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08 outubro 2012

A NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR (2)


Parte 2/5


2 A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

            Acompanhando a doutrina civilista, desde a edição do Código Civil de 1916, sob inspiração do notável jurisconsulto CLÓVIS BEVILACQUA, a obrigação alimentar sempre foi entendida como não solidária, porquanto conjunta e divisível, ou seja, havendo pluralidade de devedores, cada qual deve responder por uma parcela da dívida, na medida de suas possibilidades econômicas.

            No dizer inexcedível de CLÓVIS:

"A obrigação de prestar alimentos não é solidária, nem indivisível, porque, como diz LAURENT, não há solidariedade sem declaração expressa da lei, nem obrigação indivisível que recaia sobre objeto divisível". (BEVILACQUA, 1982, p.390).

            O Colendo Superior Tribunal de Justiça também sempre negou o caráter solidário dessa obrigação, prevista no do Código Civil de 1916, na cabeça do art. 397, verbis:

            O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

            Note-se que esse dispositivo foi reproduzido ipsis litteris no artigo 1.696 do vigente Código Civil.

            Em função do caráter não solidário da obrigação alimentar, considerada conjunta e divisível, os coobrigados, então, são chamados ao processo em litisconsórcio, havendo divergência quanto a ser tal litisconsórcio obrigatório ou facultativo, prevalecendo pela mais atualizada jurisprudência a segunda hipótese, conforme se verá adiante.

            O litisconsórcio é uma reunião de litigantes numa mesma relação processual atuando como autores, como réus ou como autores e réus, sendo explicitado por LUIZ FUX com precisão acadêmica:

            Litisconsórcio é o fenômeno jurídico consistente na pluralidade de partes na relação processual. Em conseqüência, admite a classificação de ativo quando há vários autores; passivo quando há vários réus e misto quando a pluralidade verifica-se em ambos os pólos da relação processual. (FUX, 2004, p. 265).

            O fenômeno jurídico litisconsorcial encontra-se disciplinado nos artigos 46 e 47 do Código de Processo Civil, onde são elencados os requisitos de seu cabimento, percebendo-se que depende da situação de direito material posta em disputa como ensina com proficiência JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE ao discorrer sobre "Pluralidade de partes e relação material", onde acentua que:

            As diversas hipóteses em que se verificam o litisconsórcio e a intervenção de terceiros no processo refletem a existência, no plano material, de relações jurídicas mais ou menos complexas, bem como de situações distintas e do nexo entre elas existente. Os elementos do litígio são fundamentais para a configuração da pluralidade das partes. (BEDAQUE, 2004, p. 148).

            E, adiante, acrescenta que a incidência obrigatória da formação do litisconsórcio decorre de previsão legal, afirmando, peremptoriamente que: "Litisconsórcio necessário é aquele em que a pluralidade de partes não apenas é admitida, mas também imposta pelo legislador." (Op cit, 2004, p. 153).

            Pois bem. Tanto a questão da solidariedade quanto do litisconsórcio no direito alimentar foram apreciadas a um só tempo pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça em recente julgado (acórdão transcrito ao final deste tópico), sob a relatoria do Ministro FERNANDO GONÇAVES, cujo douto voto foi elaborado e adornado com suporte em alguns dos mais respeitáveis doutrinadores pátrios que se debruçaram sobre o tema e que abaixo se reproduz:

            WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

            Outro aspecto interessante da obrigação alimentar: na hipótese de coexistirem vários parentes do mesmo grau, obrigados à prestação, não existe solidariedade. Exemplificativamente: um indivíduo de idade avançada, pai de vários filhos, carece de alimentos. Não se tratando de obrigação solidária, em que qualquer dos co-devedores responde pela dívida toda (Cód. Civil, art. 904), cumpre-lhe chamar a juízo, simultaneamente, num só feito, todos os filhos. Não lhe é lícito dirigir a ação contra um deles somente, ainda que o mais abastado. Na sentença o juiz rateará entre os listisconsortes a soma arbitrada, de acordo com as possibilidades econômicas de cada um, Se um deles se achar incapacitado financeiramente, será por certo exonerado do encargo. Anote-se ainda que divisível é a obrigação. Em tais condições, numa ação de alimentos, não pode o réu defender-se com a alegação de que existem outras pessoas igualmente obrigadas e aptas a fornecê-los. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 298).

            PONTES DE MIRANDA:

           Por isso que os ascendentes de um mesmo grau são obrigados em conjunto, a ação de alimentos deve ser exercida contra todos, e a quota alimentar é fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e as necessidades do alimentário. Assim, intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.; avó, bisavó etc.) pode opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau. (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. tomo IX, 1ª edição, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 278).

            J.M.DE CARVALHO SANTOS:

            Em melhor expressão: em primeiro lugar são obrigados os pais, depois os avós, depois os bisavós, e, assim, os trisavós, etc. E em existindo um ascendente de grau mais próximo, os de grau mais remoto ficam excluídos e liberados daquela obrigação. (...)
            Exemplificando: na falta de pais, ou se êstes estão impossibilitados de cumprir essa obrigação, pode o filho, sem recursos para a sua subsistência, pedir alimentos aos avós, nas mesmas condições em que pediria aos pais, a dizer: sem distinção de sexo e de regime de bens, na proporção dos seus capitais e na medida das necessidades do alimentário.
            O que se faz necessário esclarecer é que se há avós paternos e maternos, são todos chamados, simultâneamente, a cumprir a obrigação, nas devidas proporções.
            Os ascendentes do mesmo grau são, sem dúvida, obrigados em conjunto, como se diz no Código Civil alemão, art. 1.066.
            Dessa verdade resulta que a ação de alimentos deve ser exercida contra todos e a cota alimentar será fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e necessidade do alimetário.
            Ressalta ainda que pode o ascendente (avó, bisavó, etc.; avô, bisavô, etc.) opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau.. (SANTOS, J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. vol. VI, 10ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 171).

            E, já sob a égide do atual Código Civil de 2002, trouxe o escólio de BELMIRO PEDRO WELTER:

            Com a promulgação do Código Civil de 2002, embora se tenha mantido o caráter de não-solidariedade da obrigação alimentar, isto é, ‘sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos’ (art. 1.710), haverá alteração de pensionamento com relação ao recebimento da pensão, pois, de acordo com o art. 1.698 do mesmo digesto legal, ‘se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide’. Significa dizer que o demandado terá o dever, e não só o direito, de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação alimentar, caso ele não consiga suportar sozinho esse encargo, porque o credor tem o direito de receber a integralidade dos alimentos, que deverão ser fixados nesse processo.
            A esse respeito, a doutrina informa que se trata de mais uma hipótese de intervenção de terceiros, não constante da legislação processual, pelo que houve inovação pelo Código Civil, porquanto, a partir de agora, ‘não há mais dúvida de que tal chamamento é possível, o que certamente permitirá que se dê solução mais adequada à lide, quando há vários obrigados a prestar alimentos, definindo-se, desde logo, o quanto caberá a cada um’.
            Como se vê, o Código Civil de 2002 contrariou a doutrina e a jurisprudência vigentes, porquanto exige, e não apenas faculta, a convocação de todos os co-obrigados para, no processo pendente, ser distribuída a pensão alimentícia, de acordo com a necessidade do alimentando e as possibilidades de todos os co-responsáveis. E isso significa que o litisconsórcio não é mais facultativo, e sim litisconsórcio passivo obrigatório simples: passivo, porque a pensão deve ser paga somente pelo demandado ou pelos demais parentes; obrigatório, porque o legislador optou pelos princípios da celeridade e da economia processual, com a concessão dos alimentos em um único processo; simples, porque a verba alimentar será distribuída entre os parentes de acordo com as suas possibilidades financeiras. (Alimentos no Código Civil - THOMSON - IOB - 2ª edição - págs. 222/223).

            Com base nesses robustos fundamentos doutrinários o eminente Ministro-relator lavrou o seguinte acórdão:

            CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA. LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA.
            1 - A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que "sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos.".
            2 - O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras.
            3 - Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo passivo da demanda.
            4 - Recurso especial conhecido e provido. ( REsp 658139 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2004/0063876-0, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, 4ª.T. julg. 11/10/2005, DJ 13.03.2006 p. 326).

            Como se pode perceber, o ilustre Ministro-relator seguiu a trilha adredemente traçada pela doutrina e jurisprudência dominantes no que tange ao caráter não solidário da obrigação alimentar.

            Todavia, a contrario sensu do ponto de vista de BELMIRO PEDRO WELTER, no que se refere ao litisconsórcio, entendeu que o litisconsórcio passivo deve ser facultativo e não obrigatório ou necessário como asseverou o referido autor.

            E justificou seu posicionamento na interpretação extraída das disposições contidas no artigo 1698 do Código Civil.


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