DIFICULDADE NA RESOLUCAO DOS PROBLEMAS MESMO COM A AJUDA DO PROCON, CAUSARAM-LHE MAIS QUE MEROS DISSABORES, MAS ABALO PSIQUICO E SENTIMENTO DE DECEPCAO E FRUSTRACAO, FATOS CONFIGURADORES DE DANO MORAL.
4.-RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de agosto de 2005.


R E L A T Ó R I O
O autor compareceu pessoalmente ao Juizado Especial Civel de Vitória alegando que efetuou a compra de moveis na loja da requerida no valor de R$ 2.800,00, pagando `a vista a importância de R$ 1.000,00 e emitindo nove cheques no valor de R$ 200,00, cada. Entretanto, a requerida não cumpriu o prazo para entrega dos moveis apesar das varias tentativas para tal desiderato. Por ser idoso e estando doente sentiu-se enganado, requerendo a devolução do dinheiro pago e indenização por danos morais, valorando a causa em R$ 3.800,00.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 27/28, que julgou procedente o pedido para desconstituir o contrato (resolução) celebrado pelas partes, determinando que a empresa requerida devolva ao requerente a importância de R$ 1.400,00, no prazo de três dias após a intimação da sentença, sob pena de multa diária de R$ 500,00 e ainda pague ao autor a importância de R$ 1.000,00 a titulo de indenização por danos morais, acrescida dos consectários legais.
Irresignada, a suplicada interpôs recurso inominado a fls. 30/37, requerendo seja dado provimento ao recurso para reformar totalmente a r. sentença impugnada  por contrariar frontalmente não só o direito como as provas constantes dos autos.
Contra-razões a fls. 61/66, propugnando pela manutenção do julgado.
É o relatório.

V O T O
           
Discute-se nos autos contrato de compra e venda de móveis sob medida a serem instalados na residência do consumidor em determinado prazo que o recorrido afirma não cumprido pela recorrente.

Examinando-se o processado verifica-se que o recorrido adquiriu moveis modulados de quarto e cozinha na loja da recorrente, os quais deveriam ser entregues no prazo de 30 dias.  Em 27-01-2005, mais de 30 dias após a compra compareceu ao PROCON de Vitória para reclamar seus direitos, ocasião em que a recorrente se comprometeu a entregar “a parte de baixo da cozinha”  (fls.06), o que não foi aceito, sendo lavrada, no dia seguinte, ou seja, 28-01-2005, a ocorrência de fls. 03, com o encaminhamento para o Juizado Especial Cível para buscar a tutela jurisdicional e dirimir a questão.

As assertivas postas pelo recorrido são verossímeis, incidindo, no caso, a inversão da prova.

Os documentos acostados pela recorrente são apócrifos e unilaterais, não contendo informações claras a respeito da transação efetuada nem do prazo para entrega, aposto de forma aleatória em documento sem a aquiescência do consumidor, demonstrando gritante falha no atendimento ao consumidor e denotando falta de organização da empresa.

Com efeito, trata-se, no caso, de típica relação de consumo que se submete às disposições do Código de Defesa do Consumidor, editado para proteger os consumidores de praticas abusivas das empresas.

A propósito, a lei consumerista prevê o seguinte:

Art. 6º -  Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Em face dos evidentes percalços que foram impostos ao recorrido, pessoa com 74 anos de idade, como o atraso na entrega dos produtos, deslocamento inútil de Nova Almeida para esta capital em espera frustrante, reclamação junto ao PROCON, sem conseguir solucionar o problema criado pela recorrente, tais fatos causaram-lhe evidente desgaste, abalo psíquico, emocional e espiritual, de molde a justificar a imposição de indenização por danos morais.

Como afirmam Mazeaud & Tunc — ‘‘Pareceria chocante, em uma civilização avançada como a nossa, que fora possível, sem incorrer em nenhuma responsabilidade civil, lesionar os sentimentos mais elevados e nobres dos nossos semelhantes, enquanto o menor atentado contra o seu patrimônio, origina reparação’’ (‘‘Tratado Teórico e Prático da R. Civil’’ — ed. Buenos Aires, vol. I, tomo I/435, nº 306).

Na mesma linha o posicionamento do Colendo STJ, como se verifica do julgado abaixo:

‘‘A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da prova do prejuízo’’ (R. Esp. 23.575 — DF — rel. Min. César Asfor Rocha — in DJ de 01/09/97):

Em situação semelhante, assim decidiu a Turma Recursal do Colegiado do Rio de Janeiro:

2003.700.018369-5
Juiz(a) MARIA CANDIDA GOMES DE SOUZA
Contrato de comora-e-venda de móveis. Aplicação da Lei 8078/90. Dissabores e transtornos que superam o mero aborrecimento, decorrentes do descumprimento da programação, já que a entrega do mobiliário se deu com atraso, além do que uma das peças adquiridas apresentou defeito, vindo desprovida do gaveteiro. Manifestação do consumidor no sentido de desistir do negócio, tendo a ré, contudo, se quedado inerte, por um considerável período, aos apelos do autor Inequívoco dever de indenizar os danos morais suportados. Defeito na prestação do serviço. Inteligência do art. 14, do CDC.

Não se pode olvidar ainda das disposições constantes do Código Civil,: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”

Desse modo, tenho por mim que a sentença bem examinou as provas produzidas e deu desate adequado aos fatos, devendo ser mantida integralmente.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso, devendo a recorrente pagar as custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

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