O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra
de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da
integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que
interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no
cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova
dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são
ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era
especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o
sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento
cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos
anos de litígio.
Hoje versa
sobre a fiança locatícia, nos termos abaixo:
RECURSO
INOMINADO Nº 6.614/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E
ENCARGOS E RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO POR INADIMPLMENTO CONTRATUAL. SEGURO
DE FIANÇA LOCATÍCIA.RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA.
1. SÃO
DISTINTAS E INCONFUNDÍVEIS AS GARANTIAS LOCATÍCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA
LEI 8.241/95 (LEI DE LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS), DISTIGUINDO-SE O INSTITUTO
DA FIANÇA, PREVISTO NO INCISO II, (QUE PERMITE O CHAMADO “BENEFÍCIO DE ORDEM”)
DO SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA, CONTRATO QUE SE REGE PELAS NORMAS ATINENTES AO
RAMO DE SEGUROS.
2.-RESTANDO
INCONTROVERSA A INADIMPLÊNCIA DO CONTRATO LOCATÍCIO CABE AO LOCADOR PROMOVER
SUA RESCISÃO.
3.-ESTANDO
OS VALORES COBRADOS A TÍTULO DE ALUGUÉIS E ENCARGOS NOS PARÂMETROS ESTIPULADOS
NA APÓLICE DEVE A SEGURADORA ARCAR COM A INDENIZAÇÃO PROVENIENTE DO SINISTRO
NOS TERMOS DO CONTRATO.
4.- RECURSO
IMPROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma
Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer
do recurso para negar-lhe provimento,
nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória,
ES, de julho de 2005.
R E L A T Ó R I O
Os
autores, devidamente qualificados e representados por seu ilustre patrono,
propuseram Ação de Cobrança de aluguéis e encargos do contrato de locação de
imóvel em fade de SEGURADORA S/A, alegando que o locatário não está cumprindo
com suas obrigações, estando em atraso com cinco meses de aluguel referente aos
meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2003 e janeiro de 2004 e
cotas condominiais referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de
2003, ESCELSA e IPTU, que, acrescidos das multas e encargos do contrato somam a
quantia de R$ 7.950,41, conforme planilha apresentada, pleiteando a condenação
no pagamento dos referidos valores e rescisão do contrato de locação.
Em face
da dificuldade de localização do primeiro réu foi requerida a desistência da
ação quanto ao mesmo, sem impugnação da segunda requerida, tendo sido
homologada a desistência quanto ao mesmo (fls.66) prosseguindo-se o feito
apenas em face da seguradora.
Após
regular instrução foi prolatada a r.sentença de fls. 77/78 que julgou
procedente o pedido condenando a seguradora ao pagamento de R$ 7.950,41, corrigidos
a partir da efetiva inadimplência do locatário.
Irresignada
a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 89/102, alegando nulidade da
sentença por falta de fundamentação, bem como descumprimento de cláusula
contratual e inobservância dos limites mensais contratados, esperando seja o
recurso conhecido e provido nos termos delineados acima por ser questão da mais
lídima justiça.
Contra-razões
a fls.108/117, rechaçando os argumentos deduzidos no recurso e informando que o
primeiro requerido veio a falecer no curso do procedimento, requerendo seja
mantida “in totum” a r.sentença proferido pelo juízo a quo.
É o
relatório.
V O T O
Verificando
que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, principalmente diante a
certidão de fls. 89, conheço do recurso.
A alegada
nulidade da sentença por ausência de fundamentação, embora lançada no recurso
sem destaque de preliminar, não tem qualquer procedência.
Em sede
de juizados especiais prevalecem “ex vi legis” os princípios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade instituídos no
art. 2º da lei 9.099/95. Desse modo, a sentença deve conter apenas o registro
de fatos relevantes ocorridos em audiência e mencionar os elementos de
convicção do juiz, consoante o disposto no artigo 38.
Sobre o
tema preleciona JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR:
"O que a Constituição
Federal exige (art.93,IX), e a norma de caráter infraconstitucional determina
(no caso, art. 38) é que as sentenças e todas as demais decisões proferidas
pelo Poder Judiciário sejam fundamentadas.
Para tanto, é suficiente que o
julgador diga com clareza quais foram os motivos de fato e de direito, em
sintonia com as provas carreadas nos autos, que o levaram a decidir nos termos
da norma aplicável à espécie, desta ou daquela maneira, isto é, se o pedido é
procedente ou não. Deve dizer o direito e o porquê do direito em concreto, e
basta; todo o resto é despiciente." (Comentários à Lei dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9099, de 26.09.1995, 3º ed. rev. e atual. e
ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.323/324).
No caso
dos autos, a sentença, lavrada em audiência, atende aos parâmetros legais,
sendo sucinta, porém suficiente para demonstrar os fundamentos em que se
arrimou o juiz monocrático para acolher o pedido do autor, rejeitando a
preliminar de intempestividade e fincando razões de mérito no sentido de que o
contrato de seguro-fiança difere profundamente do instituto do fiador invocado
pela seguradora. E foi clara o bastante para permitir ao recorrente a
interposição de seu recurso.
Em sendo
assim não há como acoimá-la de nulidade por carência de fundamentação, vez que atende
às disposições legais.
Os
recorridos trouxeram aos autos o contrato de locação e a apólice em que a
recorrente é a seguradora-garantidora do referido contrato.
De outro
lado, a inadimplência do locatário restou incontroversa.
O
sinistro (inadimplemento dos aluguéis e encargos) ocorreu na vigência do
contrato e os valores encontram-se nos limites contratados.
A
seguradora tenta embaraçar o cumprimento de sua obrigação que é a de promover o
pagamento das mensalidades e encargos que não foram pagos pelo locatário, vez
que a locação é garantida pelo seguro de fiança.
Ora, o
seguro de fiança locatícia ou seguro fiança tem por objeto garantir o segurado,
no caso os locadores-recorridos, dos eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento
do contrato pelo locatário-garantido do inadimplemento do contrato de locação.
Conforme
o disposto no contrato de seguro de fiança locatícia de fls. 35/20,
caracterizado o descumprimento contratual por parte do locatário, tem o locador
o direito de pleitear o recebimento por parte da seguradora da indenização
correspondente. Para isso pode ajuizar ação monitória, ação de cobrança, ação
executiva, ação de despejo e ação de rescisão contratual, como no caso dos
autos.
Totalmente
incabível a tese da seguradora de pretender benefício de ordem, porquanto, como
bem assentado na sentença, o contrato de fiança, considerado benéfico e
previsto no inciso II do art.37 da Lei nº 8245/91, de caráter obrigacional,
nada tem a ver com a garantia do seguro de fiança, previsto no inciso III do
mesmo dispositivo legal, que é regido pelas normas de seguro. A propósito,
veja-se o seguinte julgado do Colendo STJ:
REsp
264558 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2000/0062713-5
Relator(a)
Ministro GILSON DIPP (1111)
Órgão
Julgador T5 - QUINTA TURMA
Data do
Julgamento 15/03/2001
Data da
Publicação/Fonte DJ 02.04.2001 p. 323 - JBCC vol. 190 p. 185 - LEXSTJ vol. 143
p. 195 - RT vol. 791 p. 187
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO.
SEGURO DE FIANÇA LOCATÍCIA. ART. 37, III, DA LEI 8.245/91. EXECUÇÃO DE DÉBITOS
LOCATIVOS.
POSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO.
ESPÉCIE DO GÊNERO CAUÇÃO. ART. 585, III, DO CÓDIGO PROCESSUAL. CONCOMITÂNCIA.
INCIDÊNCIA. ART. 585, IV, DO CPC. DECORRÊNCIA. NATUREZA ACESSÓRIA AO CONTRATO
LOCATIVO. APLICAÇÃO. EXEGESE SISTEMÁTICA-TELEOLÓGICA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
I - Consoante a regra inscrita no
art. 585, III, do Código de Processo Civil, o contrato de seguro de fiança
locatícia, previsto no art. 37, III, da Lei 8.245/91, é instituto jurídico
albergado no gênero caução, legitimando, portanto, a utilização de ação
executiva, contra a empresa seguradora,
para o adimplemento dos créditos locativos.
II - É cabível a execução de
créditos de aluguel - com fundamento no inciso IV, art. 585, do CPC -, mediante
a apresentação de apólice de seguro de fiança locatícia e do contrato de
locação a que se vincula, por tratar-se tal seguro de uma das três modalidades
de garantia prevista no art. 37, III, da lei inquilinária, sendo figura jurídica
que existe, tão-somente, em razão do pacto locativo, sendo a este,
visceralmente, integrado de modo acessório.
III - A aplicação da exegese
sistemática-teleológica recomenda a adoção da regra geral inscrita no art. 585,
IV, do CPC, que autoriza a cobrança executiva dos créditos decorrentes de
aluguéis, desimportando, na espécie, se os valores exigidos estejam
representados em instrumento jurídico acessório ao contrato de locação.
IV - Recurso especial desprovido.
Também
não prevalece a tese da seguradora de que o locador não ajuizou a ação no prazo
estipulado no contrato. A jurisprudência pátria majoritária tem se posicionado
no sentido da invalidade de tal cláusula, por se tratar de contrato de adesão,
portanto subsumido às normas do Código de Defesa do Consumidor, não contendo
tal cláusula o devido destaque e, sobretudo, excluir a álea, essência do
contrato de seguro.
Por mera
exemplificação, confiram-se os seguintes julgados da altaneira jurisprudência
gaúcha:
Tribunal de Justiça do RS
DATA DE JULGAMENTO: 24/11/2004-Nº DE FOLHAS:
ÓRGÃO JULGADOR: Décima Quinta Câmara Cível
COMARCA DE ORIGEM: Comarca de Porto Alegre-SEÇÃO: CIVEL
Apelação Cível-NÚMERO: 70009239195
Apelação Cível-NÚMERO: 70009239195
RELATOR: Otávio Augusto de Freitas Barcellos
EMENTA: LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO FIANÇA. PRELIMINAR DE
PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 178, § 6º, INC. II, DO CCB.
APLICAÇÃO DA SUMÚLA 229 DO STJ. CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO
CONTRATO PELA SEGURADA. CLÁUSULA RESOLUTIVA. ESTIPULAÇÃO DE PRAZO PARA
AJUIZAMENTO DA AÇÃO PELO SEGURADO. NULIDADE. EXONERAÇÃO DE FIANÇA.
IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE COBRANÇA NÃO DEMONSTRADO. REJEITADA A
PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. . (Apelação Cível Nº
70009239195, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 24/11/2004)
Apelação Cível nº 70000086983 – Quinta Câmara Cível
“AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA PELO
INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – IPERGS. CLÁUSULA
RESOLUTIVA. Esta Câmara tem mantido o entendimento de que é nula a cláusula em que a
entidade fiadora determina que o locador tenha prazo para ajuizar ação de
despejo, sob pena de extinção da garantia, vez que isto ofende o disposto no art.
5º, inciso XXXV, da CF, o que é o caso dos autos. Apelação provida.” (Rel. Dês. Vicente Barrôco de
Vasconcellos).
Vale
ainda lembrar a lição da eminente mestra Maria Helena Diniz "O seguro de fiança locatícia é o pagamento de uma taxa,
correspondente a um prêmio mensal ou
anual que se ajustar, tendo por fim garantir
o pagamento de certa soma ao locador. Garante-se, mediante o prêmio, o pagamento do aluguel. Pelo seguro
de fiança locatícia, o inquilino pagará
mensalmente uma quantia à Companhia Seguradora,
para que ela pague indenização, cobrindo
possíveis e eventuais prejuízos do locador. ... Com o seguro de fiança locatícia haverá
despersonificação da garantia; a
entidade seguradora, a quem o Poder Público
conceder a exploração dessa atividade, terá o dever de indenizar o locador pelos aluguéis não pagos
pelo inquilino segurado."
Firme
nessas considerações, nego provimento ao recurso condenando a recorrente no
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por
cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.
É como
voto.
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