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15 outubro 2012

A NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR (3)



Parte 3/5

3 OS ALIMENTOS COMO OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA

            A respeito da obrigação alimentar, já dizia o vetusto Código Civil, com as alterações sofridas ao longo de sua vigência:

            Art. 399 - São devidos os alimentos quando o parente, que os pretende, não tem bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e o de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

            Parágrafo único. No caso de pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficaram sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e até em caráter provisional, aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a obrigação irrenunciável de assisti-los e alimentá-los até o final de suas vidas. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.648, de 20.4.1993).

            O parágrafo único supra já reflete de forma contundente a preocupação do legislador com a especial proteção do idoso, aliás, em estrito cumprimento ao disposto na parte final do art. 229 da Constituição Federal de 1988, (transcrito no início deste trabalho), impondo o dever dos filhos maiores e capazes, de assegurar, desde logo, ainda que em caráter provisional, o sustento dos pais e da forma mais célere possível.

            Contudo, como se viu alhures, sempre predominou a interpretação da inexistência da solidariedade alimentar, diante de outras disposições do Código Civil, como aquela contida no "caput" do artigo 397 do CC 1916, inteiramente reproduzida no art. 1698 do CC/2002, ambas prevendo que, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, devendo ser chamadas a integrar a lide.

            Entrementes, com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 01.10.2003), toda a construção doutrinária e jurisprudencial acerca do entendimento da não solidariedade da obrigação alimentar derruiu, pois o artigo 12 do referido diploma legal estabelece que: "a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores".

            A teoria geral das obrigações consagra como regra a repartição do vínculo obrigacional em relações autônomas iguais entre os credores e devedores, que só pode ser afastada por imposição de lei ou convenção pelas partes. (TEPEDINO, G.; BARBOSA, H.H.; MORAES, M.C.B., 2004, p. 545).

            Por sua vez, pontua CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que a solidariedade existe quando numa mesma obrigação "concorre pluralidade de credores, cada um com direito à divida toda, ou pluralidade de devedores, cada um obrigado a ela por inteiro (Código Civil de 2002, arts. 264 e 265)." (PEREIRA, 2004, p. 80).

            O prestador de alimentos, na conceituação da legislação civil codificada, são os parentes na linha ascendente (pais) e descendente (filhos e netos) e os irmãos, na conformidade dos artigos 1696 e 1697.

            Assim sendo, o idoso pode acionar um único prestador, mediante uma ação de alimentos - com procedimento célere e especial disciplinado pela Lei 5.478/68 - e exigir dele o quanto for imprescindível à manutenção de sua condição social, desde que, evidentemente, o eleito disponha de condições para tal, ainda que possa, posteriormente, ressarcir-se perante os demais coobrigados.

            Nesse caso, arcará o prestador integralmente com a obrigação, vez que se trata de obrigação solidária passiva, cuja conceituação revela o percuciente ensinamento de CARLOS ROBERTO GONÇALVES:

            A obrigação solidária passiva pode ser conceituada como a relação obrigacional, oriunda de lei ou de vontade das partes, com multiplicidade de devedores, sendo que cada um responde in totum et totaliter pelo cumprimento da prestação, como se fosse o único devedor. Cada devedor está obrigado à prestação na sua integralidade, como se tivesse contraído sozinho o débito. (GONÇALVES, 2006, p. 136).

            Por isso, na monografia "Os Direitos Fundamentais dos Idosos" (QUEIROZ, 2006, p.89), anotei que:

            Nos termos do art. 12 do Estatuto, a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores, que são aqueles elencados, consoante descrevem os artigos 1696 e 1697 do Código Civil de 2002.
            Significa dizer que todos os indicados na lei civil são igualmente responsáveis pelo dever de alimentar, podendo o idoso escolher quem acionar ao adimplemento (cumprimento) dessa obrigação legal.

            Pela clareza da redação do artigo 12 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 01.10.3003) - "A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores." - parece indiscutível que, pelo menos em relação aos idosos, a prestação alimentar, por expressa opção do legislador, passou a ter caráter solidário, possibilitando ao alimentário idoso pleitear alimentos por sua livre escolha, diretamente daquele que estiver em melhores condições econômicas para suportar o encargo.

            Ficou clara a desnecessidade de chamar os demais coobrigados em litisconsórcio e nem permitir eventual escusa daquele que pode pagar, para chamar aos autos eventuais outros co-responsáveis no intuito de ratear a prestação alimentar. Dessa forma, evitam-se percalços na tramitação do processo de alimentos, tornando mais célere a prestação jurisdicional, para atender necessidades vitais do alimentando idoso.

            Nem tudo são flores. Tratando-se de inovação legislativa sobre tema relevante como o direito a alimentos, natural que surjam algumas resistências, tanto entre doutrinadores quanto na jurisprudência. Dois casos emblemáticos:

            1) No dileto artigo publicado na internet sob o título "O idoso e direito aos alimentos", da lavra de PEDRO LINO DE CARVALHO JÚNIOR, dentre outras aguçadas e pertinentes observações, avulta a seguinte: "Assentar a solidariedade da obrigação alimentar em favor do idoso pode dar ensejo a cizânias domésticas" (CARVALHO JUNIOR, P. L. de. 2006).

            Esse ponto de vista merece todo o respeito, mas, quanto ao argumento alvitrado cabe obtemperar que divergências domésticas ocorrem independentemente da simples atribuição de solidariedade à obrigação alimentar. A família é uma instituição que, por natureza, vive em permanente conflito (mesmo, como o dito popular, nas melhores famílias da Inglaterra, inclusive a família real!) e o necessitado somente busca o judiciário quando não dispõe de outro meio para sua subsistência.

            2) No julgado proferido pela douta justiça gaúcha, renegando a vigência da norma estatutária, com a ementa abaixo:

            INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DO ESTATUTO DO IDOSO. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003, prevê, em seu artigo 12, que "a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores". Trata-se, à evidência, de regra que, ao conferir à obrigação alimentar a característica da solidariedade, contraria a própria essência da obrigação, que, consoante dispõe o artigo 1.694, parágrafo primeiro, do Código Civil, deve ser fixada na proporção da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem é chamado a prestar. Logo, por natureza, trata-se de obrigação divisível e, por conseqüência, não-solidária, mostrando-se como totalmente equivocada, e à parte do sistema jurídico nacional, a dicção da novel regra estatutária. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70006634414, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/10/2003).

            Esse interessante julgamento foi proferido durante a "vacatio legis" do Estatuto do Idoso (90 dias após a publicação no DOU de 03/10/2003 – art.118, EI). Poderia até mesmo ignorar a norma estatutária que ainda não estava em vigor. Mas, lamentavelmente, preferiu desde logo rejeitá-la, sob o fundamento de que contraria a própria essência da obrigação.

            Com a devida vênia, talvez o frescor da lei estatutária não tenha oportunizado melhor aprofundamento para sua compreensão e o julgado destoa de toda a tradição jurídica da doutíssima jurisprudência gaúcha sempre evolutiva e muitas vezes precursora em matéria de direito de família.

            Ademais, o artigo 12 do EI em nada contraria o parágrafo único do artigo 1694 do Código Civil, vez que o prestador não poderá ser condenado em valor superior à de sua capacidade econômica.

            A lei permite que o idoso escolha aquele a quem possa arcar com a obrigação alimentar e se indicou o prestador equivocadamente ou que não tenha possibilidade de assumir integralmente o quanto necessita, receberá o que for possível, pois o risco de atirar em alvo errado é seu. E poderá obter a diferença de outro coobrigado.

            Nada obstante, isso em nada implica em considerar que a nova regra esteja à parte do sistema jurídico, muito pelo contrário. Está sim integrada ao sistema jurídico e deve ser reconhecida como tal, tanto que acaba de ser abonada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça como se demonstra no tópico que segue.


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