O blog
publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos
Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra
de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da
integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa
apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos
Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário
brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências.
Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que
faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns,
onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje a questão versa sobre
execução de multa cominatória (astreintes), nos
termos abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 196/04
D
E C I S Ã O
O
autor, devidamente qualificado e representado por seu ilustrado
patrono, impetrou o presente “mandamus” contra ato acoimado
ilegal praticado MM Juiz do 4º Juizado Especial Cível de Vila Velha
que não deu seguimento à execução de multa cominatória nos autos
de ação de rito especial tombada sob o nº 023.510.060.742
(6074-2), violando direito líquido e certo do impetrante.
Aprecio
o pedido de liminar.
Aponta
o impetrante como hostilizada a decisão de fls. 184, com o seguinte
teor:
“Razão
assiste à parte executada. Para haver execução da multa, o Juiz
deveria fixar o prazo de incidência da mesma, concedendo prazo
razoável para cumprimento do preceito, ou seja, do comando da
sentença de fls. 117. Este é o entendimento da doutrina e da
jurisprudência e também do Colegiado Recursal deste Estado. Assim,
considerando que já houve fixação de prazo para cumprimento, fica
pois, prejudicada a execução do valor de R$ 19.200,00.”
Tal decisão afigura-se-me prenhe de razoabilidade, mormente porquanto nas obrigações de fazeer ou não fazer a multa tem por escopo forçar o cumprimento do julgado e exige, ainda, intimação pessoal da parte para tal desiderato, nos termos da jurisprudência pátgria.
Nessa linha, a decisão proferida no processo 20010060000726
da Segunda Turma Recursal Cível de Brasília, com base em julgado do
TJDF, cujo excerto, na parte que importa, transcrevo:
3.5
A INTIMAÇÃO PESSOAL, NESTE CASO, DEVE SER FEITA PESSOALMENTE PORQUE
COMPARECE INTRANSMISSÍVEL A OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR EM CUMPRIR A
OBRIGAÇÃO, E EM CASO DE DESCUMPRIMENTO, AS CONSEQÜÊNCIAS SERÃO
POR ELE SUPORTADAS E NADA PODERIA ALEGAR QUANTO À EXIGIBILIDADE DA
MULTA. 4. JURISPRUDÊNCIA DO EGRÉGIO TJDF. 4.1 " I- AS
ASTREINTES SERVEM DE REFORÇO AO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE
FAZER, CONSTITUINDO-SE NUM DOS MEIOS SANCIONATÓRIOS DE QUE DISPÕE O
ESTADO PARA FAZER CUMPRIR A ORDEM JURÍDICA, REALIZANDO FUNÇÃO
INTIMIDATIVA. II- SE É PESSOAL A OBRIGAÇÃO IMPOSTA NA SENTENÇA
NECESSÁRIO SE FAZIA A INTIMAÇÃO PESSOAL DO APELADO, PARA QUE, A
PARTIR DA DATA DA JUNTADA DO MANDADO EFETIVAMENTE CUMPRIDO, FOSSE
CONTADO O PRAZO DE SESSENTA DIAS FIXADO PARA O CUMPRIMENTO DO
JULGADO. III- A SIMPLES PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA, BEM COMO
A RETIRADA DOS AUTOS, NÃO TEM O CONDÃO DE SUBSTITUIR A INTIMAÇÃO
PESSOAL, MÁXIME PORQUE, ADOTANDO TAL ENTENDIMENTO, PREJUÍZOS
ADVIRIAM AO APELADO, O QUE NÃO É PERMITIDO ANTE O SISTEMA DE
NULIDADES QUE ENVOLVE A LEI PROCESSUAL CIVIL EM VIGOR."
(APELAÇÃO CÍVEL 51.751/99, RELATADO PELA ENTÃO DESEMBARGADORA
NANCY ANDRIGHI).
Não
há nos autos comprovação de intimação do devedor, sabendo-se
ainda que a multa processual – que é de natureza pública - não
faz coisa julgada, podendo ser retirada ou ajustada em qualquer fase
ou grau de jurisdição.
Demais disso, para a
concessão de medida liminar em ação mandamental devem concorrer
os dois requisitos legais, quais sejam, a relevância dos motivos
em que se estriba a inicial e a possibilidade de lesão irreparável
ou de difícil reparação ao direito do impetrante, caso deferida
a segurança ao final.
Não
se desincumbiu de demonstrar o impetrante a ocorrência de fumus boni
iuris e nem do periculum in mora, pressupostos necessários à
concessão da liminar pleiteada e nem vislumbro nos autos razões
para tal desiderato.
A decisão monocrática está legalmente embasada e eventual demora em ação de rito tão célere não causa dano irreparável ou de difícil reparação ao impetrante.
A decisão monocrática está legalmente embasada e eventual demora em ação de rito tão célere não causa dano irreparável ou de difícil reparação ao impetrante.
Assim sendo, indefiro a
liminar requerida.
Intime-se o impetrante desta
decisão, bem como para promover a citação do litisconsorte passivo
necessário, em cinco dias, sob as penas da lei, desnecessária a
retirada dos autos da Secretaria. Atendido, cite-se, requisitem-se
as informações e abra-se vista ao Ministério Público.
Caso contrário, decorrido o
prazo, certifique-se e voltem conclusos.
Diligencie-se.
Vitória, 08 de novembro de
2004.
Juiz
Relator
ADENDO:
A
lei:
Estabelece
o Código de Processo Civil:
Art.
461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
;;;
§
4o
O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou
na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor,
se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe
prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei
nº 8.952, de 13.12.1994)
...
§
5o
Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do
resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a
imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão,
remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento
de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial. (Redação dada
pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§
6o
O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da
multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
(Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)
A
doutrina:
A
multa cominatória ou multa diária (astreinte) tem por finalidade
forçar o devedor a cumprir a decisão judicial que lhe foi imposta.
No
abalizado magistério de Eduardo Talamini:
“A ordem emitida pelo juiz far-se-á acompanhar de mecanismos coercitivos. Assim, o §4º do art. 461 autoriza expressamente a imposição de multa diária, até de ofício, para o caso de descumprimento do comando judicial contido na sentença ou na decisão que antecipe a tutela. Trata-se de instrumento destinado a induzir o réu a cumprir o mandado. Não tem caráter ressarcitório ou compensatório. Já não bastasse antes existir sólida doutrina descartando-lhe a finalidade indenizatória, o §2º do art. 461 veio a confirmar essa orientação: ‘a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa ‘. Enquadra-se esta entre as ‘medidas indutivas negativas’ (coercitivas) (…). Na dicção tradicional, é meio de ‘execução indireta’.” (Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa, 2a ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2003, p. 239-240).
Também a propósito
do tema dissertam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:
“Pena pecuniária (astreintes). Não há limites para a fixação da multa, e sua imposição deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo precípuo das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibiliza-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. A limitação da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório. Contudo, parcela significativa da doutrina e da jurisprudência entende que ela não pode ultrapassar o valor da causa, porque isto poderia significar enriquecimento injusto do credor. Há entendimento no sentido de que, para sua fixação, deve-se aplicar, por analogia, o CC 920”. (Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 851).
A
Jurisprudência:
O
Superior Tribunal de Justiça, por sua Quarta Turma, adota o mesmo
posicionamento como revela o Informativo no. 0479, correspondente ao
período de 27/06 a01/07/2011, nos termos que seguem (Grifei e
negritei o ponto a que se refere a decisão acima):
Na
origem, a sociedade anônima do ramo de seguros de saúde (a
seguradora recorrente) impetrou mandado de segurança (MS)
contra o não provimento de recurso inominado proferido por
turma recursal cível e criminal dos juizados especiais.
Sustentou a seguradora não haver recurso cabível contra o ato
judicial coator e, entre outros argumentos, afirmou que, após
ter sido condenada no juizado especial estadual ao pagamento de
danos materiais e morais, em ação indenizatória movida pela
litisconsorte passiva necessária (segurada), a execução do
valor da multa cominatória imposta, em fase de cumprimento de
sentença, ultrapassou o valor de alçada fixado em 40 salários
mínimos pela Lei n. 9.099/1995, o que tornou incompetente o
juizado para processar a execução. Agora, no recurso em
mandado de segurança (RMS), a seguradora insiste nas mesmas
alegações. Para a Min. Relatora, antes de definir se a multa
cominatória no juizado especial pode exceder o valor de alçada
exigido em lei, deve-se primeiro observar que, nesses casos, a
Corte Especial já estabeleceu que o exame do MS no TJ está
restrito à definição da competência do juizado especial em
contraposição à definição da competência da Justiça
comum, não cabendo ao TJ enfrentar as questões de mérito
decididas no juizado especial. Anotou ainda que, em relação à
questão da competência dos juizados especiais, quando o valor
de alçada for superado pelo da execução ou cumprimento de
sentença, há precedentes da Terceira e Quarta Turma deste
Superior Tribunal nos quais se estabeleceu ser competente o
próprio juizado especial cível para a execução de suas
sentenças independentemente do valor acrescido à condenação.
Dessa forma, para a Min. Relatora, apesar de o valor da alçada
ser de 40 salários mínimos calculados na data da propositura
da ação e, quando da execução, o título ostentar valor
superior em razão dos encargos inerentes à condenação (como
juros, correção monetária e ônus da sucumbência), tal
circunstância não altera a competência dos juizados especiais
para a execução da obrigação reconhecida pelo título, pois
não poderia o autor perder o direito aos encargos decorrentes
da demora na solução da causa, no entanto o tratamento deve
ser diferenciado na multa cominatória. Expõe que a
multa cominatória, por se tratar de obrigação de fazer cujo
cumprimento é imposto como pena de multa diária, incide após
a intimação pessoal do devedor para seu adimplemento
e o excesso desse quantum em relação à
alçada fixada pela mencionada lei só pode ser verificado na
fase de execução, não existindo possibilidade de controle da
competência do juizado especial na fase de conhecimento. Por
esse motivo, a Min. Relatora afastou a preclusão alegada pelo
acórdão recorrido como obstáculo para a concessão da
segurança. Também explica que afastou a incompetência do
juizado especial, visto que, no caso, não há dúvidas de que a
execução deve prosseguir naquele juízo especial, pois o valor
da causa e a condenação por danos materiais e morais imposta
pela sentença situaram-se em patamar inferior à alçada
exigida na lei. Assim, a seu ver, uma interpretação
sistemática dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 conduz à
limitação da competência do juizado especial para cominar e
executar as multas coercitivas (art. 52,V) em valores
consentâneos com a alçada respectiva, o que deve ser aplicado
por analogia à multa cominatória. Asseverou que, se a
obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via
do juizado especial, como de "baixa complexidade", a
demora em seu cumprimento não deve resultar em valor devido a
título de multa superior ao valor da alçada. Anotou, ainda,
que, para a jurisprudência do STJ, o valor da multa diária
cominatória não faz coisa julgada material; pode, portanto,
ser revisto a qualquer momento, no caso de se revelar
insuficiente ou excessivo, conforme dispõe o art. 461, § 6º,
do CPC. Logo, para a Min. Relatora, o valor executado a título
de multa excedente à alçada deve ser suprimido, sem que esse
fato constitua ofensa à coisa julgada. Concluiu que os atos
executórios devem visar ao pagamento da obrigação principal
(o qual é limitado pelos arts. 3º, I, e 39 da citada lei em 40
salários mínimos na data da propositura da ação), acrescidos
dos seus acessórios posteriores ao ajuizamento (juros, correção
e eventualmente ônus da sucumbência) e mais a multa
cominatória que deve ser paga até o limite de outros 40
salários, na época da execução, sendo decotado o excesso
(mesmo após o trânsito em julgado). Observou, por fim, que, se
a multa até esse limite não for suficiente para constranger o
devedor a cumprir a sentença, sobra ao credor, que livremente
optou pelo via do juizado, valer-se de outros meios (notitia
criminis por desobediência à ordem judicial ou ajuizamento de
nova ação perante a Justiça comum) ou poderia até ensejar
outra indenização. Com esse entendimento, a Turma deu
provimento ao recurso. Precedentes citados: RMS 17.524-BA, DJ
11/9/2006; RMS 27.935-SP, DJe 16/6/2010, REsp 691.785-RJ, DJe
20/10/2010, e AgRg no RMS 32.032-BA, DJe 23/9/2010. RMS
33.155-MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
28/6/2011.
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