João Ricardo Costa, juiz de direito,
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
A atitude de uma personalidade pública ao
disponibilizar em uma rede social o endereço familiar do ministro
Teori Zavascki, conclamando a população para protestar como forma
de pressioná-lo contra uma decisão proferida, consiste em um ato de
extrema gravidade diante do contexto de radicalidade com que se
comporta uma parcela da população em meio à crise política.
Situação semelhante também foi vivida pela mãe
do juiz Sérgio Moro, vítima de manifestantes em um evento alusivo
ao Dia Internacional da Mulher, circunstância que simboliza o nível
de intolerância a que chegamos. A gravidade dos fatos decorre da
complexidade deste momento, não somente por vivermos uma crise
política de grande dimensão, mas também por estarmos, pela
primeira vez, experimentando uma crise com ampla interatividade
propiciada pelas redes sociais.
Avançamos muito na velocidade e quantidade das
informações, mas ainda não decolamos no que diz respeito à
qualidade e à veracidade. Com urgência, temos que produzir um
intenso debate sobre a ética nas comunicações virtuais e a
responsabilidade de cada cidadão por suas posturas no ambiente
digital.
No caso que atingiu a família do ministro
Zavascki, percebe-se, com muita clareza, que o uso da mídia social
não teve qualquer objetivo democrático. Ocorreu uma evidente
agressão, colocando em alto risco as pessoas envolvidas. Longe de um
democrático protesto contra uma decisão judicial, o ato busca
atingir a independência do Poder Judiciário enquanto instituição.
Típica conduta que atenta contra uma instituição democrática que
está funcionando dentro dos padrões constitucionais.
Sabemos que a crise está intimamente vinculada ao
que veio à tona na Operação Lava Jato. Os processos que envolvem
esse grave caso de corrupção são fundamentais para o País. Temos
que exorcizar o fantasma da corrupção, e, para tanto, as
instituições envolvidas devem ter ampla liberdade em investigar
para que possamos apurar integralmente todos os fatos. A
independência, a autonomia do Judiciário, o devido processo legal e
a ampla defesa são algumas das condições constitucionais que
norteiam os magistrados nesse processo, assim como em qualquer outro.
A discussão pública em torno destes preceitos é
perfeitamente normal no ambiente democrático e as divergências
entre os tribunais são componentes fundamentais para acompanhar a
dinâmica dos fenômenos produzidos pela sociedade.
Ocorre que, neste exato momento, experimentamos no
País uma polarização muito extremada que vem afetando as relações
sociais e até familiares. Necessitamos reconstruir as relações
políticas e nos fixarmos em um conceito prospectivo de nação.
Temos que, prontamente, identificar todos os segmentos dispostos a
unificar o Brasil em um projeto nacional, acalmar os ânimos e
reconstruir as pontes de diálogo destruídas até aqui. Identificar
os atores capazes de pacificar a sociedade é uma tarefa que deve ser
cumprida imediatamente.
O certo é que os radicais que ocupam os vários
espaços públicos como o personagem do Twitter não demonstram
mínima capacidade para o diálogo. Ou por uma deficiente formação
cidadã, ou por decorrência de uma despolitização que podemos
definir como uma ideia subvertida da política. A tendência ao
autoritarismo é marcante neste movimento. Manipulam a lógica e os
fatos, conduta típica dos movimentos que desembocaram na política
do entreguerras na Alemanha, como bem lembrou Hannah Arendt em “As
Origens do Totalitarismo”.
Acreditamos que esse estamento seja uma minoria,
embora mais presente no mundo virtual, aliás, como bem observado por
Umberto Eco, um grupo que não conseguiu expressão nos espaços
convencionais e adquiriu visibilidade nas redes sociais.
Mas é importante que a sociedade perceba que
serenidade é a palavra de ordem para superarmos esta crise e
promover o fim da corrupção nos meios público e privado. Recomendo
a leitura do texto publicado essa semana pelo procurador geral da
República, Rodrigo Janot, em que prega a união do País e a
serenidade, palavras extremamente oportunas para este momento.
Quanto àqueles que de forma truculenta utilizam
as redes sociais ou qualquer outro canal, mesmo que motivados por uma
dramática decadência pessoal, resta propor os caminhos da
solidariedade e, sem êxito, podemos, quem sabe, apelar para aquele
ritual de um povo ancestral de algum lugar do mundo em que a
comunidade se reúne em volta da fogueira para chorar a precariedade
existencial de um de seus membros e, assim, expiar as suas dores.
Fonte: AMB