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29 abril 2011

COMPRAS PELA INTERNET E RESPONSABILIDADE DOS WEBSITES


O blog inicia hoje a publicação, que se dará sempre às sextas-feiras, de decisões por mim relatadas na Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Para começar segue uma decisão que recebeu acentuado destaque na mídia jurídica (Conjur, Ibedec, entre outros), por ser uma das primeiras a reconhecer a responsabilidade dos portais de intermediação de compras pela internet, inclusive por meio de leilões virtuais em face dos consumidores adquirentes de produtos, como segue:
 Recurso inominado nº 6714/05
Comarca da Capital - Juízo de Vitória
Julgado e Lido em 30.08.05

EMENTA: RECURSO NOMINADO. AQUISIÇÃO DE PRODUTO PELA INTERNET. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA EMPRESA DE WEBSITE EM CUJO AMBIENTE SE DÁ A TRANSAÇÃO COMERCIAL. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR EVENTUAIS PREJUÍZOS DOS CONSUMIDORES.

1. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada porquanto funcionando como intermediadora de negócios pela internet ostenta a recorrente a qualidade de legitimada passiva ad causam, até mesmo por incidência da teoria da asserção.
2.- Se a empresa oferece o produto em seu site, promove a intermediação do negócio e ainda recebe comissão pela transação efetuada, torna-se sujeita à solidariedade passiva (art.7º, par.unico, do cdc) com o anunciante-parceiro que deu causa à inexecução do contrato.
3.-Dessa forma, incumbe-lhe a obrigação de ressarcir eventuais prejuízos causados aos consumidores, sem embargo do direito de regresso contra o parceiro que descumpriu a avença.
4.-Recurso improvido.

R E L A T Ó R I O
O recorrente, devidamente qualificado e representado por seu douto patrono ajuizou “Ação Cível” em face da recorrida, alegando que comprou através de seu site  uma câmera digital marca SONY P10, com 3 anos de garantia, no valor de R$ 1431,00 de uma vendedora denominada ALINESTARR, que não foi mais localizada, não tendo recebido o produto adquirido. Requereu a devolução da importância paga, valorando a causa em R$ 2.862,00.
A r. sentença de fls. 171/172, julgou procedente o pedido inicial, condenando a requerida a restituir ao requerente a quantia de R$ 1.431,00, corrigida monetariamente a partir do desembolso efetuado.
Inconformada, a requerida interpôs recurso inominado a fls. 176/186, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade de parte e, no mérito, aponta aplicação equivocada do Código de Defesa do Consumidor, inexistência de solidariedade e falta de cautela do requerido, requerendo a improcedência do feito.
Contra-razoes a fls. 195/202, requerendo a improcedência do recurso com a condenação da recorrente ao pagamento das custas remanescentes e honorários de advogado.
É o relatório.
                                                                              *
                                                               V O T O
Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, sobretudo diante da certidão de fls. 176, conheço do recurso.                                                                                                            
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Alega a recorrente ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda vez que apenas participou do negocio de compra e venda via Internet na qualidade de intermediadora.
Entretanto, afirma o autor ser ela responsável pelo cumprimento dos negócios entabulados por sua pagina na internet, sendo tal afirmação suficiente para considerá-la parte legitima a figurar no pólo passivo, em face da teoria da asserção.
O termo asserção provém do latim assertione e significa, afirmação, alegação, argumentação. Conforme a Teoria da Asserção, que no direito italiano é denominada de prospettazione, as condições da ação são aferidas segundo o alegado pelo autor na petição inicial, não podendo o juiz aprofundar-se em sua análise, sob pena de exercer juízo de mérito.
 Ao abordar o tema da legitimidade das partes, o Professor José Carlos Barbosa Moreira, um dos mais cultuados processualistas pátrios, adota a teoria da asserção, ao ministrar que:
"O exame da legitimidade, pois, como o de qualquer das condições da ação – tem de ser feito com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se o julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in judicio deducta. Significa isso que o órgão judicial, ao apreciar a legitimidade das partes, considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou. Tem ele de raciocinar como que admita, por hipótese, e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria o juízo de mérito a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória". (Legitimação para agir. Indeferimento da Petição Inicial, in "Temas de Direito Processual", Primeira Série. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva,, p. 200.).
Tenho, pois, que a recorrente ostenta a qualidade de legitimidade passiva ad causam para a demanda, razão pela qual rejeito a preliminar.
M É R I T O
O recorrido, por intermédio do site da recorrente na Internet, adquiriu uma câmera digital SONY P10, no valor de R$ 1.431,00, pago por boleto bancário de fls. 18, no dia 26/03/2004, não recebendo o produto nem conseguindo identificar a vendedora. Daí requereu a restituição da quantia paga perante o site que ofertou o produto.
Discute-se nos autos se existe ou não responsabilidade da recorrente nos negócios que são realizados por seu site na Internet.
A doutrina vem caminhando no sentido da responsabilização dos intermediadores dos negócios de internet, porquanto atuam mediante venda dos espaços e participação nas transações. Assim, no eventual descumprimento dos contratos firmados pelos consumidores com os fornecedores de produtos e serviços, exsurge a responsabilidade de tais empresas, quer pelo risco da atividade, quer pelo principio da solidariedade.
Em excelente e instigante artigo sobre o tema, Rodrigo Fabrício Rossi Squarcini assevera que:
“As relações Business to Consumer, sob a ótica da legislação pátria, são aquelas baseadas nas relações de consumo, materializadas na figura do fornecedor e consumidor, sendo este "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" equiparando-se a consumidor "a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo", ou, ainda, todo aquele que sofrer dano em razão de acidente ocorrido pelo uso de produto defeituoso.
As implicações legais decorrentes da determinação da atividade como sendo Business to Consumer são várias, afetando não somente o tipo de responsabilidade civil, que deixa de ser subjetiva para ser agora objetiva, mas também as partes integrantes da linha de consumo.
Assim, da previsão genérica de que a responsabilidade seria subjetiva, passaremos, de acordo com a letra da lei, a trabalhar com a responsabilidade objetiva que, resumidamente, exclui a necessidade da comprovação da culpa, e torna-se, para este tipo de relação jurídica, a regra.” (Responsabilidade Civil na Internet, fontes: Infojus e  ibdi.org.br).
Nesse diapasão, a insigne CLÁUDIA LIMA MARQUES, assinala que a lei consumerista privilegia a busca da efetiva proteção ao consumidor, destacando:
“Em matéria de responsabilidade civil, o principal valor a ser protegido pelo direito deve ser o efetivo e rápido ressarcimento das vítimas. O CDC para alcançar este fim afasta-se do conceito de culpa e evolui, no art. 12, para uma responsabilidade objetiva, do tipo conhecida na Europa como responsabilidade "não culposa". (Contratos no Código de Defesa do Consumidor 3ª ed., 2ª tiragem, Ed. RT, 1999, p. 620).
Para o advogado Bernardo Rucker, a relação de consumo está caracterizada nas relações entre provedores e usuários. As dimensões da responsabilidade de tais provedores podem ser delimitadas de três formas distintas: respondem os servidores pelos serviços disponibilizados de forma direta a seus usuários (responsabilidade contratual); respondem de forma solidária pelos serviços disponibilizados de forma indireta por terceiros com vínculo ao provedor e conseqüente participação dentro da relação de consumo, dos quais o usuário do serviço acabou contratando, e não respondem por terceiros sem qualquer ligação com o provedor dos serviços, por inexistir qualquer capacidade de controle do provedor sobre as informações e o conteúdo de todo material existente na internet. (Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. Fonte: jusnavegandi.com.br). (Negritei).
Ainda o referido articulista aborda a questão da responsabilidade do provedor pelo fato de terceiro relacionado com sua atividade, aduzindo o seguinte:
“Uma vez superada a questão da responsabilização contratual do usuário do serviço do provedor por parte do próprio provedor na qualidade de fornecedor de serviços e produtos, surge aqui a necessidade de demonstração de uma responsabilidade inerente a terceiros que, de uma forma ou outra, interagem com a atividade empresarial do provedor de internet, atraindo para o provedor, conforme se demonstrará a seguir, uma responsabilidade extracontratual.
É a responsabilidade para com os atos de terceiros que utilizam, da mesma forma que o usuário aqui em tal condição retratado, dos serviços do provedor, quer seja locando espaço em seu servidor, quer seja anunciando em suas páginas, quer seja vendendo produtos e serviços e remunerando o servidor para tanto, e, de tal forma, contribuindo para que o consumidor adquira ou utilize de tais produtos ofertados, mediante a participação indireta do provedor de acesso à internet.
Para uma melhor visualização da responsabilidade aqui demonstrada, deve-se esclarecer, primeiramente, se ao fornecedor ligado de forma direta ou indireta ao provedor, pode-se aplicar o disposto no parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, para o caso de defeito ou vício qualquer na execução de serviços ou na entrega da coisa (em caso de compra e venda on line) imputado ao terceiro fabricante fornecedor:
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos, previstos nas normas de consumo.
Ao comentar tal norma, os autores do anteprojeto do Código do Consumidor, afirmam que
"Como a responsabilidade é objetiva, decorrente de simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiveram na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do serviço."
Ora, parece que por tal visão responde o provedor de internet pelo conteúdo ali disponibilizado por seus clientes, considerando ainda que possui o controle sobre a locação de seu espaço e seu material publicitário.
Também como bem lembrado pelo recorrido, ensina VITOR FERNANDES GONCALVES que:
 "Os contratos de fornecimento de produtos ou de prestação de serviços, dos quais constituem exemplo aqueles celebrados entre os provedores de acesso a internet e os seus clientes, encontram-se sujeitos, (...) as mesmas proteções ordinariamente dirigidas {a tutela dos consumidores, em relação a eventual aquisição de bens no mundo real. (...) Não se pode olvidar que os contratos realizados pela internet são contratos de adesão,  daí porque as limitações na interpretação de tal espécie de contrato são,  evidentemente, aplicáveis. Por isso e que devem ser consideradas nulas todas as disposições que alterem o equilíbrio contratual das partes, ou que liberem unilateralmente as partes de suas obrigações legais, como e o caso das clausulas de não indenizar. (A responsabilidade civil na internet, r. dout. Jurisp. TJDF 65, pg. 86.).
Por tudo quanto visto, incide na hipótese as disposições do Código de Defesa do Consumidor, sendo a recorrente empresa de website que, alem de locar os espaços em seu site, recebe comissão pelas transações comerciais realizadas.
Portanto, cabe-lhe o dever de cautela no cadastramento dos anunciantes e parceiros e a obrigação de reparar eventuais danos provenientes de acidente de consumo, vez que apenas permite que o usuário venha a ter informações, ainda assim precárias, sobre o vendedor, após o internauta haver confirmado a compra, não lhe sendo permitido o direito de desistência.
Não se olvide também dos princípios de lealdade e boa fé que devem presidir os relacionamentos. Ao confirmar o negocio no site da recorrente o recorrido depositou confiança em tal site, na suposição de se tratar de negocio serio e seguro.
Desse modo, a recorrente deve arcar com os riscos de sua atividade, tendo em vista a condição de sua solidariedade passiva, devendo esmerar-se para evitar que estelionatários possam utilizar-se de sua pagina para enganar os consumidores, casos em que arcará com os prejuízos que daí advierem, sem embargo do direito de regresso em face de seus parceiros.
Com base nessas considerações, a r.sentença hostilizada merece ser mantida.
A recorrente pagará as custas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.

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