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10 agosto 2012

COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO E CADUCIDADE DO DIREITO DE RECLAMAR



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso trata de compra e venda de veículo usado, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº. 6.173/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. ALEGAÇÃO DE DEFEITO. CADUCIDADE DO DIREITO DE RECLAMAR.   
1.-O DIREITO DE RECLAMAR PELOS VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO CADUCA NO PRAZO DE 90(NOVENTA) DIAS NOS CASOS DE BENS DURÁVEIS, CONSOANTE DISPÕE O ARTIGO 26 DO CDC.
2.-TENDO DECORRIDO MAIS DE 120 DIAS DA DATA DA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM MAIS DE ONZE ANOS DE USO, DESCABE A RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA, SOBREMODO DIANTE DE DEFEITOS NA PARTE ELÉTRICA CUJO CONSERTO FOI ORÇADO EM CERCA DE APENAS CINCO POR CENTO DO VALOR DO VEÍCULO.
3.- DE OUTRA PARTE, CORRETA A DETERMINAÇÃO DA RESTITUIÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO CONSERTO E DA IMPORTÂNCIA A MAIOR PAGA QUANDO DA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO ATÉ PORQUE NESSA PARTE NÃO HOUVE INSURGÊNCIA RECURSAL.
3.- RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para dar parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de abril de 2005.

RELATÓRIO
ARN compareceu pessoalmente perante o juizado especial cível para alegar que comprou um veículo usadoda requerida, o qual desde os primeiros dias de uso apresentou uma série de defeitos, especialmente na parte elétrica, razão porque pleiteou a restituição do valor pago com o conserto do carro, bem como o valor pago a mais na transferência do veículo e o desfazimento do negócio com a devolução do valor pago na compra do carro.
A r. sentença de fls. 22/23, julgou procedente o pedido autoral para condenar a requerida a restituir o valor de R$ 5.127,00 corrigido monetariamente a partir do ajuizamento da ação devendo o autor devolver o veiculo à parte requerida.
Inconformada, a empresa requerida interpôs recurso inominado a fls. 32/35, alegando prescrição do direito do autor com base no art. 26,$3º, do CDC, aduzindo, ainda, que o veículo foi financiado pelo Banco Panamericano, implicando a devolução do veículo ao autor em dupla penalidade à recorrente, vez que o mesmo não concorreu com recursos próprios para aquisição do bem, o que justifica a reforma da sentença.
Embora regularmente intimado, conforme certidão de fls. 39, o recorrido não apresentou contra-razoes.
É o relatório.

                         V O T O     
                       
Ao exame dos autos, constata-se que o veículo adquirido pelo autor na empresa requerida em 17/02/2004 é um Chevette Júnior, ano/modelo 1993, conforme certificado de registro de fls. 05.

As despesas realizadas pelo autor, conforme orçamento de fls. 03 somaram R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), referentes a parte elétrica.

O autor pretendeu a devolução dos valores gastos com o serviço elétrico e mais R$ 37,00 (trinta e sete reais) correspondentes à diferença do valor de R$ 300,00 que teria pago para transferência do veículo. Somariam tais gastos a importância de R# 277,00.

Por causa disso, em 22/06/2004, portanto, decorrido o prazo de 120 dias, o autor ingressou com ação pretendendo o desfazimento do negócio e devolução da importância paga mais o valor do veículo.

Houve decaímento do direito nos termos do CDC, que dispõe:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (VETADO);
III - a instauração do inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

A aquisição de um produto com vício redibitório, ou seja, um defeito oculto que lhe diminua o valor ou prejudique o seu uso, o adquirente, desde o momento da tradição, tem o direito de exigir o desfazimento do contrato, desde que o faça no prazo de 90 dias.

A lei exige ainda que a reclamação ao fornecedor do produto deve ser comprovada.

Ora, o autor não logrou demonstrar que o veículo adquirido sofria de vício que comprometesse seu regular funcionamento e rodou com ele mais de quatro meses nem formulou qualquer reclamação, ocorrendo o prazo decadencial.

Vale observar que se trata de veículo com mais de dez anos de uso não se podendo exigir que esteja absolutamente em ordem, vez que é normalmente vendido no estado em que se encontra, devendo o comprador adotar todas as providências que lhe competem no sentido de se assegurar que não está comprando gato por lebre.

Ademais, os defeitos apresentados são compatíveis com a idade do veículo, razão pela qual não encontro motivos suficientes para determinar a rescisão do contrato, mormente após mais de quatro meses de uso do veículo até a proposição da demanda, hoje com mais de um ano em poder do autor.

Por essas razões, entendo que decorreu o prazo assinalado no artigo 26,$ 3º do CDC, decaindo o autor do direito de pretender a resolução do contrato de compra e venda.

Desse modo, dou provimento parcial ao recurso, para considerar o contrato de compra e venda perfeito e acabado, determinando contudo que a recorrente promova o pagamento da importância de R$ 277,00 (duzentos e setenta e sete reais), provenientes dos gastos efetuados na reparação da parte elétrica (R$ 240,00 -fls. 03) e da diferença do valor da transferência do veículo (R$ 37,00), valores, aliás, não contestados no recurso.

A recorrente pagará as custas processuais. Sem verba honorária, vez que não houve apresentação de contra-razões e não se trata de recorrente vencida, nos termos do artigo 55 da LJE.

É como voto.

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