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08 julho 2010

OS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA - 3

Parte 3-Final



Humberto Theodoro Júnior

Advogado; Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG; Desembargador Aposentado do TJMG; Membro da Academia de Direito de Minas Gerais, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International Association of Procedural Law.

16 Tutela de Urgência (Medidas Cautelares e Antecipatórias)

Ao juiz presidente do Juizado Especial da Fazenda Pública é conferido o poder de deferir, de ofício ou a requerimento das partes, medidas cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou incerta reparação (art. 3º da Lei nº 12.153). Observar-se-á, na espécie, a disciplina geral do CPC (art. 273) e a especial que dispõe sobre medidas cautelares e tutela antecipada contra a Fazenda Pública (Leis ns. 8.437/92 e 9.494/97).

17 Recursos nos Juizados Especiais da Fazenda Pública

Salvo no caso de medidas cautelares e antecipatórias, não cabe recurso contra decisões interlocutórias, no sistema processual da Lei nº 12.153 (art. 4º). Quando recorrível, a decisão interlocutória desafiará agravo de instrumento (16), observado o procedimento previsto no CPC para essa modalidade recursal.

As sentenças nos Juizados Especiais da Fazenda Pública são recorríveis (Lei nº 10.259/01, art. 4º), mas não ensejam apelação para o Tribunal de Justiça. Tampouco se há de cogitar de recurso especial para o STJ, quando a causa for submetida ao segundo grau interno dos Juizados (17). Pode caber, no entanto, recurso extraordinário para o STF do que restar decidido, não pelo juiz singular, mas pelas turmas recursais internas do juizado (art. 21).

São irrecorríveis as sentenças do Juizado Especial que homologarem a conciliação ou o laudo arbitral (Lei nº 9.099, art. 41) (18).

O recurso no caso em que seja manejável contra a sentença é endereçado à Turma Recursal integrante do Sistema dos Juizados Especiais, a qual se compõe de juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, na forma prevista na legislação local, com mandato de dois anos. O recrutamento, de preferência, será feito entre os juízes integrados ao sistema dos Juizados Especiais (19). O prazo de interposição do recurso é de 10 dias (Lei nº 9.099, art. 42).

Há permissão expressa, também, para o cabimento dos embargos de declaração, tanto em face das sentenças dos juízes de primeiro grau, como dos acórdãos das Turmas Recursais (Lei nº 9.099, art. 48).

É do acórdão da Turma Recursal, e não diretamente da sentença, que se poderá cogitar do recurso extraordinário para o STF, em caso de ofensa à CF, desde que configurada a "repercussão geral" (CF, art. 102, III e § 3º).

Em qualquer caso, não se permite recorrer, nos Juizados Especiais, sem a representação por advogado, ainda que o processo tenha se desenvolvido até a sentença sem o patrocínio técnico (Lei nº 9.099, art. 41, § 2º) (20).

O recurso, nos Juizados Especiais, se a parte não estiver amparada pela assistência judiciária gratuita, estará sujeito a preparo. Este, entretanto, não é prévio como no CPC, podendo ser feito nas 48 horas seguintes à interposição, independentemente de intimação e sob pena de deserção (Lei nº 9.099, art. 42, § 1º).

18 Uniformização de Jurisprudência nos Juizados Especiais da Fazenda Pública

Prevê a Lei nº 12.153/09 o incidente de uniformização de jurisprudência, que poderá ser provocado por pedido da parte interessada, quando ocorrer "divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material" (arts. 18, caput) (21). Divergências no campo do procedimento não justificam o incidente, muito embora se deva reconhecer que os abusos autoritários sejam tão graves no plano processual como no plano material.

O julgamento do incidente será feito em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de um desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça da unidade federativa a que pertençam ambas as Turmas (art. 18, § 1º). Se os juízes tiverem sede em cidades diversas, a reunião das Turmas poderá ser feita por meio eletrônico (art. 18, § 2º).

Quando as Turmas divergentes pertencerem a Estados diversos, ou quando a divergência envolver decisão em contrariedade com súmula do STJ, o pedido de uniformização será por este julgado (art. 18, § 3º).

O STJ será também convocado a manifestar-se, a pedido da parte, quando a solução adotada pelas Turmas locais de Uniformização contrariar súmula daquela Corte Superior (art. 19, caput). A interferência do STJ, dessa maneira, não se baseia em divergência com sua jurisprudência dominante, mas tão somente se dará quando a contrariedade atingir entendimento já sumulado.

Em suma: o STJ é o competente para conhecer diretamente do pedido de uniformização em duas situações: (I) quando o dissídio se verificar entre Turmas Recursais de Estados diferentes; e (II) quando uma Turma Recursal proferir decisão contrária a súmula do STJ. Fora daí, as próprias Turmas conflitantes haverão de resolver a divergência, nos moldes do § 1º do art. 18 da Lei nº 12.153 (isto é, em reunião conjunta, presidida por desembargador designado pelo Tribunal de Justiça a que ambas se vinculam).

Muito embora a Lei nº 12.153 somente preveja a uniformização direta pelo STJ nos casos de acórdão local contrário a entendimento sumulado, aquela Corte baixou a Resolução nº 12, de 14.12.09, apoiada em decisão de STF, para permitir que divergências com jurisprudência não sumulada possam ser apreciadas pelo STJ por meio de reclamação. Assim, o que não se consegue pela via do pedido de uniformização se torna alcançável por intermédio do remédio constitucional da reclamação, o que, como é óbvio, somente se tornou possível por meio de uma interpretação ampliativa do referido instituto( 22).

19 Causas Repetitivas

Configurada a situação de múltiplas causas em torno de questões idênticas àquelas já submetidas à uniformização do STJ, os pedidos subsequentes ficarão retidos nos autos, aguardando o pronunciamento do STJ (art. 19, § 1º).

No STJ observar-se-ão as seguintes medidas:

a) "Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Presidente da Turma de Uniformização e, nos casos previstos em lei, ouvirá o Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias" (art. 19, § 3º);

b) "Decorridos os prazos referidos nos §§ 3º e 4º, o relator incluirá o pedido em pauta na sessão, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança" (art. 19, § 5º);

c) "Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 1º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou os declararão prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça" (art. 19, § 6º).

O Projeto aprovado no Congresso permitia a intervenção de amicus curiae no incidente de uniformização (§ 4º do art. 19), mas o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República (23).

20 Medidas de Urgência

O relator, nos casos de uniformização presididos pelo TJ ou pelo STJ, poderá conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar de suspensão dos processos, dentro dos quais se estabeleceu a controvérsia. Os fundamentos da medida de urgência serão (I) a plausibilidade do direito invocado e (II) o fundado receio de dano de difícil reparação (art. 19, § 2º).

21 Cumprimento da Sentença

Há regras especiais na Lei nº 12.153, que disciplinam o cumprimento da sentença ou do acordo, nos processos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, fazendo a necessária diferenciação entre a efetivação das obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa certa e de prestar quantia certa (arts. 12 e 13).

22 Obrigações de Fazer, Não Fazer ou de Entrega de Coisa

O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo (art. 12 da Lei nº 12.153).

23 Obrigações de Quantia Certa

O cumprimento de sentença relativo à obrigação de pagar quantia certa, dar-se-á após o respectivo trânsito em julgado, observados os procedimentos traçados pelo art. 13 da Lei nº 12.153:

a) Se a obrigação for de pequeno valor (CF, art. 100, § 3º), a execução dar-se-á mediante requisição judicial, feita em ofício à autoridade que foi inicialmente citada para a causa, independentemente de precatório. O pagamento deverá ser realizado no prazo máximo de sessenta dias (art. 13, I).

Se a requisição judicial for desatendida, o juiz imediatamente "determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão" (art. 13, § 1º, da Lei nº 12.153). Não há nem mesmo necessidade de prévia audiência da Fazenda Pública devedora, como deixa claro o referido dispositivo legal.

b) Sendo o montante superior àquele definido como de pequeno valor, o cumprimento da sentença dar-se-á por meio de precatório (art. 13, II).

São estatuídas, ainda, pela Lei nº 12.153, as seguintes regras a serem observadas na execução das sentenças relativas a obrigações de quantia certa:

a) "As obrigações definidas como de pequeno valor a serem pagas independentemente de precatório terão como limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação" (art. 13, § 2º);

b) "Até que se dê a publicação das leis de que trata o § 2º, os valores serão:

I - 40 (quarenta) salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal;

II - 30 (trinta) salários mínimos, quanto aos Municípios" (art. 13, § 3º);

c) "São vedados o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no inciso I do caput e, em parte, mediante expedição de precatório, bem como a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago" (art. 13, § 4º);

d) "Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido para pagamento independentemente do precatório, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório" (art. 13, § 5º);

e) "O saque do valor depositado poderá ser feito pela parte autora, pessoalmente, em qualquer agência do banco depositário, independentemente de alvará" (art. 13, § 6º);

f) "O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência" (art. 13, § 7º).

24 Direito Intertemporal

A Lei nº 12.153/09 não criou os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito da Justiça Estadual. Estatuiu as regras para o respectivo funcionamento, quando tais juizados vierem a ser criados pela União e pelos Estados, através de suas leis de organização judiciária (24).

Fixou-se, além disso, um prazo de vacatio legis de seis meses para que as disposições da Lei nº 12.153 entrassem em vigor (art. 28), dentro do qual é de se esperar que a criação dos Juizados Especiais venha realmente a ocorrer por ato de quem tem competência para tanto; ou pelo menos que o processo de criação seja iniciado, já que o art. 22 da Lei nº 12.153 assinala um prazo geral de até dois anos de sua vigência para que a referida instalação esteja concluída.

Mesmo depois de concretamente instalados os referidos juizados, sua competência será imediata apenas para os processos ajuizados durante seu efetivo funcionamento. Embora se atribua caráter absoluto à competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o art. 24 da Lei nº 12.153/09 veda o deslocamento das demandas aforadas perante o juízo comum da Fazenda Pública, antes da instalação do novo Juizado.

Notas do Autor:
16 ALVIM, J. E. Carreira, op. cit., p. 96. "O art. 4º da Lei nº 12.153/09 consagra a irrecorribilidade das interlocutórias como regra. Prevê que apenas serão recorríveis: a sentença; interlocutórias que (i) antecipem os efeitos da tutela; (ii) defiram providências cautelares" (AMILCAR. Advogado. Curitiba. Juizados Especiais da Fazenda Pública, Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 12.01.10).
17 "Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais." (STJ, Súmula nº 203)
18 Não sendo admissível recurso nem ação rescisória, os atos homologados que estiverem contaminados por motivo de nulidade ou anulabilidade terão de desafiar a invalidação pelas vias ordinárias da querela nullitatis, para não se consagrar "o absurdo de se admitir decisões viciadas e absolutamente inimpugnáveis" (CÂMARA, Alexandre Feitas, op. cit., p. 143-144).
19 Lei nº 12.153/09, art. 17: "§ 1º A designação dos juízes das Turmas Recursais obedecerá aos critérios de antiguidade e merecimento. § 2º Não será permitida a recondução, salvo quando não houver outro juiz na sede da Turma Recursal".
20 Não se estende ao grau de recurso "a capacidade postulatória atribuída às partes nos processos cujo valor não ultrapasse vinte salários mínimos" (CÂMARA, Alexandre Freitas, op. cit., p. 144).
21 O prazo e as formalidades do incidente serão tratados na legislação local de que cogita o art. 1º da Lei nº 12.153 e na regulamentação prevista no art. 20 da mesma lei. Subsidiariamente, observar-se-á a Lei nº 10.259/01, que já contém disciplina de sistema similar de uniformização para o âmbito da Justiça Federal.
22 STF, Pleno, ED no RE 571.572/BA, ac. 26.08.09, Relª Minª Ellen Gracie, DJe 27.11.09 - Acórdão na íntegra publicado nesta Revista, às páginas 93/104.
23 Razões do veto: "Ao permitir a intervenção de qualquer pessoa, ainda que não seja parte do processo, o dispositivo cria espécie sui generis de intervenção de terceiros, incompatível com os princípios essenciais aos Juizados Especiais, como a celeridade e a simplicidade" (DOU 23.12.09).
24 "Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência" (Lei nº 12.153/09, art. 1º).

Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 34 - Jan/Fev de 2010 e reproduzido no CD Magister 32, abr/maio/2010, de onde foi extraído.

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