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07 julho 2010

OS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA - 2

Parte 2/3



Humberto Theodoro Júnior
Advogado; Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG; Desembargador Aposentado do TJMG; Membro da Academia de Direito de Minas Gerais, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International Association of Procedural Law.

6 Competência do Órgão Judicante

Cabe aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, respeitadas as regras gerais definidoras da competência de foro, "processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos" (Lei nº 12.153, art. 2º, caput), inclusive aquelas pertinentes às respectivas autarquias, fundações e empresas públicas (idem, art. 5º, II).

Excluem-se, porém, dessa competência, as seguintes causas, nos termos do § 1º do citado art. 2º, todas havidas como de maior complexidade e, portanto, não compatíveis com o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais:

"I - as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos (6);

II - as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;

III - as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares."

Se a pretensão versar sobre obrigações vincendas, "para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo", ou seja, 60 (sessenta) salários mínimos (art. 2º, § 2º).

A proposta legislativa do Deputado Antônio Carlos Valadares destacou que, além dos conflitos entre a Administração e seus servidores, o Juizado Especial da Fazenda Pública será de grande serventia nos pequenos conflitos gerados por impugnações de lançamentos fiscais, como os de IPTU (antes, naturalmente, do ajuizamento da execução fiscal), de cassação ou anulação de multas de trânsito e atos de postura municipal, entre outras demandas, que dificilmente se compatibilizariam com o ônus e custos da justiça ordinária. Aliás, é bom lembrar que a Lei nº 10.259, no campo dos Juizados Especiais Federais, já ressalvava a competência daqueles entes judiciais para conhecer das ações de cancelamento ou anulação dos atos administrativos relacionados com os lançamentos fiscais (art. 3º, § 1º, III) ( 7).

O Projeto aprovado no Congresso previa que ocorrendo litisconsórcio ativo para o limite de sessenta salários, determinado pelo caput e pelo § 2º do art. 2º, seria considerado individualmente por autor (§ 3º). O dispositivo, entretanto, foi objeto de veto presidencial. Considerou-se que grandes litisconsórcios, envolvendo problemas de grupo numeroso de litigantes gerariam complexidade procedimental incompatível com a singeleza e celeridade própria dos Juizados Especiais (8). Assim, os pedidos formulados pelos diversos autores consorciados haverão de ser somados e somente prevalecerá a competência do Juizado Especial se o total não ultrapassar sessenta salários mínimos.

Na verdade, embora o art. 2º cuide basicamente do pequeno valor da causa como o critério geral a observar na definição da competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, a exclusão, ratione materiae, feita em seu § 1º, demonstra que se trata não só de um juízo de pequenas causas, mas também de causas de menor complexidade, devendo as duas condicionantes serem observadas cumulativamente.

7 Legitimação

Conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 12.153, que não discrimina entre pessoas físicas e pessoas jurídicas, podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:

"I - como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na LC 123/06 (9);

II - como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas."

Sobre a intervenção de terceiros, observar-se-á o art. 10 da Lei nº 9.099/95, ou seja, apenas o litisconsórcio se apresenta possível no Juizado Especial da Fazenda Pública (10). Quaisquer outras figuras interventivas são excluídas por representarem aumento de complexidade procedimental incompatível com a singeleza que deve prevalecer nos Juizados Especiais.

Quanto ao litisconsórcio, pode ocorrer tanto no polo ativo como no passivo, "tendo em vista que, em princípio, a multiplicidade de sujeitos no polo ativo ou passivo da demanda não reflete na simplicidade, informalidade e celeridade dos Juizados Especiais Cíveis", inclusive quando se trata dos Juizados Especiais Federais (11) e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Estabelecido eventual litisconsórcio passivo entre entidades previstas na Lei nº 12.153 e outras previstas na Lei nº 10.259, a competência será do Juizado Especial Federal, e não do Juizado Especial Estadual, dada a exclusividade absoluta da competência da Justiça Federal para julgar todas as causas em que sejam partes a União, entidade autárquica ou empresa pública federal (CF, art. 109, I).

8 Ministério Público

Não há previsão de intervenção do MP no procedimento dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Apenas no incidente de Uniformização de Jurisprudência, o relator, se necessário, ouvirá o MP, no prazo de 5 dias (art. 19, § 3º).

9 Representação das Partes

Sobre a representação das partes no Juizado Especial da Fazenda Pública prevalecem, em princípio, as regras traçadas pelo art. 9º da Lei nº 9.099/95, e pelo art. 10 da Lei nº 10.259/01, quanto aos sujeitos ativos.

Quanto às pessoas jurídicas demandadas, deverão atuar por meio de seus representantes judiciais (CPC, art. 12), aos quais se reconhece o poder de conciliar, transigir ou desistir, nos processos dos Juizados Especiais, nos termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação (Lei nº 12.153, art. 8º).

Permite o sistema do Juizado Especial, tanto na Justiça Estadual (Lei nº 9.099/95, art. 9º, § 4º) como na Justiça Federal (Lei nº 10.259/01, art. 10) a representação da parte, mediante designação por escrito, por meio de advogado ou não. A regra, porém, não se refere ao exercício do jus postulandi, já que esse é privativo, por lei, do advogado regularmente inscrito na OAB. A representação por leigo é aquela do preposto, cuja atuação se circunscreve à audiência de conciliação, de modo que os poderes conferidos não vão além dos atos negociais de transação, se o representante não for advogado.

Essa preposição processual depende de outorga de poderes específicos para transigir e pode ser conferida a qualquer pessoa de confiança da parte, independentemente de manter, ou não, vínculo empregatício com o outorgante (12).

10 A Presença do Advogado nos Juizados Especiais da Fazenda Pública

A primeira legislação sobre a matéria, a que instituiu os Juizados Especiais Cíveis na Justiça Estadual (Lei nº 9.099/95), previa que o autor estaria autorizado a postular sem a assistência de advogado em causas de valor até 20 salários mínimos, não naquelas que superassem tal limite (art. 9º). Já a Lei nº 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Federais, dispensou a presença do advogado, qualquer que fosse o valor da pretensão do autor, desde que compatível com a competência especial do Juizado (art. 10).

A Lei nº 12.153/09 não tem dispositivo referente à matéria, mas manda aplicar subsidiariamente tanto a Lei nº 9.099 como a Lei nº 10.259. Uma vez que a Lei dos Juizados Especiais Federais é mais recente que a dos Juizados Cíveis Estaduais, a participação de advogado nos processos dos novos Juizados Especiais da Fazenda Pública deve-se reger pela Lei nº 10.259, e não pela Lei nº 9.099. Não é só pelo critério cronológico, por si suficiente para dirimir o problema, mas sobretudo pelo critério da similitude (analogia) que se deve dar prevalência à regra traçada para o Juizado Especial Federal. O objeto da Lei nº 12.153 está muito mais próximo do da Lei nº 10.259 do que do da Lei nº 9.099.

Logo, é facultativa a assistência do autor por advogado nos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito da Justiça Estadual (13).

11 Atos de Comunicação Processual e Prazos

As citações e intimações, nos procedimentos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública realizar-se-ão segundo as regras do CPC (Lei nº 12.153, art. 6º). Quer isto dizer que, quanto às intimações dos atos processuais, prevalecerá a regra do que, havendo órgão oficial encarregado da divulgação de tais atos, o procurador da Fazenda estadual ou municipal não será intimado pessoalmente, mas mediante publicação na imprensa (CPC, art. 236). A citação, porém, deverá ser feita com a antecedência mínima de 30 dias da audiência de conciliação (art. 7º).

Os prazos da Fazenda Pública são os mesmos da contraparte. Não prevalecem no Juizado Especial os prazos diferenciados previstos no CPC para as pessoas jurídicas de direito público (art. 7º).

O emprego de meios eletrônicos para as intimações é autorizado pelo art. 8º, § 2º, da Lei nº 10.259, cuja disciplina se aplica também aos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

12 Petição Inicial, Citação e Resposta

A petição inicial pode ser formulada oralmente ou por escrito, observadas as regras do art. 14 da Lei nº 9.099/95.

O demandado é citado para comparecer a uma audiência de conciliação, onde deverá, se for o caso, oferecer sua contestação. Em regra, o autor deve ser cientificado da data da audiência no próprio ato do ajuizamento da causa. Se isto não ocorrer, terá de ser intimado consoante as regras comuns do CPC.

A resposta do demandado pode ser, tal como a inicial, formulada por escrito ou por via oral. Nela são admissíveis pedidos contrapostos, independentemente de reconvenção (Lei nº 9.099, art. 17, parágrafo único).

As exceções de suspeição e impedimento seguem as regras comuns do CPC.

13 Audiência de Conciliação

Ao receber a inicial, o Juizado, por seu órgão competente, designará audiência de conciliação, determinando a citação da pessoa jurídica de direito público, em seu representante judicial, de modo que entre o ato citatório e a audiência permeie um prazo de no mínimo trinta dias (Lei nº 12.153, art. 7º).

Quanto ao poder de transigir do representante da Fazenda Pública demandada será aquele conferido pela legislação a que se acha vinculado (14).

Não ocorrendo acordo, o demandado produzirá sua resposta na própria audiência de conciliação, ocasião em que se designará outra audiência para instrução e julgamento, se necessária. É de se julgar imediatamente a causa, ou dentro do menor prazo possível, se não houver provas a produzir que justifiquem a audiência de instrução e julgamento.

14 Instrução Probatória

É dever da entidade ré "fornecer ao Juizado a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação" (Lei nº 12.153, art. 9º). Se não o fizer espontaneamente, poderá ser compelida por ordem judicial, deliberada de ofício ou a requerimento do autor.

A prova documental do autor deverá ser produzida com a inicial (CPC, arts. 283 e 396) ou até a audiência de conciliação (Lei nº 9.099, art. 33).

Quanto à prova testemunhal, a Lei nº 12.153 prevê que sua coleta caberá ao juiz que preside a audiência de instrução e julgamento (art. 16, § 2º). Na audiência de conciliação, a lei permite que também o conciliador ouça as partes e testemunhas (art. 16, § 1º). Se esses depoimentos forem julgados suficientes, o juiz dispensará novos testemunhos, desde que não haja impugnação das partes (art. 16, § 2º, in fine).

Dispõe, ainda, o art. 10 da Lei nº 12.153, a propósito da perícia, que o juiz, reconhecendo sua necessidade para a conciliação ou para o julgamento da causa, nomeará pessoa habilitada, encarregando-a de apresentar o laudo até cinco dias antes da audiência. Como se vê, a lei autoriza o juiz a ordenar a perícia até mesmo antes da audiência de conciliação, embora o normal seja fazê-lo dentro daquela audiência e depois de frustrada a tentativa de solução conciliatória. De qualquer maneira, o laudo sempre deverá ser apresentado antes da audiência, seja ela de conciliação ou de instrução e julgamento.

A Lei nº 12.153 evita falar em prova pericial, referindo-se apenas a exame técnico por pessoa habilitada, e não faz menção alguma à possibilidade de as partes formularem quesitos e indicar assistentes técnicos. Certamente o fez para evitar que o procedimento do CPC fosse transplantado para o Juizado Especial da Fazenda Pública, de forma rotineira, o que contrariaria sua índole sumaríssima e informal. Não se pode, entretanto, em nome do contraditório e ampla defesa, recusar às partes o direito de quesitos esclarecedores e a apresentação de parecer técnico obtido extrajudicialmente, quando o esclarecimento da verdade o exigir, a exemplo do que a Lei nº 10.259, art. 12, § 2º, permite, em determinadas hipóteses, nos Juizados Especiais Federais.

15 Sentença e Reexame Necessário

O aperfeiçoamento da decisão da causa depende, no Juizado Especial, de pronunciamento do juiz togado. Mesmo quando a Lei nº 9.099/95, confere poderes ao juiz leigo para redigir a sentença no processo em que a instrução for por ele presidida, esse ato decisório não produz, por si só, o efeito imediato de uma verdadeira sentença. Terá, para tanto, que ser homologado pelo juiz togado, o qual poderá recusar a homologação e proferir outra sentença, em lugar daquela preparada pelo juiz leigo (Lei nº 9.099, art. 40).

Em outros termos, ou a sentença é originariamente prolatada pelo juiz togado ou, sendo preparado pelo juiz leigo, haverá de aperfeiçoar-se pela homologação do juiz togado. A sentença do juiz leigo, portanto, "é sempre ad referendum do juiz togado" (15), a quem a lei reserva a última palavra no julgamento da causa.

Nas causas decididas nos procedimentos do Juizado Especial da Fazenda Pública, mesmo sendo sucumbente o ente público, não há reexame necessário (Lei nº 12.153, art. 11).

Notas do Autor:
6 O fato de o inciso II se referir apenas às demandas sobre direitos "coletivos ou difusos" como excluídas da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública não importa inclusão das ações coletivas sobre direitos individuais homogêneos na esfera de competência daqueles juizados. Em primeiro lugar porque a ação exercitável perante o Juizado Especial em questão somente pode ter como autor pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte (Lei nº 12.153, art. 5º, I), entidades que não se legitimam a propor ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos (CDC, art. 82). Segundo, porque as ações coletivas, quaisquer que sejam elas, revestem-se de complexidade não compatível com o procedimento simples e célere dos Juizados Especiais, razão pela qual não se pode reconhecer como cabíveis naqueles juizados senão as ações singulares.
7 Segundo a Lei nº 12.153, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública "será possível ajuizar demandas contra estados e municípios e discutir cobranças de ICMS, IPTU e IPVA, além de multas de trânsito ou ambiental. O valor da causa, no entanto, não pode ultrapassar 60 salários mínimos - em torno de R$ 30 mil" (Adriana Aguiar. Juizados receberão processos tributários. Disponível em: . Acesso em: 12.01.10).
8 As razões do veto ao § 3º do art. 2º foram as seguintes: "Ao estabelecer que o valor da causa será considerado individualmente, por autor, o dispositivo insere nas competências dos Juizados Especiais ações de maior complexidade e, consequentemente, incompatíveis com os princípios da oralidade e da simplicidade, entre outros previstos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995" (DOU 23.12.09).
9 A Lei nº 12.153 não exige que o autor pessoa física seja maior e capaz. O incapaz, portanto, pode pleitear no Juizado Especial da Fazenda Pública, desde que adequadamente representado.
10 "Todas as espécies de litisconsórcio podem se manifestar nos processos que tramitam nos JEC. O art. 10, in fine, da Lei nº 9.099/95 afirma expressamente ser admissível nesse microssistema processual o litisconsórcio, sem distinção quanto à espécie. Pode, assim, haver litisconsórcio ativo (entre pessoas naturais capazes, microempresas ou empresas de pequeno porte, apenas), passivo ou misto. O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, unitário ou simples, originário ou ulterior" (CÂMARA, Alexandre Freitas, op. cit., p. 71).
11 FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: RT, 2006. p. 135.
12 Lei nº 9.099/95, art. 9º, § 4º, com a redação da Lei nº 12.137/09.
13 FERREIRA, Júlio César Cerdeira. Juizados Especiais da Fazenda Pública. Rápidas considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2373, 30 dez. 2009. Disponível em: . Acesso em: 12.01.10.
14 Lei nº 12.153/09: "Os representantes judiciais dos réus presentes à audiência poderão conciliar, transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados Especiais, nos termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação" (art. 8º).
15 FIGUEIRA Jr., Joel Dias, op. cit., p. 251.

Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 34 - Jan/Fev de 2010 e reproduzido no CD Magister 32, abr/maio/2010, de onde foi extraído.

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