Parte 3/5
3 OS ALIMENTOS COMO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
A
respeito da obrigação alimentar, já dizia o vetusto Código Civil, com as
alterações sofridas ao longo de sua vigência:
Art.
399 - São devidos os alimentos quando o parente, que os pretende, não tem bens,
nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e o de quem se
reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Parágrafo
único. No caso de pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficaram sem
condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de
bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e até em caráter provisional,
aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a
obrigação irrenunciável de assisti-los e alimentá-los até o final de suas
vidas. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.648, de 20.4.1993).
O
parágrafo único supra já reflete de forma contundente a preocupação do
legislador com a especial proteção do idoso, aliás, em estrito cumprimento ao
disposto na parte final do art. 229 da Constituição Federal de 1988,
(transcrito no início deste trabalho), impondo o dever dos filhos maiores e
capazes, de assegurar, desde logo, ainda que em caráter provisional, o sustento
dos pais e da forma mais célere possível.
Contudo,
como se viu alhures, sempre predominou a interpretação da inexistência da
solidariedade alimentar, diante de outras disposições do Código Civil, como
aquela contida no "caput" do artigo 397 do CC 1916, inteiramente
reproduzida no art. 1698 do CC/2002, ambas prevendo que, sendo várias as
pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos
respectivos recursos, devendo ser chamadas a integrar a lide.
Entrementes,
com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 01.10.2003), toda a
construção doutrinária e jurisprudencial acerca do entendimento da não
solidariedade da obrigação alimentar derruiu, pois o artigo 12 do referido
diploma legal estabelece que: "a obrigação alimentar é solidária, podendo
o idoso optar entre os prestadores".
A
teoria geral das obrigações consagra como regra a repartição do vínculo
obrigacional em relações autônomas iguais entre os credores e devedores, que só
pode ser afastada por imposição de lei ou convenção pelas partes. (TEPEDINO,
G.; BARBOSA, H.H.; MORAES, M.C.B., 2004, p. 545).
Por
sua vez, pontua CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que a solidariedade existe quando
numa mesma obrigação "concorre pluralidade de credores, cada um com
direito à divida toda, ou pluralidade de devedores, cada um obrigado a ela por
inteiro (Código Civil de 2002, arts. 264 e 265)." (PEREIRA, 2004, p. 80).
O
prestador de alimentos, na conceituação da legislação civil codificada, são os
parentes na linha ascendente (pais) e descendente (filhos e netos) e os irmãos,
na conformidade dos artigos 1696 e 1697.
Assim
sendo, o idoso pode acionar um único prestador, mediante uma ação de alimentos
- com procedimento célere e especial disciplinado pela Lei 5.478/68 - e exigir
dele o quanto for imprescindível à manutenção de sua condição social, desde
que, evidentemente, o eleito disponha de condições para tal, ainda que possa,
posteriormente, ressarcir-se perante os demais coobrigados.
Nesse
caso, arcará o prestador integralmente com a obrigação, vez que se trata de
obrigação solidária passiva, cuja conceituação revela o percuciente ensinamento
de CARLOS ROBERTO GONÇALVES:
A
obrigação solidária passiva pode ser conceituada como a relação obrigacional,
oriunda de lei ou de vontade das partes, com multiplicidade de devedores, sendo
que cada um responde in totum et totaliter pelo cumprimento da
prestação, como se fosse o único devedor. Cada devedor está obrigado à
prestação na sua integralidade, como se tivesse contraído sozinho o débito.
(GONÇALVES, 2006, p. 136).
Por
isso, na monografia "Os Direitos Fundamentais dos Idosos" (QUEIROZ,
2006, p.89), anotei que:
Nos
termos do art. 12 do Estatuto, a obrigação alimentar é solidária, podendo o
idoso optar entre os prestadores, que são aqueles elencados, consoante
descrevem os artigos 1696 e 1697 do Código Civil de 2002.
Significa
dizer que todos os indicados na lei civil são igualmente responsáveis pelo
dever de alimentar, podendo o idoso escolher quem acionar ao adimplemento
(cumprimento) dessa obrigação legal.
Pela
clareza da redação do artigo 12 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de
01.10.3003) - "A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar
entre os prestadores." - parece indiscutível que, pelo menos em
relação aos idosos, a prestação alimentar, por expressa opção do legislador,
passou a ter caráter solidário, possibilitando ao alimentário idoso pleitear
alimentos por sua livre escolha, diretamente daquele que estiver em melhores
condições econômicas para suportar o encargo.
Ficou
clara a desnecessidade de chamar os demais coobrigados em litisconsórcio e nem
permitir eventual escusa daquele que pode pagar, para chamar aos autos eventuais
outros co-responsáveis no intuito de ratear a prestação alimentar. Dessa forma,
evitam-se percalços na tramitação do processo de alimentos, tornando mais
célere a prestação jurisdicional, para atender necessidades vitais do
alimentando idoso.
Nem
tudo são flores. Tratando-se de inovação legislativa sobre tema relevante como
o direito a alimentos, natural que surjam algumas resistências, tanto entre
doutrinadores quanto na jurisprudência. Dois casos emblemáticos:
1)
No dileto artigo publicado na internet sob o título "O idoso e direito aos
alimentos", da lavra de PEDRO LINO DE CARVALHO JÚNIOR, dentre outras
aguçadas e pertinentes observações, avulta a seguinte: "Assentar a
solidariedade da obrigação alimentar em favor do idoso pode dar ensejo a
cizânias domésticas" (CARVALHO JUNIOR, P. L. de. 2006).
Esse
ponto de vista merece todo o respeito, mas, quanto ao argumento alvitrado cabe
obtemperar que divergências domésticas ocorrem independentemente da simples
atribuição de solidariedade à obrigação alimentar. A família é uma instituição
que, por natureza, vive em permanente conflito (mesmo, como o dito popular, nas
melhores famílias da Inglaterra, inclusive a família real!) e o necessitado
somente busca o judiciário quando não dispõe de outro meio para sua
subsistência.
2)
No julgado proferido pela douta justiça gaúcha, renegando a vigência da norma
estatutária, com a ementa abaixo:
INTELIGÊNCIA
DO ARTIGO 12 DO ESTATUTO DO IDOSO. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003,
prevê, em seu artigo 12, que "a obrigação alimentar é solidária, podendo o
idoso optar entre os prestadores". Trata-se, à evidência, de regra que, ao
conferir à obrigação alimentar a característica da solidariedade, contraria a
própria essência da obrigação, que, consoante dispõe o artigo 1.694, parágrafo
primeiro, do Código Civil, deve ser fixada na proporção da necessidade de quem
pede e da possibilidade de quem é chamado a prestar. Logo, por natureza,
trata-se de obrigação divisível e, por conseqüência, não-solidária,
mostrando-se como totalmente equivocada, e à parte do sistema jurídico
nacional, a dicção da novel regra estatutária. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70006634414, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/10/2003).
Esse
interessante julgamento foi proferido durante a "vacatio legis" do
Estatuto do Idoso (90 dias após a publicação no DOU de 03/10/2003 – art.118,
EI). Poderia até mesmo ignorar a norma estatutária que ainda não estava em vigor. Mas ,
lamentavelmente, preferiu desde logo rejeitá-la, sob o fundamento de que
contraria a própria essência da obrigação.
Com
a devida vênia, talvez o frescor da lei estatutária não tenha oportunizado
melhor aprofundamento para sua compreensão e o julgado destoa de toda a
tradição jurídica da doutíssima jurisprudência gaúcha sempre evolutiva e muitas
vezes precursora em matéria de direito de família.
Ademais,
o artigo 12 do EI em nada contraria o parágrafo único do artigo 1694 do Código
Civil, vez que o prestador não poderá ser condenado em valor superior à de sua
capacidade econômica.
A
lei permite que o idoso escolha aquele a quem possa arcar com a obrigação alimentar
e se indicou o prestador equivocadamente ou que não tenha possibilidade de
assumir integralmente o quanto necessita, receberá o que for possível, pois o
risco de atirar em alvo errado é seu. E poderá obter a diferença de outro
coobrigado.
Nada
obstante, isso em nada implica em considerar que a nova regra esteja à parte do
sistema jurídico, muito pelo contrário. Está sim integrada ao sistema jurídico
e deve ser reconhecida como tal, tanto que acaba de ser abonada pelo Colendo Superior
Tribunal de Justiça como se demonstra no tópico que segue.
Cont.
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