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03 maio 2013

EXECUÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA EXIGE PRÉVIA INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR

 
O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje a questão versa sobre execução de multa cominatória (astreintes),  nos termos abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 196/04

D E C I S Ã O

O autor, devidamente qualificado e representado por seu ilustrado patrono, impetrou o presente “mandamus” contra ato acoimado ilegal praticado MM Juiz do 4º Juizado Especial Cível de Vila Velha que não deu seguimento à execução de multa cominatória nos autos de ação de rito especial tombada sob o nº 023.510.060.742 (6074-2), violando direito líquido e certo do impetrante.

Aprecio o pedido de liminar.

Aponta o impetrante como hostilizada a decisão de fls. 184, com o seguinte teor:
 
Razão assiste à parte executada. Para haver execução da multa, o Juiz deveria fixar o prazo de incidência da mesma, concedendo prazo razoável para cumprimento do preceito, ou seja, do comando da sentença de fls. 117. Este é o entendimento da doutrina e da jurisprudência e também do Colegiado Recursal deste Estado. Assim, considerando que já houve fixação de prazo para cumprimento, fica pois, prejudicada a execução do valor de R$ 19.200,00.”
 
Tal decisão afigura-se-me prenhe de razoabilidade, mormente porquanto nas obrigações de fazeer ou não fazer a multa tem por escopo forçar o cumprimento do julgado e exige, ainda, intimação pessoal da parte para tal desiderato, nos termos da jurisprudência pátgria.
 
Nessa linha, a decisão proferida no processo 20010060000726 da Segunda Turma Recursal Cível de Brasília, com base em julgado do TJDF, cujo excerto, na parte que importa, transcrevo:
3.5 A INTIMAÇÃO PESSOAL, NESTE CASO, DEVE SER FEITA PESSOALMENTE PORQUE COMPARECE INTRANSMISSÍVEL A OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR EM CUMPRIR A OBRIGAÇÃO, E EM CASO DE DESCUMPRIMENTO, AS CONSEQÜÊNCIAS SERÃO POR ELE SUPORTADAS E NADA PODERIA ALEGAR QUANTO À EXIGIBILIDADE DA MULTA. 4. JURISPRUDÊNCIA DO EGRÉGIO TJDF. 4.1 " I- AS ASTREINTES SERVEM DE REFORÇO AO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER, CONSTITUINDO-SE NUM DOS MEIOS SANCIONATÓRIOS DE QUE DISPÕE O ESTADO PARA FAZER CUMPRIR A ORDEM JURÍDICA, REALIZANDO FUNÇÃO INTIMIDATIVA. II- SE É PESSOAL A OBRIGAÇÃO IMPOSTA NA SENTENÇA NECESSÁRIO SE FAZIA A INTIMAÇÃO PESSOAL DO APELADO, PARA QUE, A PARTIR DA DATA DA JUNTADA DO MANDADO EFETIVAMENTE CUMPRIDO, FOSSE CONTADO O PRAZO DE SESSENTA DIAS FIXADO PARA O CUMPRIMENTO DO JULGADO. III- A SIMPLES PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA, BEM COMO A RETIRADA DOS AUTOS, NÃO TEM O CONDÃO DE SUBSTITUIR A INTIMAÇÃO PESSOAL, MÁXIME PORQUE, ADOTANDO TAL ENTENDIMENTO, PREJUÍZOS ADVIRIAM AO APELADO, O QUE NÃO É PERMITIDO ANTE O SISTEMA DE NULIDADES QUE ENVOLVE A LEI PROCESSUAL CIVIL EM VIGOR." (APELAÇÃO CÍVEL 51.751/99, RELATADO PELA ENTÃO DESEMBARGADORA NANCY ANDRIGHI).

Não há nos autos comprovação de intimação do devedor, sabendo-se ainda que a multa processual – que é de natureza pública - não faz coisa julgada, podendo ser retirada ou ajustada em qualquer fase ou grau de jurisdição.
 
Demais disso, para a concessão de medida liminar em ação mandamental devem concorrer os dois requisitos legais, quais sejam, a relevância dos motivos em que se estriba a inicial e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação ao direito do impetrante, caso deferida a segurança ao final.
 
Não se desincumbiu de demonstrar o impetrante a ocorrência de fumus boni iuris e nem do periculum in mora, pressupostos necessários à concessão da liminar pleiteada e nem vislumbro nos autos razões para tal desiderato. 

A decisão monocrática está legalmente embasada e eventual demora em ação de rito tão célere não causa dano irreparável ou de difícil reparação ao impetrante.
 
Assim sendo, indefiro a liminar requerida.
 
Intime-se o impetrante desta decisão, bem como para promover a citação do litisconsorte passivo necessário, em cinco dias, sob as penas da lei, desnecessária a retirada dos autos da Secretaria. Atendido, cite-se, requisitem-se as informações e abra-se vista ao Ministério Público.
 
Caso contrário, decorrido o prazo, certifique-se e voltem conclusos.
 
Diligencie-se.
 
Vitória, 08 de novembro de 2004.
 
Juiz Relator

ADENDO:

A lei:

Estabelece o Código de Processo Civil:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

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§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
...
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

A doutrina:

A multa cominatória ou multa diária (astreinte) tem por finalidade forçar o devedor a cumprir a decisão judicial que lhe foi imposta.

No abalizado magistério de Eduardo Talamini:
              “A ordem emitida pelo juiz far-se-á acompanhar de mecanismos coercitivos. Assim, o §4º do art. 461 autoriza expressamente a imposição de multa diária, até de ofício, para o caso de descumprimento do comando judicial contido na sentença ou na decisão que antecipe a tutela. Trata-se de instrumento destinado a induzir o réu a cumprir o mandado. Não tem caráter ressarcitório ou compensatório. Já não bastasse antes existir sólida doutrina descartando-lhe a finalidade indenizatória, o §2º do art. 461 veio a confirmar essa orientação: ‘a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa ‘. Enquadra-se esta entre as ‘medidas indutivas negativas’ (coercitivas) (…). Na dicção tradicional, é meio de ‘execução indireta’.” (Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa, 2a ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2003, p. 239-240).
   
Também a propósito do tema dissertam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:
Pena pecuniária (astreintes). Não há limites para a fixação da multa, e sua imposição deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo precípuo das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibiliza-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. A limitação da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório. Contudo, parcela significativa da doutrina e da jurisprudência entende que ela não pode ultrapassar o valor da causa, porque isto poderia significar enriquecimento injusto do credor. Há entendimento no sentido de que, para sua fixação, deve-se aplicar, por analogia, o CC 920”. (Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 851).

A Jurisprudência:

O Superior Tribunal de Justiça, por sua Quarta Turma, adota o mesmo posicionamento como revela o Informativo no. 0479, correspondente ao período de 27/06 a01/07/2011, nos termos que seguem (Grifei e negritei o ponto a que se refere a decisão acima):
 
EXECUÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. JUIZADOS ESPECIAIS.
Na origem, a sociedade anônima do ramo de seguros de saúde (a seguradora recorrente) impetrou mandado de segurança (MS) contra o não provimento de recurso inominado proferido por turma recursal cível e criminal dos juizados especiais. Sustentou a seguradora não haver recurso cabível contra o ato judicial coator e, entre outros argumentos, afirmou que, após ter sido condenada no juizado especial estadual ao pagamento de danos materiais e morais, em ação indenizatória movida pela litisconsorte passiva necessária (segurada), a execução do valor da multa cominatória imposta, em fase de cumprimento de sentença, ultrapassou o valor de alçada fixado em 40 salários mínimos pela Lei n. 9.099/1995, o que tornou incompetente o juizado para processar a execução. Agora, no recurso em mandado de segurança (RMS), a seguradora insiste nas mesmas alegações. Para a Min. Relatora, antes de definir se a multa cominatória no juizado especial pode exceder o valor de alçada exigido em lei, deve-se primeiro observar que, nesses casos, a Corte Especial já estabeleceu que o exame do MS no TJ está restrito à definição da competência do juizado especial em contraposição à definição da competência da Justiça comum, não cabendo ao TJ enfrentar as questões de mérito decididas no juizado especial. Anotou ainda que, em relação à questão da competência dos juizados especiais, quando o valor de alçada for superado pelo da execução ou cumprimento de sentença, há precedentes da Terceira e Quarta Turma deste Superior Tribunal nos quais se estabeleceu ser competente o próprio juizado especial cível para a execução de suas sentenças independentemente do valor acrescido à condenação. Dessa forma, para a Min. Relatora, apesar de o valor da alçada ser de 40 salários mínimos calculados na data da propositura da ação e, quando da execução, o título ostentar valor superior em razão dos encargos inerentes à condenação (como juros, correção monetária e ônus da sucumbência), tal circunstância não altera a competência dos juizados especiais para a execução da obrigação reconhecida pelo título, pois não poderia o autor perder o direito aos encargos decorrentes da demora na solução da causa, no entanto o tratamento deve ser diferenciado na multa cominatória. Expõe que a multa cominatória, por se tratar de obrigação de fazer cujo cumprimento é imposto como pena de multa diária, incide após a intimação pessoal do devedor para seu adimplemento e o excesso desse quantum em relação à alçada fixada pela mencionada lei só pode ser verificado na fase de execução, não existindo possibilidade de controle da competência do juizado especial na fase de conhecimento. Por esse motivo, a Min. Relatora afastou a preclusão alegada pelo acórdão recorrido como obstáculo para a concessão da segurança. Também explica que afastou a incompetência do juizado especial, visto que, no caso, não há dúvidas de que a execução deve prosseguir naquele juízo especial, pois o valor da causa e a condenação por danos materiais e morais imposta pela sentença situaram-se em patamar inferior à alçada exigida na lei. Assim, a seu ver, uma interpretação sistemática dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 conduz à limitação da competência do juizado especial para cominar e executar as multas coercitivas (art. 52,V) em valores consentâneos com a alçada respectiva, o que deve ser aplicado por analogia à multa cominatória. Asseverou que, se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do juizado especial, como de "baixa complexidade", a demora em seu cumprimento não deve resultar em valor devido a título de multa superior ao valor da alçada. Anotou, ainda, que, para a jurisprudência do STJ, o valor da multa diária cominatória não faz coisa julgada material; pode, portanto, ser revisto a qualquer momento, no caso de se revelar insuficiente ou excessivo, conforme dispõe o art. 461, § 6º, do CPC. Logo, para a Min. Relatora, o valor executado a título de multa excedente à alçada deve ser suprimido, sem que esse fato constitua ofensa à coisa julgada. Concluiu que os atos executórios devem visar ao pagamento da obrigação principal (o qual é limitado pelos arts. 3º, I, e 39 da citada lei em 40 salários mínimos na data da propositura da ação), acrescidos dos seus acessórios posteriores ao ajuizamento (juros, correção e eventualmente ônus da sucumbência) e mais a multa cominatória que deve ser paga até o limite de outros 40 salários, na época da execução, sendo decotado o excesso (mesmo após o trânsito em julgado). Observou, por fim, que, se a multa até esse limite não for suficiente para constranger o devedor a cumprir a sentença, sobra ao credor, que livremente optou pelo via do juizado, valer-se de outros meios (notitia criminis por desobediência à ordem judicial ou ajuizamento de nova ação perante a Justiça comum) ou poderia até ensejar outra indenização. Com esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados: RMS 17.524-BA, DJ 11/9/2006; RMS 27.935-SP, DJe 16/6/2010, REsp 691.785-RJ, DJe 20/10/2010, e AgRg no RMS 32.032-BA, DJe 23/9/2010. RMS 33.155-MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 28/6/2011.



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