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27 março 2012

A DURA VIDA DO PRESIDENTE DA OAB

Elio Gaspari, O Globo
É dura a vida do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. No último ano, ele condenou o tamanho da fila dos precatórios de São Paulo, a farra dos passaportes diplomáticos, as fraudes nos exames da Ordem, a atuação de advogados estrangeiros em Pindorama, o enriquecimento de Antonio Palocci, e a blindagem dos fichas-sujas. Defendeu a autonomia salarial do Judiciário e os poderes do Conselho Nacional de Justiça.
Como se sabe, Ophir Cavalcante é sócio de um escritório de advocacia em Belém e procurador do governo do Pará, licenciado desde 1998, quando se tornou vice-presidente da seccional da Ordem. Até aí, tudo bem, pois Raymundo Faoro era procurador do Estado do Rio, apesar de não lhe passar pela cabeça ficar 13 anos com um pé na folha da Viúva e outro na nobiliarquia da Ordem.
Em agosto do ano passado, quando o Tribunal Regional Federal permitiu que o Senado pagasse salários acima do teto constitucional de R$ 26.723, Cavalcante disse o seguinte: O correto para o gestor público é que efetue o corte pelo teto, e que as pessoas que se sentirem prejudicadas procurem o Judiciário, e não o contrário.
Em tese, os vencimentos dos procuradores do Pará deveriam ficar abaixo de um teto de R$ 24.117. Seu comprovante de pagamento de janeiro passado informa que teve um salário bruto de R$ 29.800,59. O documento retrata as fantasias salariais onde a Viúva finge que paga pouco, e os doutores fingem que recebem menos do que merecem. Isso não ocorre só com ele, nem é exclusividade do Ministério Público do Pará.
O salário base do doutor é de R$ 8.230,57. Para os cavalgados, é isso, e acabou-se. No caso de Cavalcante, somam-se sete penduricalhos. Há duas gratificações, uma de R$ 6.584 por escolaridade; outra de R$ 7.095 por tempo de serviço; (na repartição, ficou três anos, mas isso não importa); R$ 4.115 por auxílio pelo exercício em unidade diferenciada (a procuradoria fica em Belém, mas ele está lotado na unidade setorial de Brasília).
Esse contracheque levou uma mordida de R$ 5.196 do Imposto de Renda. Se o doutor trabalhasse numa empresa privada, com salário bruto de 29.800,59, tivesse dois dependentes e pagasse, como ele, R$ 2.141 na previdência privada, tomaria uma mordida de R$ R$ 6.760.
Finalmente, há R$ 314 de auxílio alimentação, o que dá R$ 15,70 por almoço. A OAB precisa protestar: o Ministério Público paraense passa fome.
Nota do blog:
O artigo acima foi publicado no jornal O Globo, de 4/3/2012.
Na mesma data, a CONAMP-Confederação Nacional dos membros do Ministério Público, publicou nota esclarecendo o equívoco do autor no que se refere ao cargo do presidente nacional da OAB, que é procurador do Estado do Pará, ou seja, integra a Procuradoria-Geral do Estado do Pará e, portanto, não é membro do Ministério Público do Pará.
Quanto à licença perene de Ophir, nada declarou.
O leão do imposto de renda nem rugiu.
A OAB pode tudo, com as bênçãos do Supremo Tribunal Federal, que ungiu a Ordem como entidade "sui generis". Ou seja, é pública para gozar as benesses do Estado e privada para gastar como quiser, sem se submeter a qualquer controle pelos órgãos estatais de contas. 


Não há justificativa plausível num Estado Democrático de Direito que diferencie a OAB das demais entidades de classe, quais sejam os conselhos profissionais. O que teria levado o STF a distinguí-la das demais não faz mais sentido algum. Desde 1988 vive-se sob regime amplamente democrático, sem a mínima perspectiva de mudança nesse panorama. 
Hoje,  a OAB é a CBF da cena jurídica brasileira.

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