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30 abril 2012

OS DOIS SUPREMOS


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Advogado, professor e jurista



Um dos mais importantes pilares da atual Constituição foi a conformação de um notável  equilíbrio de poderes, com mecanismos para evitar invasão de competências.

O Supremo Tribunal foi guindado expressamente a "guardião da Constituição" (art. 102), com integrantes escolhidos por um homem só (art. 101, parágrafo único), o Presidente da República, que é eleito pelo povo (art. 77), assim como os integrantes do Senado e da Câmara (arts. 45 e 46).
O Congresso Nacional tem poderes para anular quaisquer decisões do Executivo ou do Judiciário que invadam a sua função legislativa (art. 49, inciso XI), podendo socorrer-se das Forças Armadas para mantê-la (art. 142), em caso de conflito.
Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que entendo contrariar a Lei Suprema. Assim é que, a partir dos 9 anos da gestão Lula e Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas.
Para citar apenas alguns casos: empossar candidato derrotado - e não eleito direta ou indiretamente - quando de cassação de governantes estaduais (art. 81 da Constituição); a fidelidade partidária, que os constituintes colocaram como faculdade dos partidos (art. 17, § 1º); o aviso-prévio (art. 7º, inciso XXII); a relação entre homossexuais (art. 226, § 3º); e o aborto dos anencéfalos (art. 128 do Código Penal).

Tem-se, pois, duas posturas julgadoras drasticamente opostas: a dos magistrados de antanho, que nunca legislavam, e a dos atuais, que legislam.
Sustentam alguns constitucionalistas que vivemos a era do neoconstitucionalismo, que comportaria tal visão mais abrangente de judicialização da política.
Como velho advogado e professor de direito constitucional, tenho receio dos avanços de um poder técnico sobre um poder político, principalmente quando a própria Constituição o impede (art. 103, § 2º).
Nem se argumente que ação de descumprimento de preceito fundamental - de cuja redação do anteprojeto participei, ao lado de Celso Bastos, Gilmar Mendes, Arnoldo Wald e Oscar Corrêa - autorizaria tal invasão de competência, visto que essa ação objetiva apenas suprir hipóteses não cobertas pelas demais ações de controle concentrado.
Meu receio é que, por força dos instrumentos constitucionais de preservação dos poderes, numa eventual decisão normativa do STF de caráter político nacional, possa haver conflito que justifique sua anulação pelo Congresso (art. 49, inciso XI), o que poderia provocar indiscutível fragilização do regime democrático no país.
É sobre tais preocupações que eu gostaria que magistrados e parlamentares se debruçassem para refletir.
Extraído de Lex Magister, Ed. 1621

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