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25 outubro 2012

DESVIO DE VERBA DO FUNDEF É CRIME DE ALÇADA FEDERAL




O Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, composta pelos ministros que integram a Quinta e Sexta Turma, revisou sua jurisprudência até então pacificada a respeito do tema, para assentar que os crimes de malversação de verbas do FUNDEF, ainda que tais verbas públicas não sejam oriundas do governo federal, devem ser apurados e julgados pela justiça federal.

Até então o STJ cuidava dessa questão em duas súmulas, em que diferenciava o juízo competente, se federal ou estadual, pela simples razão da incorporação ou não ao patrimônio do município da verba federal do Fundef enviada, nos seguintes termos:

STJ Súmula nº 208 - 27/05/1998 - DJ 03.06.1998

Competência - Processo e Julgamento - Prefeito - Desvio de Verba - Prestação de Contas Perante Órgão Federal

Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

STJ Súmula nº 209 - 27/05/1998 - DJ 03.06.1998

Competência - Processo e Julgamento - Prefeito - Desvio de Verba Transferida e Incorporada ao Patrimônio Municipal

Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

Por seu sentido esclarecedor, didático e congruente, vale transcrever o excerto do HC 62998 / RO DJ 12.03.2007 (STJ):

"Na linha do entendimento inserto nos enunciados n. 208 e 209 da Súmula deste STJ, compete à Justiça Federal processar e julgar crimes de desvio de verbas oriundas de órgãos federais, sujeitas ao controle do Tribunal de Contas da União e não incorporadas ao patrimônio do Município".

Isso evidentemente só contribuiu para dificultar a proposição de ações penais diante da necessidade de verificação prévia se havia ou não verba federal desviada e serviu para estabelecer confusão e conflitos de competência entre a justiça estadual e a federal, que doravante estarão definitivamente sepultados.

Com o novo posicionamento do STJ, originalmente modificado no julgamento do conflito de competência 119.305-SP (DJe 23/2/2012) e ratificado no julgamento do CC 123817-PB tem-se por superada a Súmula 209 do STJ.
Confira-se abaixo o inteiro teor da nova decisão, que inclui ementa da decisão originária:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 123.817 - PB (2012/0160756-9)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA
SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE ITABAIANA - PB
INTERES. : SEBASTIÃO TAVARES DE OLIVEIRA
INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MALVERSAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS ORIUNDAS DO FUNDEF. AUSÊNCIA DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBAS FEDERAIS. IRRELEVÂNCIA. CARÁTER NACIONAL DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Após o julgamento do CC nº 119.305/SP, a Terceira Seção desta Corte, mudando a
jurisprudência até então pacificada, passou a entender ser da competência da Justiça Federal a apuração, no âmbito penal, de malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, independentemente da complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos recursos.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba, o suscitante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. As Sras. Ministras Assusete Magalhães, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ/PE) e Laurita Vaz e os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 12 de setembro de 2012 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de conflito negativo de competência estabelecido entre o Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba e o Juízo de Direito da Vara Criminal de Itabaiana, no mesmo Estado.
Consta dos autos que o Ministério Público do Estado da Paraíba denunciou Sebastião Tavares de Oliveira, ex-Prefeito Municipal da cidade de Itabaiana/PB, como incurso no art. 1º, incisos I, III, XI, XIII (113 vezes), XIV e XVII, do Decreto-Lei nº 201/1967, c/c o art. 71, caput, do Código Penal, e art. 89 da Lei 8.666/93, em concurso material, em razão do desvio e malversação na aplicação das verbas do FUNDEF, dentre outras condutas (fls. 3/14).
O feito tramitava no Tribunal de Justiça da Paraíba que remeteu ao Juízo de primeiro grau, por entender que não havia prerrogativa de foro para julgamento de ex-prefeitos.
Após o término da instrução processual, o Juízo de Direito da Comarca de Itabaiana/PB, aplicando a incidência do enunciado nº 208 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, declinou de sua competência para a Justiça Federal (fls. 15/17).
O Juízo Federal, por sua vez, suscitou o presente conflito negativo de competência, por entender que, no ano de 2005, não houve complementação de verbas da União para integralização dos valores repassados pelo FUNDEF ao Município de Itabaiana/PB (fls. 24/25).
A Procuradoria Geral da República opina no sentido de que seja declarada a competência da Justiça Federal (fls. 33/37).
É o relatório.

VOTO

Como visto, Sebastião Tavares de Oliveira, ex-Prefeito Municipal da cidade de Itabaiana/PB, foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 1º, incisos I, III, XI, XIII (113 vezes), XIV e XVII, do Decreto-Lei nº 201/1967, c/c o art. 71, caput, do Código Penal, e art. 89 da Lei 8.666/93, em concurso material, em razão do desvio e malversação na aplicação das verbas do FUNDEF, dentre outras condutas.
O Juízo de Direito, entendendo ser absolutamente incompetente, remeteu os autos à Justiça Federal, que, por sua vez, suscitou o conflito, por entender que não houve a complementação de verbas por parte da União.
No caso, tenho que assiste razão ao Juízo suscitado. É certo que o  entendimento jurisprudencial que prevalecia neste Tribunal Superior era no sentido de que apenas quando houvesse a complementação de verbas federais aos recursos do FUNDEF, era possível evidenciar o interesse da União, e, consequentemente, fixar a competência da Justiça Federal.

Nesse sentido:

A - PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEF. PREFEITO MUNICIPAL. RECURSOS QUE NÃO ADVIERAM DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DO GOVERNO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Quando a malversação de verbas decorrentes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF não envolver recursos advindos da União, não há falar em competência da Justiça Federal.
2. Conflito conhecido para julgar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e de Fazendas Públicas da Comarca de Nerópolis/GO. (CC nº 104.306/GO, Terceira Seção, Relatora a Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 28/8/2009.)
B - PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEB. PREFEITO MUNICIPAL. NÃO-COMPLEMENTAÇÃO DO FUNDO PELA UNIÃO. NOVA SISTEMÁTICA TRAZIDA PELA LEI 11.494/07. PRESTAÇÃO DE CONTAS AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 208/STJ.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. O FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação atende a uma política nacional de educação, sendo regulamentado pela Lei 11.494/07, que revogou a Lei 24/96 do antigo FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
2. Compete aos Tribunais de Contas da União fiscalizar o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição, que trata do sistema de ensino no país, na hipótese de haver complementação da União na composição do fundo, conforme dispõe o art. 26, inciso III, da Lei 11.494/07.
3. Não ocorrendo a complementação do Fundo com recursos da União, inexiste o seu interesse direto na gestão desses recursos, sendo inaplicável a Súmula 208/STJ.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Comarca de Porteirinha/MG, ora suscitado. (CC nº 88.899/MG, Terceira Seção, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 4/6/2009.)

Entretanto, após o julgamento do CC nº 119.305/SP, realizado em 8/2/2012, a Terceira Seção desta Corte, mudando a jurisprudência até então pacificada, passou a entender ser da competência da Justiça Federal a apuração, no âmbito penal, de malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, independentemente da complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos recursos.

Confira-se o referido precedente:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. PREFEITO CONDENADO PELO JUÍZO ESTADUAL, EM FACE DO RECONHECIMENTO DE DESVIO DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDEF. JUÍZO ESTADUAL INCOMPETENTE (ART. 5º, LIII, CF/88). PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE O TCU (ART. 71 DA CARTA MAGNA). INDISCUTÍVEL INTERESSE DA UNIÃO. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 211, § 1º, PARTE FINAL E 212, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 218/STJ. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O MESMO TEMA. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. O FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, atende a uma política nacional de educação (artigo 211, § 1º, parte final).
2. A teor do disposto no artigo 212, caput, da Carta Magna, 'A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.'
3. A malversação de verbas decorrentes do FUNDEF, no âmbito penal, ainda que não haja complementação por parte da União, vincula a competência do Ministério Público Federal para a propositura de ação penal, atraindo, nessa hipótese, a da Justiça Federal, bem como o controle a ser exercido pelo TCU, conforme dispõe o artigo 71 da CR/88.
4. Evidenciado o interesse da União frente à sua missão constitucional na coordenação de ações relativas ao direito fundamental da educação, principalmente por tratar-se de fiscalização concorrente entre entes federativos, a competência é da Justiça Federal, sendo nula a sentença condenatória proferida por Juízo Estadual, a teor do disposto no artigo 5º, III, da Carta Republicana.
5. Conflito de competência conhecido, a fim de determinar o retorno dos autos ao TJSP, para que anule a sentença estadual, remetendo-os a uma das Seções Judiciárias integrantes do TRF 3ª Região, para que o Juízo singular Federal decida como entender de direito, sob pena de supressão de instância. (CC nº 119.305/SP, Relator o Desembargador convocado ADILSON VIEIRA MACABU, Terceira Seção, DJe de 23/2/2012.)
Portanto, a despeito da ausência de complementação de recursos por parte da União, por se tratar de questão criminal, a competência será da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal correspondente.

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Paraíba, o suscitante.

É como voto.

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