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24 maio 2013

CORRENTISTA NÃO COTISTA DE COOPERATIVA TEM DIREITO À RESTITUIÇÃO DE VALOR DEPOSITADO EM SUA CONTA



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão abordada é a devolução de depósito de correntista não quotista de cooperativa de crédito mútuo em face de sua autodissolução, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº6.743/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. COOPERATIVA DE CRÉDITO EM LIQUIDAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA DE CORRENTISTA. PROCEDÊNCIA.
1.-PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL REJEITADA, POIS DESNECESSÁRIA QUALQUER PROVA PERICIAL CONTÁBIL PARA APURAR OS HAVERES DA CORRENTISTA-RECORRIDA.
2.-PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA PELA NÃO SUSPENSÃO DO PROCESSO TAMBÉM REJEITADA, EIS QUE AUTO-DISSOLUÇÃO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO NÃO SE ENQUADRA NAS DISPOSIÇÕES DO ART.18 DA LEI Nº 6.024/74.
3.- É DIREITO DA CORRENTISTA A RESTITUIÇÃO DE VALORES CONSTANTES DE SUA CONTA FINANCEIRA QUE NÃO SE CONFUNDE COM AS QUOTAS DE CAPITAL DE COOPERADO DE QUE CUIDA A LEI 5.764/71.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, à unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.Vitória, ES, de agosto de 2005.

R E L A T Ó R I O

A autora compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial alegando ser correntista da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo, onde fazia aplicação financeira até que a mesma foi descredenciada pelo BACEN (Banco Central do Brasil), quando requereu a restituição da importância de R$ 1.440,00 que se encontra retida nos cofres da requerida.
Através da r. sentença de fls. 83/84 o pedido foi julgado procedente, com a condenação da Cooperativa a restituir a importância de R$ 1.440,00, com correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros legais a contar da citação.
Inconformada, a Cooperativa interpôs recurso inominado a fls. 86/101, argüindo, em sede de preliminares, a incompetência absoluta do juizado e a nulidade da sentença, com a suspensão do processo e, no mérito, propugnou pela reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido formulado pela autora.
Contra-razões a fls. 115/119, rebatendo as preliminares e, no mérito, postulando a mantença in totum da sentença de piso, acrescida de honorários advocatícios.
É o relatório.

V O T O

Verificando que foram atendidos os pressupostos legais, sobremodo diante da certidão de fls.109, conheço do recurso.

PRFELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL

A recorrente alega incompetência absoluta do Juizado Especial por necessidade de prova pericial contábil.

Ora, o que a autora pleiteou em juízo foi o ressarcimento de valores depositados por ela em sua conta junto à requerida. Não se trata, pois, de resgate de quotas de capital social, mas de depósitos em dinheiro feito em sua conta corrente.

Desnecessária, pois, qualquer prova pericial contábil para apuração desses valores, bastando o comprovante de recibo de depósito a prazo de fls. 06 e os extratos de movimentação financeira da referida conta-corrente por ela anexados aos autos.
Ademais, não há nos autos qualquer discussão sobre a veracidade ou quantificação do valor indicado pela recorrida.

Assim sendo, rejeito a presente preliminar.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA

Aduz a recorrente que a sentença é nula, vez que o processo deveria ter sido suspenso, tendo em vista que o Banco Central do Brasil, em 16.01.2003, aprovou seu ingresso no regime de Liquidação Ordinária. Desse modo, houve violação dos artigos 18 da Lei 6.024/74 e art. 76 da Lei 5.764/71.

Segundo palavras da recorrente (fls.54) “sendo a Lei 6.024/74 o instrumento normativo que regula a presente situação”, o processo deveria ter sido suspenso com base nos artigos 1º e 18. (fls.92).

Lei 6.024/74:
Art . 1º As instituições financeiras privadas e as públicas não federais, assim como as cooperativas de crédito, estão sujeitas, nos termos desta Lei, à intervenção ou à liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco Central do Brasil, sem prejuízo do disposto nos artigos 137 e 138 do Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, ou à falência, nos termos da legislação vigente.
...

Art . 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os seguintes efeitos:
a) suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação;
b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
c) não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em virtude da decretação da liquidação extrajudicial;
d) não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto não integralmente pago o passivo;
e) interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da instituição;
f) não reclamação de correção monetária de quaisquer divisas passivas, nem de penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas.

Percebe-se assim que não se aplica ao caso concreto a suspensão do processo porque não houve intervenção ou liquidação extrajudicial pelo Banco Central do Brasil, mas sim auto-dissolução da cooperativa, que é coisa diversa.
 
A liquidação ordinária ou auto-dissolução não se inclui, nem por analogia ou semelhança, como pretende a recorrente, aos casos específicos previstos na legislação supra referida.

Nesse diapasão, rejeito também esta preliminar.

M É R I T O

A sentença considerou a recorrida como simples correntista junto à cooperativa-recorrente.

Com efeito, não há qualquer elemento de prova nos autos que confirme ou negue tal afirmação.

Contudo, presume-se verossímel a asserção autoral, vez que não cuidou a recorrente de demonstrar o contrário, ônus processual que lhe incumbia, segundo os ditames do artigo 333,II, do CPC.

Nesse passo, creio que os valores reconhecidos na sentença a título de restituição devem ser confirmados.

Ademais, trata-se de uma cooperativa ampla – colaboradores da CST e empresas de siderurgia – envolvida num verdadeiro escândalo financeiro que atingiu milhares de pessoas.

O fato é de domínio público – várias cooperativas deste Estado, por gestões temerárias, quiçá fraudulentas - entraram em regime de liquidação ou intervenção ou de verdadeira quebra – causando prejuízos a milhares de pessoas. A maioria delas sócios-quotistas, portanto, vítimas da hecatombe financeira que atingiu diversas cooperativas.

Registro, por final, que em situação semelhante esta Turma Recursal no RI Nº5.283/04 decidiu no sentido do cabimento do pedido de restituição dos valores retidos dos correntistas da cooperativa-recorrente.

Por essas razões, nego provimento ao recurso para manter a a r.sentença impugnada.

A recorrente deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

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