Parte 2/5
Acompanhando
a doutrina civilista, desde a edição do Código Civil de 1916, sob inspiração do
notável jurisconsulto CLÓVIS BEVILACQUA, a obrigação alimentar sempre foi
entendida como não solidária, porquanto conjunta e divisível, ou seja, havendo
pluralidade de devedores, cada qual deve responder por uma parcela da dívida,
na medida de suas possibilidades econômicas.
No
dizer inexcedível de CLÓVIS:
"A
obrigação de prestar alimentos não é solidária, nem indivisível, porque, como
diz LAURENT, não há solidariedade sem declaração expressa da lei, nem obrigação
indivisível que recaia sobre objeto divisível". (BEVILACQUA, 1982,
p.390).
O
Colendo Superior Tribunal de Justiça também sempre negou o caráter solidário
dessa obrigação, prevista no do Código Civil de 1916, na cabeça do art. 397, verbis:
O direito à prestação de alimentos é
recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a
obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Note-se
que esse dispositivo foi reproduzido ipsis litteris no artigo 1.696 do vigente
Código Civil.
Em
função do caráter não solidário da obrigação alimentar, considerada conjunta e
divisível, os coobrigados, então, são chamados ao processo em litisconsórcio,
havendo divergência quanto a ser tal litisconsórcio obrigatório ou facultativo,
prevalecendo pela mais atualizada jurisprudência a segunda hipótese, conforme
se verá adiante.
O
litisconsórcio é uma reunião de litigantes numa mesma relação processual
atuando como autores, como réus ou como autores e réus, sendo explicitado por
LUIZ FUX com precisão acadêmica:
Litisconsórcio
é o fenômeno jurídico consistente na pluralidade de partes na relação
processual. Em conseqüência, admite a classificação de ativo quando há
vários autores; passivo quando há vários réus e misto quando a
pluralidade verifica-se em ambos os pólos da relação processual. (FUX, 2004, p.
265).
O
fenômeno jurídico litisconsorcial encontra-se disciplinado nos artigos 46 e 47
do Código de Processo Civil, onde são elencados os requisitos de seu cabimento,
percebendo-se que depende da situação de direito material posta em disputa como
ensina com proficiência JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE ao discorrer sobre
"Pluralidade de partes e relação material", onde acentua que:
As
diversas hipóteses em que se verificam o litisconsórcio e a intervenção de
terceiros no processo refletem a existência, no plano material, de relações
jurídicas mais ou menos complexas, bem como de situações distintas e do nexo
entre elas existente. Os elementos do litígio são fundamentais para a
configuração da pluralidade das partes. (BEDAQUE, 2004, p. 148).
E,
adiante, acrescenta que a incidência obrigatória da formação do litisconsórcio
decorre de previsão legal, afirmando, peremptoriamente que: "Litisconsórcio necessário é aquele em
que a pluralidade de partes não apenas é admitida, mas também imposta pelo
legislador." (Op cit, 2004, p. 153).
Pois
bem. Tanto a questão da solidariedade quanto do litisconsórcio no direito
alimentar foram apreciadas a um só tempo pelo Colendo Superior Tribunal de
Justiça em recente julgado (acórdão transcrito ao final deste tópico), sob a
relatoria do Ministro FERNANDO GONÇAVES, cujo douto voto foi elaborado e
adornado com suporte em alguns dos mais respeitáveis doutrinadores pátrios que
se debruçaram sobre o tema e que abaixo se reproduz:
WASHINGTON
DE BARROS MONTEIRO:
Outro
aspecto interessante da obrigação alimentar: na hipótese de coexistirem vários
parentes do mesmo grau, obrigados à prestação, não existe solidariedade.
Exemplificativamente: um indivíduo de idade avançada, pai de vários filhos,
carece de alimentos. Não se tratando de obrigação solidária, em que qualquer
dos co-devedores responde pela dívida toda (Cód. Civil, art. 904), cumpre-lhe
chamar a juízo, simultaneamente, num só feito, todos os filhos. Não lhe é
lícito dirigir a ação contra um deles somente, ainda que o mais abastado. Na
sentença o juiz rateará entre os listisconsortes a soma arbitrada, de acordo
com as possibilidades econômicas de cada um, Se um deles se achar incapacitado
financeiramente, será por certo exonerado do encargo. Anote-se ainda que
divisível é a obrigação. Em tais condições, numa ação de alimentos, não pode o
réu defender-se com a alegação de que existem outras pessoas igualmente
obrigadas e aptas a fornecê-los. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de
direito civil. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 298).
PONTES
DE MIRANDA:
Por
isso que os ascendentes de um mesmo grau são obrigados em conjunto, a ação de
alimentos deve ser exercida contra todos, e a quota alimentar é fixada de
acordo com os recursos dos alimentantes e as necessidades do alimentário.
Assim, intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.; avó, bisavó etc.) pode
opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo
grau. (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. tomo IX, 1ª
edição, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p.
278).
J.M.DE
CARVALHO SANTOS:
Em
melhor expressão: em primeiro lugar são obrigados os pais, depois os avós,
depois os bisavós, e, assim, os trisavós, etc. E em existindo um ascendente de
grau mais próximo, os de grau mais remoto ficam excluídos e liberados daquela
obrigação. (...)
Exemplificando:
na falta de pais, ou se êstes estão impossibilitados de cumprir essa obrigação,
pode o filho, sem recursos para a sua subsistência, pedir alimentos aos avós,
nas mesmas condições em que pediria aos pais, a dizer: sem distinção de sexo e
de regime de bens, na proporção dos seus capitais e na medida das necessidades
do alimentário.
O
que se faz necessário esclarecer é que se há avós paternos e maternos, são
todos chamados, simultâneamente, a cumprir a obrigação, nas devidas proporções.
Os
ascendentes do mesmo grau são, sem dúvida, obrigados em conjunto, como se diz
no Código Civil alemão, art. 1.066.
Dessa
verdade resulta que a ação de alimentos deve ser exercida contra todos e a cota
alimentar será fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e necessidade
do alimetário.
Ressalta
ainda que pode o ascendente (avó, bisavó, etc.; avô, bisavô, etc.) opor que não
foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau.. (SANTOS,
J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. vol. VI, 10ª
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 171).
E,
já sob a égide do atual Código Civil de 2002, trouxe o escólio de BELMIRO PEDRO
WELTER:
Com a promulgação do Código Civil de 2002,
embora se tenha mantido o caráter de não-solidariedade da obrigação alimentar,
isto é, ‘sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem
concorrer na proporção dos respectivos recursos’ (art. 1.710), haverá alteração
de pensionamento com relação ao recebimento da pensão, pois, de acordo com o
art. 1.698 do mesmo digesto legal, ‘se o parente, que deve alimentos em
primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo,
serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas
obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos
respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser
chamadas a integrar a lide’. Significa dizer que o demandado terá o dever, e
não só o direito, de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação
alimentar, caso ele não consiga suportar sozinho esse encargo, porque o credor
tem o direito de receber a integralidade dos alimentos, que deverão ser fixados
nesse processo.
A
esse respeito, a doutrina informa que se trata de mais uma hipótese de
intervenção de terceiros, não constante da legislação processual, pelo que
houve inovação pelo Código Civil, porquanto, a partir de agora, ‘não há mais
dúvida de que tal chamamento é possível, o que certamente permitirá que se dê
solução mais adequada à lide, quando há vários obrigados a prestar alimentos,
definindo-se, desde logo, o quanto caberá a cada um’.
Como
se vê, o Código Civil de 2002 contrariou a doutrina e a jurisprudência
vigentes, porquanto exige, e não apenas faculta, a convocação de todos os
co-obrigados para, no processo pendente, ser distribuída a pensão alimentícia,
de acordo com a necessidade do alimentando e as possibilidades de todos os
co-responsáveis. E isso significa que o litisconsórcio não é mais facultativo,
e sim litisconsórcio passivo obrigatório simples: passivo, porque a pensão deve
ser paga somente pelo demandado ou pelos demais parentes; obrigatório, porque o
legislador optou pelos princípios da celeridade e da economia processual, com a
concessão dos alimentos em um único processo; simples, porque a verba alimentar
será distribuída entre os parentes de acordo com as suas possibilidades
financeiras. (Alimentos no Código Civil - THOMSON - IOB - 2ª edição - págs.
222/223).
Com
base nesses robustos fundamentos doutrinários o eminente Ministro-relator
lavrou o seguinte acórdão:
CIVIL.
ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA.
LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA.
1
- A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que
"sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer
na proporção dos respectivos recursos.".
2
- O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os
co-responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o
encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as
suas possibilidades financeiras.
3
- Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar
principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser
diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de
sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar
não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para
o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo
passivo da demanda.
4
- Recurso especial conhecido e provido. ( REsp 658139 / RS ; RECURSO ESPECIAL
2004/0063876-0, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, 4ª.T. julg. 11/10/2005, DJ
13.03.2006 p. 326).
Como
se pode perceber, o ilustre Ministro-relator seguiu a trilha adredemente
traçada pela doutrina e jurisprudência dominantes no que tange ao caráter não
solidário da obrigação alimentar.
Todavia,
a contrario sensu do ponto de vista de BELMIRO PEDRO WELTER, no que se
refere ao litisconsórcio, entendeu que o litisconsórcio passivo deve ser
facultativo e não obrigatório ou necessário como asseverou o referido autor.
E
justificou seu posicionamento na interpretação extraída das disposições
contidas no artigo 1698 do Código Civil.
Cont.
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