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07 junho 2013

CONTRATO BANCÁRIO E ABANDONO DE CONTA




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre as consequencias do abandono de conta bancária, nos termos que seguem:

RECURSO INOMINADO Nº 5.960/05
ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. SERVIÇO BANCÁRIO. CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE, CHEQUE ESPECIAL E OUTROS SERVIÇOS BANCÁRIOS. PEDIDO CONTRAPOSTO. ENCERRAMENTO DA CONTA E RECONHECIMENTO DE PEDIDO CONTRAPOSTO EM VALOR RAZOÁVEL. MANUTENÇÃO DO JULGADO.
1.-PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE REJEITADA, VEZ QUE NÃO SE TRATA DE EXECUÇÃO E SIM DE AÇÃO DE CONHECIMENTO COM PEDIDO CONTRAPOSTO.
2.-PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA TAMBÉM REJEITADA, VEZ QUE EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS AS PROVAS DEVEM SER PRODUZIDAS NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 33 DA LJE.
3.-SE A CLIENTE ABANDONOU SUA CONTA BANCÁRIA POR MAIS DE DOIS ANOS SEM PLEITEAR A RESCISÃO DO CONTRATO BANCÁRIO E AINDA PROMOVEU SAQUE ESTANDO CIENTE DO SALDO NEGATIVO, DEVE ARCAR COM O PAGAMENTO DO DÉBITO FIXADO NA DATA DO ÚLTIMO EXTRATO APRESENTADO, NOS TERMOS DO PEDIDO CONTRAPOSTO, COM A DECRETAÇÃO DE ENCERRAMENTO DA CONTA.
4.-RECURSO IMPROVIDO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso, rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de junho de 2005.

R E L A T Ó R I O

A autora, compareceu, pessoalmente, ao 2º Juizado Especial Cível de Vitória e alegou possuir conta corrente de nº. XXXXXXXX, agência do banco desde setembro de 1999, da qual se utilizou durante dois anos. Ocorre que ao retornar para o Espírito Santo, além de não ter providenciado o encerramento desta conta, fez um saque no valor de R$ 120,00 em 22/07/2002. Ao final, requereu o cancelamento das cobranças de taxas de manutenção e a cobrança dos R$ 120,00 corrigidos com base nos cálculos do PROCON, além do encerramento da conta.
Regularmente instruído, o feito recebeu a r. sentença de fls. 73/74, que julgou parcialmente procedentes o pedido autoral no sentido do encerramento da conta e o pedido contraposto, para condenar a requerente no pagamento do valor de R$ 1.132,60, atualizado com juros legais e correção a partir de 22/07/2002, ao Banco S/A.
A autora interpôs recurso inominado a fls. 90/106, aduzindo, preliminarmente, a ausência de liquidez, certeza e exigibilidade, bem como cerceamento de defesa. No mérito, alegou a ilegalidade da cobrança com a cumulação de verbas, bem como anatocismo, requerendo, portanto, seja anulado o processo a partir da sentença, ou seja reformada a r. sentença para o fim de declarar a nulidade das cláusulas contratuais que infringem normas públicas, assim como a exigibilidade dos valores delas recorrentes; a impossibilidade de cobrança cumulativa e capitalizada de juros legais, moratórios, comissão de permanência e multa contratual; a impossibilidade de cobrança de juros acima do limite constitucionalmente imposto e que seja declarada a recorrida como real devedora da importância de R$ 150,00, devidamente corrigida a partir de julho de 2002.
Em contra-razões às fls. 112/117, o recorrido rebateu as preliminares invocadas e, no mérito, requereu seja negado provimento ao presente recurso.
É o relatório.

     V O T O
 
PRELIMINAR DA AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE

No caso em exame, não prospera a argumentação de ausência de liquidez, certeza e exigibilidade, eis não se trata de ação de execução, mas sim de ação de conhecimento, com pedido contraposto.

Ademais, o recorrido juntou aos autos o contrato bancário firmado pelas partes e os extratos da conta corrente para comprovar a origem e evolução dos débitos da conta bancária da recorrente, cujos valores foram devidamente sopesados na análise da prova. Esses documentos bastam para forrar ação monitória consoante súmula do Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, assim ementada:

SÚMULA 247 do STJ:

O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.

Portanto, são documentos suficientes para comprovar a existência da dívida ora cobrada em pedido contraposto.
Assim sendo, rejeito a preliminar argüida.

PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA

Não tem cabimento a presente preliminar argüida pela recorrente pelo simples fato de que a mesma em momento algum requereu a produção de qualquer prova, como se constata das atas de conciliação (fls.15) e de instrução (fls.71).
 
As partes foram orientadas desde a audiência de conciliação de que todas as provas devem ser produzidas na audiência de instrução e julgamento consoante prescreve o artigo 33 da LJE.
 
Vale lembrar, ainda, que o sistema do juizado especial cível não comporta produção de prova pericial e se esse fosse o caso deveria a recorrente ter procurado o juízo cível comum e não o especial, que é regido por regras próprias, com a concentração das provas na audiência de instrução e julgamento.
 
Desse modo, não tendo sido pleiteada no momento oportuno a produção de qualquer prova, torna-se impertinente a alegação de cerceamento de defesa por tal propósito em sede recursal.
 
Com essas considerações, rejeito, também, esta preliminar.
 
M É R I T O


Analisando os autos, constata-se que está devidamente comprovado que a recorrente efetuou um saque através de cheque avulso no importe de R$ 150,00 em 22/07/2002, data em que seu saldo já se encontrava negativo, dentro do seu limite no cheque especial, conforme documento de fls. 27.
 
 Após a referida data, não houve qualquer movimentação posterior em sua conta corrente, incidindo apenas juros de mora a valor de mercado e iof.
 
Como bem exposto na sentença, em nenhum momento o banco cobrou judicialmente o débito da autora-recorrente, deixando o mesmo crescer com a cobrança dos juros e taxas.
 
 Impende registrar que a recorrente não pretendeu nem requereu o encerramento de sua conta corrente em 2001, conforme alegou na exordial, eis que a movimentou em 2002, oportunidade em que teve ciência do montante devido, contudo, não cobriu o débito existente e nem providenciou o encerramento da conta.

Tecidas tais considerações, verifico, ainda, que o saldo devedor encontrado na última movimentação da conta corrente (22/07/2002) era de R$ 1.132,60, valor acatado como adequado ao caso em exame, tendo seu prolator da r.sentença firmado convencimento e adotado decisão que entendeu mais justa com base no art. 6º da Lei nº 9099/95, “verbis”: 

Art. 6º- O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.”

Não demonstrou a recorrente lançamentos abusivos ou em desacordo com as cláusulas constantes do contrato, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, não vislumbrando-se, na hipótese, qualquer cláusula abusiva.

As alegações de cumulação de verbas tais como comissão de permanência, correção monetária, juros e multa de mora são destituídas de demonstração por parte da recorrente. Além do mais, verifica-se dos extratos anexados que apenas juros de mora foram contados pelo banco-recorrido, o que é legalmente permitido.

No que se refere à lei de usura, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL desde a edição da Súmula 596 se manifestou sobre o tema:

SÚMULA 596
AS DISPOSIÇÕES DO DECRETO 22626/1933 NÃO SE APLICAM ÀS TAXAS DE JUROS E AOS OUTROS ENCARGOS COBRADOS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÕES PÚBLICAS OU PRIVADAS, QUE INTEGRAM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

Igualmente com relação à taxa de juros referida no artigo 192 da CF, revogado pela Emenda Constitucional nº 40, tal fixação ficou postergada à lei complementar que jamais foi editada, sendo a matéria sumulada pela Excelsa Corte “verbis”:
 
SÚMULA 648
A NORMA DO § 3º DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO, REVOGADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 40/2003, QUE LIMITAVA A TAXA DE JUROS REAIS A 12% AO ANO, TINHA SUA APLICABILIDADE CONDICIONADA À EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR.

Nesse contexto, pois, correta a sentença proferida pelo ilustre magistrado monocrático que condenou a recorrente a pagar ao banco-recorrido o valor R$ 1.132,60, referente ao saldo devedor encontrado na última movimentação da conta corrente, ou seja, 22/07/2002, devidamente atualizado com juros e correção a partir dessa data, declarando “ipso facto” o encerramento do contrato bancário firmado entre as partes.

Com base nessas considerações, a r. sentença hostilizada merece ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

A recorrente pagará as custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55 da LJE.

É como voto.

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