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23 agosto 2013

AGRAVAMENTO DE SINISTRO DE AUTOMÓVEL


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre a agravamento do sinistro, nos termos abaixo:
 

RECURSO INOMINADO Nº 6.268/05

ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL. SINISTRO. OBRIGAÇÃO DA SEGURADORA DE INDENIZAR OS PREJUÍZOS.

1.-PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL ESPECIALIZADA EM MECÂNICA E LANTERNAGEM REJEITADA, FACE SUA DESNECESSIDADE PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA.
2.-O AGRAVAMENTO DE SINISTRO, PREVISTO NO ART. 768 DO CÓDICO CIVIL/2002, DEPENDE DE PROVA DE QUE TENHA O SEGURADO AGIDO INTENCIONALMENTE E INTENÇÃO NÃO SE PROVA POR PERÍCIA MECÂNCIA.
3.- CUIDANDO O RECURSO UNICAMENTE DA REJEITADA PRELIMINAR, FICA MANTIDA INTEGRALMENTE A SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
4.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para rejeitar a preliminar de incompetência do juizado especial por necessidade de prova pericial e, inexistindo contrariedade ao mérito, manter a sentença impugnada, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de maio de 2005.
 
RELATÓRIO
O autor compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial alegando que contratou com a seguradora o seguro de seu automóvel e, tendo se envolvido em acidente de trânsito, a seguradora negou a cobertura do sinistro, requerendo então o pagamento das despesas relativas ao conserto.
A r. sentença de fls. 27/33, julgou procedente o pedido autoral condenando a requerida ao pagamento da importância de R$ 1.270,00, devidamente corrigida.
Inconformada, a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 34/39, requereu seja reformada a sentença recorrida para acolher a preliminar de incompetência desse Juizado em razão da complexidade da matéria, sendo o feito extinto sem julgamento de mérito, pela inadequação da via judicial eleita pelo recorrido ou, em outras palavras, por ser ela inútil ao fim a que se destina (CPC, art. 267, VI), bem como que seja o recorrido condenado ao pagamento de custas e taxas judiciais, inclusive a título de reembolso, e ainda os honorários de advogados de 20% do valor do pedido.
Em contra-razões de fls.45/51, o recorrido requereu seja negado provimento ao recurso, em consonância com o “parecer” da ilustre magistrada, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.
É a síntese dos autos.
VOTO:
Não se pode deixar de registrar que as partes travam nos autos um verdadeiro diálogo de surdos: as razões recursais cuidam apenas de atacar suposta incompetência do Juizado Especial, enquanto que as contra-razões limitam-se a transcrever parte da sentença impugnada, pleiteando a sua manutenção “em consonância com o “parecer” da ilustre magistrada”. Esse contra-arrazoado, subscrito por advogada de OAB antiga, demonstra, lamentavelmente, que até hoje ainda não atentou a ilustrada causídica para as disposições do artigo 162 do Código de Processo Civil, onde estão explicitados quais são os provimentos judiciais.
Passo à análise do recurso.
Insiste a recorrente, apostando todas as fichas em sua preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível, ante a suposta necessidade de prova pericial para demonstrar que as avarias sofridas pelo veículo do segurado-recorrido não tiveram origem no acidente ou foram agravadas por sua conduta.
De primeiro é preciso assentar que não é infenso o Juizado Especial ao quesito probatório e nem poderia sê-lo, porquanto todas as proposições postas em juízo são submetidas, no devido processo legal, ao contraditório e, como tal, todos os meios legais, como os moralmente legítimos são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou defesa, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente a todo e qualquer tipo ou natureza de processo ou procedimento.
A própria LJE estabelece em seu artigo 32 que: “Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes.”
Ora, a recorrente não produziu qualquer prova, nem juntou documento algum, não arrolou testemunhas, pretendendo apenas e unicamente realizar prova pericial para comprovação de sua tese de “agravamento do dano”.
Essa questão foi suficientemente enfrentada na sentença impugnada nesses termos:
Ademais, a simples alegação da necessidade de produção de prova pericial para dirimir o conflito em apreço, por si só, não tem o condão de declarar a falta de competência desse Juízo, vez que colacionado todo o material probatório, com as especificações necessárias e hábeis ao convencimento, figura como perfeitamente possível o julgamento do presente feito.”
De outro lado, afigura-se absolutamente desnecessária a perícia postulada porquanto o segurado afirmou categoricamente em seu depoimento pessoal (fls.14), sem qualquer contrariedade, “que o veículo foi rebocado através de uma corda que foi amarrada a outro veículo, com o motor parado até a oficina credenciada da requerida localizada a aproximadamente 100 metros do local do fato.”
Portanto, até pelo princípio da inversão do ônus da prova, caberia à recorrente comprovar o contrário. E para isso não precisaria de qualquer perícia.
Vale registrar ainda que não basta o segurador negar a contraprestação contratual sob mera alegação de agravamento do risco, mas deve provar que tal gravame tenha decorrido de INTENÇÃO do segurado, como se verifica do artigo 768 do Código Civil/2002, “verbis”:
Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. (Grifei e sublinhei).
Não me parece que tal intenção possa ser provada através de perícia mecânica de alta complexidade.
Em situação que se encaixa como uma luva ao caso examinado nos autos, assim decidiu o Colegiado Recursal Brasiliense:
Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030110605018ACJ DF
Registro do Acordão Número : 196009
Data de Julgamento : 30/06/2004
Órgão Julgador : Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F.
Relator : ALFEU MACHADO
Publicação no DJU: 09/08/2004 Pág. : 60
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
CIVIL - CONTRATO DE SEGURO - AUTOMÓVEL - SINISTRO - RESSARCIMENTO DO VALOR DESPENDIDO PARA CONSERTO DO VEÍCULO - AUTORIZAÇÃO DA SEGURADORA AINDA QUE TARDIA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. UNÂNIME.
I - RESTANDO INDUVIDOSA A AUTORIZAÇÃO PARA CONSERTO DO VEÍCULO SINISTRADO, CONSOANTE CONJUNTO PROBATÓRIO COLIGIDO AOS AUTOS, FORÇOSO É A CONDENAÇÃO DA SEGURADORA A RESTITUIR AO SEGURADO OS VALORES DESPENDIDOS PARA O MISTER (INTELIGÊNCIA DO ART. 776, DO NOVO CCB), SOB PENA DE CONFIGURAR, INCLUSIVE, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, VEDADO PELO DIREITO.
II - O RISCO É ELEMENTO ESSENCIAL DO CONTRATO DE SEGURO, RAZÃO PELA QUAL NÃO PODE A SEGURADORA PRETENDER DELE ALFORRIAR-SE E, POR CONSEGUINTE, DA OBRIGAÇÃO ASSUMIDA NO CONTRATO DE SEGURO ENTABULADO COM A RECORRIDA, SEM QUALQUER RESPALDO LEGAL E JURÍDICO. III - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
Com essas considerações, rejeito a preliminar argüida e, inexistindo contrariedade quanto ao mérito, fica mantida integralmente a r.sentença impugnada, condenada a recorrente ainda no pagamento das custas processuais e verba honorária que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 55 da LJE.
É como voto.

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