O blog publica às sextas-feiras
decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de
Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele
dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos
julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar
alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados
Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário
brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências.
Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que
faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns,
onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê
resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje o caso trata de compra e venda de veículo usado, como
segue:
RECURSO INOMINADO
Nº. 6.173/05
ACÓRDÃO
EMENTA:
RECURSO INOMINADO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. ALEGAÇÃO DE DEFEITO.
CADUCIDADE DO DIREITO DE RECLAMAR.
1.-O
DIREITO DE RECLAMAR PELOS VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO CADUCA NO
PRAZO DE 90(NOVENTA) DIAS NOS CASOS DE BENS DURÁVEIS, CONSOANTE DISPÕE O ARTIGO
26 DO CDC.
2.-TENDO
DECORRIDO MAIS DE 120 DIAS DA DATA DA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM MAIS DE ONZE
ANOS DE USO, DESCABE A RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA, SOBREMODO DIANTE
DE DEFEITOS NA PARTE ELÉTRICA CUJO CONSERTO FOI ORÇADO EM CERCA DE APENAS CINCO
POR CENTO DO VALOR DO VEÍCULO.
3.-
DE OUTRA PARTE, CORRETA A DETERMINAÇÃO DA RESTITUIÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE
AO CONSERTO E DA IMPORTÂNCIA A MAIOR PAGA QUANDO DA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO
ATÉ PORQUE NESSA PARTE NÃO HOUVE INSURGÊNCIA RECURSAL.
3.-
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e
discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do
Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso
para dar parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a
fazer parte integrante.
Vitória, ES, de abril de 2005.
RELATÓRIO
ARN
compareceu pessoalmente perante o juizado especial cível para alegar que
comprou um veículo usadoda requerida, o qual desde os primeiros dias de uso
apresentou uma série de defeitos, especialmente na parte elétrica, razão porque
pleiteou a restituição do valor pago com o conserto do carro, bem como o valor
pago a mais na transferência do veículo e o desfazimento do negócio com a
devolução do valor pago na compra do carro.
A
r. sentença de fls. 22/23, julgou procedente o pedido autoral para condenar a
requerida a restituir o valor de R$ 5.127,00 corrigido monetariamente a partir
do ajuizamento da ação devendo o autor devolver o veiculo à parte requerida.
Inconformada,
a empresa requerida interpôs recurso inominado a fls. 32/35, alegando
prescrição do direito do autor com base no art. 26,$3º, do CDC, aduzindo,
ainda, que o veículo foi financiado pelo Banco Panamericano, implicando a
devolução do veículo ao autor em dupla penalidade à recorrente, vez que o mesmo
não concorreu com recursos próprios para aquisição do bem, o que justifica a
reforma da sentença.
Embora
regularmente intimado, conforme certidão de fls. 39, o recorrido não apresentou
contra-razoes.
É
o relatório.
V O T O
Ao exame dos autos,
constata-se que o veículo adquirido pelo autor na empresa requerida em
17/02/2004 é um Chevette Júnior, ano/modelo 1993, conforme certificado de
registro de fls. 05.
As despesas realizadas pelo
autor, conforme orçamento de fls. 03 somaram R$ 240,00 (duzentos e quarenta
reais), referentes a parte elétrica.
O autor pretendeu a
devolução dos valores gastos com o serviço elétrico e mais R$ 37,00 (trinta e
sete reais) correspondentes à diferença do valor de R$ 300,00 que teria pago
para transferência do veículo. Somariam tais gastos a importância de R# 277,00.
Por causa disso, em
22/06/2004, portanto, decorrido o prazo de 120 dias, o autor ingressou com ação
pretendendo o desfazimento do negócio e devolução da importância paga mais o
valor do veículo.
Houve decaímento do direito
nos termos do CDC, que dispõe:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios
aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de
serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de
serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a
partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo
consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa
correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (VETADO);
III - a instauração do inquérito civil, até seu
encerramento.
§ 3º
Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito.
A aquisição de um produto com vício redibitório, ou
seja, um defeito oculto que lhe diminua o valor ou prejudique o seu uso, o
adquirente, desde o momento da tradição, tem o direito de exigir o desfazimento
do contrato, desde que o faça no prazo de 90 dias.
A lei exige ainda que a reclamação
ao fornecedor do produto deve ser comprovada.
Ora, o autor não logrou
demonstrar que o veículo adquirido sofria de vício que comprometesse seu
regular funcionamento e rodou com ele mais de quatro meses nem formulou
qualquer reclamação, ocorrendo o prazo decadencial.
Vale observar que se trata
de veículo com mais de dez anos de uso não se podendo exigir que esteja
absolutamente em ordem, vez que é normalmente vendido no estado em que se encontra,
devendo o comprador adotar todas as providências que lhe competem no sentido de
se assegurar que não está comprando gato por lebre.
Ademais, os defeitos
apresentados são compatíveis com a idade do veículo, razão pela qual não
encontro motivos suficientes para determinar a rescisão do contrato, mormente
após mais de quatro meses de uso do veículo até a proposição da demanda, hoje
com mais de um ano em poder do autor.
Por essas razões, entendo
que decorreu o prazo assinalado no artigo 26,$ 3º do CDC, decaindo o autor do
direito de pretender a resolução do contrato de compra e venda.
Desse modo, dou provimento
parcial ao recurso, para considerar o contrato de compra e venda perfeito e
acabado, determinando contudo que a recorrente promova o pagamento da
importância de R$ 277,00 (duzentos e setenta e sete reais), provenientes dos
gastos efetuados na reparação da parte elétrica (R$ 240,00 -fls. 03) e da
diferença do valor da transferência do veículo (R$ 37,00), valores, aliás, não
contestados no recurso.
A recorrente pagará as
custas processuais. Sem verba honorária, vez que não houve apresentação de
contra-razões e não se trata de recorrente vencida, nos termos do artigo 55 da
LJE.
É
como voto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário