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22 fevereiro 2013

SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS E INDENIZAÇÃO

O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
 
Hoje a questão versa sobre indenização de seguro de acidentes pessoais, nos termos abaixo:
RECURSO INOMINADO Nº 5.330/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS. OCORRÊNDO SINISTRO É DEVER DA SEGURADORA INDENIZAR O SEGURADO OU BENEFICIÁRIO LEGAL. 
1.- CONTRATO DE SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS EM GRUPO, TENDO POR SEGURADOS RECIPROCAMENTE OS CÔNJUGES, SENDO BENEFICIÁRIA A SEGURADA PRINCIPAL, A AUTORA.
2.-OCORRÊNCIA DE ACIDENTE PESSOAL DO MARIDO EM QUE HOUVE PERDA TOTAL DE ACUIDADE VISUAL DE UM DOS OLHOS.
3.-SENTENÇA QUE DETERMINA O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO CONFORME ESTIPULADO EM CERTIFICADO INDIVIDUAL EXPEDIDO PELA PRÓPRIA SEGURADORA.
4.- PRETENSÃO DA SEGURADORA DE REDUÇÃO DO VALOR COM BASE EM ALEGADA APÓLICE E ENDOSSO QUE SEQUER FEZ JUNTAR AOS AUTOS, DESATENDENDO O DISPOSTO NO ARTIGO 333, II, DO CPC.   
3.- RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de novembro de 2004.
RELATÓRIO
A autora ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE SEGURO em face de empresa seguradora, objetivando o recebimento de indenização de R$ 6.000,00, em razão de acidente que foi vítima seu marido, vindo ele a perder a visão do olho esquerdo. Trata-se de seguro reversível, sendo a requerente segurada principal e beneficiária.
Pela r.sentença de fls. 88/89, restou acolhida a pretensão autoral, condenada a requerida ao pagamento de R$ 6.000,00, corrigida monetariamente na forma da lei 6899/81.
Inconformada, a seguradora interpôs recurso inominado a fls. 95/98, pleiteando a reforma da sentença, limitando-se a indenização ao percentual de 30% do valor da indenização para perda visual de um olho, previsto na apólice contratada e em respeito à tabela utilizada.
A recorrida apresentou, a destempo, contra-razões a fls. 101/105 no sentido da manutenção do julgado.
É o relatório.
 
V O T O
A recorrida comprovou que desde 1999 firmou contrato de seguro de vida e acidentes pessoais em grupo com a recorrente, tendo por estipulante a Prefeitura Municipal de Vila Velha, com os valores definidos segundo o Certificado Individual de fls. 14.
 
Trata-se de seguro reversível, no qual, existindo cônjuge, o beneficiário será o segurado principal, ou seja, a própria recorrida.
Comprovou, ainda, que o marido sofreu acidente quando ao perfurar uma parede de sua casa foi atingido no olho esquerdo com um prego. Em decorrência foi atendido no Hospital São Lucas e encaminhado para tratamento com profissional especializado. Foi submetido a cirurgia mas houve evolução do dano, causando-lhe a perda da visão.
Tudo devidamente documentado.
A seguradora recorrente negou o pedido administrativo e em juízo alegou prescrição e ilegitimidade de parte. Houve acolhimento de prescrição.
 
A autora recorreu e tais questões foram refutadas pela Segunda Turma do Colegiado Recursal, em acórdão de fls. 77, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para análise de mérito.
Através da sentença de mérito de fls. 88/89, com base nos documentos acostados aos autos e com respaldo no art. 1458 do Código Civil de 1916, em vigor na época do sinistro, a ora recorrente foi condenada a pagar o valor estampado no certificado individual expedido pela seguradora.
A seguradora pretende a reforma do julgado para reduzir o valor da indenização alegando cláusula de endosso que não juntou aos autos, com base em tabela inominada.
Ora, alegar e não provar é o mesmo que nada alegar.
A recorrente não se desincumbiu do ônus processual que lhe competia: não juntou aos autos a apólice, o endosso ou qualquer outro documento que respaldasse seus argumentos, desatendendo, pois, ao disposto no art. 333, II, do CPC.
O MM Juiz monocrático decidiu a causa com base na prova colhida no processo e com supedâneo no Código Civil.
Em caso de contrato de seguro de vida em grupo aplica-se também o CDC, em que as cláusulas contratuais são interpretadas em benefício do segurado, parte mais fraca na relação contratual.
Ademais, não há qualquer elemento de prova nos autos que desabone a interpretação haurida pelo magistrado sentenciante.
Com base nessas considerações, nego provimento ao recurso e condeno a recorrente no pagamento das custas processuais.
Deixo de condenar a recorrente na verba honorária, vez que as contra-razões foram ofertadas fora do prazo legal, devendo ser consideradas inexistentes.
É como voto.

11 fevereiro 2013

AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA – ASPECTOS RELEVANTES


Nelson Sá Gomes Ramalho
Advogado

 
A criação de empresas, com a participação acionária do Estado, para o desenvolvimento de funções na economia, se intensificou no século passado (século XX), após a Primeira Grande Guerra Mundial.
 
O denominado Estado liberal encontrava-se ideologicamente em declínio, sobrevindo o Estado Social, ocorrendo consequentemente o incremento das atividades estatais, não mais se restringindo àquelas atividades típicas do Poder Público, contudo alargando-se a noção originária de ser viço público, passando o Estado a desenvolver, outrossim, atividade industrial e comercial.
 
Esta modificação alterou ainda a postura do Poder Público no que toca ao processo econômico, passando o Estado a não apenas fixar e resguardar as normas (lato senso) do livre mercado, evoluindo para a figura do Estado Empresário, isto é, o Estado atuando efetivamente como verdadeiro agente econômico.
Para lograr êxito nestas novas atividades, incompatível com o modelo de organização tipicamente burocrática da Administração Pública, foi utilizada a empresa estatal em larga escala.
 
Daí surgiu a necessidade de se criar uma legislação específica para as empresas com esta natureza  (de sociedade de economia mista), tendo se verificado, igualmente, a imprescindibilidade de, apesar de dar maior liberdade de atuação, esta espécie de sociedade precisar observar, em razão da participação direta do Poder Público, regras claras que preservassem os  princípios basilares do Estado, ou seja, a transparência, a moralidade e impessoalidade.
Assim, quando o Estado decidiu por atuar no mercado, por questões estratégicas ou mesmo como única solução para incentivar o início ou desenvolvimento de determinadas atividades, ara a qual não havia interesse da inciativa privada em investir, verificou-se desde logo a imprescindibilidade de ser elaborada normatização específica, de modo a permitir maior agilidade do Estado empresário.
 
Sem tencionarmos adentrar em debate de cunho ideológico, há os que esposam também a tese de que deve o Estado ter, outrossim, outras formas de renda do que tão somente o imposto recolhido direta ou indiretamente dos cidadãos. Assim, em se tratando de uma empresa de economia mista lucrativa, eficiente, por que, perguntam estes, o Estado não ter na mesma uma fonte de recursos?
Retornando à seara originária, temos que restou claro a importância da existência de legislação específica para reger as sociedades de economia mista e, para tanto, ter-se clareza quanto à natureza jurídica e fática das mesmas .
 
Constatou-se, desde logo, que a legislação que regia o Estado nas suas atividades típicas (esfera administrativa), era incompatível para que o Estado empresário desenvolvesse suas novas atribuições.
Nesse sentido Hely Lopes Meirelles discorre com precisão:
 
A sociedade de economia mista no Brasil anda não recebeu a devida regulamentação legal. .A Constituição da República a ela se refere apenas para estabelecer que, quando for utilizada para explorar atividade econômica, deve operar sob as mesmas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (art. 173, $ 1º.) ... (omissis)... Permanecem ao lado do Estado, mas guardando sempre sua personalidade de Direito Privado. (Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, 17ª. Edição, 1990, Malheiros Editores, p. 331).
Temos por certo que se faz imprescindível certa liberdade de atuação para que o Estado logre êxito para executar atividades no mundo da indústria e da mercancia.
Tão somente liberto das amarras inerentes à burocracia da administração direta, pode o Estado desempenhar o papel de empresário, o que, aliás, não ocorre apenas no Brasil.
 
Vislumbrou o legislador, com rara clarividência, a imprescindibilidade  de despir o Estado, enquanto Governo, da burocracia existente, dando-lhe maior agilidade para atingir a produtividade.
Neste ponto, vale chamar a atenção para o fato de que a previsão contida na Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, no sentido de que “a Lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários:” (Art. 173, inciso II, da Constituição Federal), até hoje não se concretizou.
 
Constitui-se em ledo equívoco acreditar que um Estado empresarial, com pesada estrutura burocrática, tal como a existente na administração direta, que desenvolve atividades de mero expediente, gere um maior controle das empresas.
O engessamento da estrutura gerencial das empresas de economia mista, precipuamente daquelas que desenvolvam atividade empresarial em regime de concorrência, as levaria certamente à situação que geraria a indispensabilidade de repasse de recursos do Governo para mantê-las, vez que deixariam de cumprir seu objetivo de produzir e gerar progresso e dividendos, uma vez que, com as amarras administrativas, restariam impedidas de competir, de terem  agilidade indispensável para atuar no mundo dos negócios.
 
Tem sido esquecido em nosso país, que a finalidade da existência das sociedades de economia mista é na verdade dar condições ao Estado para atuar como empresário, principalmente naquelas atividades onde se faz indispensável sua presença, seja pelo aspecto econômico, político, social e/ou estratégico.

Criou-se sistema de fiscalização  que acaba, em razão do modelo adotado, gerando danos em razão de efeitos colaterais, impedindo-se o desenvolvimento tecnológico e econômico destas empresas que, indubitavelmente, constituem-se em força  motriz a impulsionar o progresso do Brasil.

Em momento algum está a se defender o fim da fiscalização, porém a alteração de como ela é realizada.

Verifica-se que o controle das sociedades de economia mista, quando exercido com racionalidade, sem comprometimento emocional ou moral, mostra-se eficaz.

A União, na qualidade de acionista controladora, deve proceder  como o  majoritário na empresa privada: defender suas posições e interesses na assembleia de acionistas.

Por outro lado, devem os órgãos de controle externos procurar especializar seus integrantes no mister do trabalho no campo da indústria e do comércio, para terem eficiência na fundamental função de fiscalizar.

Deve-se exigir qualidade e resultados, tendo o Estado para tanto poder de eleger e destituir, nas assembleias de acionistas, a Diretoria da Companhia por ele controlada, que melhor se adeque a estes parâmetros.

Como, entrementes, pretender que uma economia mista possa atuar competitivamente no mercado, se a mesma encontra-se defesa  até mesmo de estabelecer por conta própria níveis salariais compatíveis com esse mercado e com os resultados da empresa, de forma a poder evitar a perda de técnicos altamente gabaritados?

Para um controle mais efetivo deve-se deixar de lado o hábito de se monitorar cada ato de gestão e de se exigir relatórios e mais relatórios ao administrador, obrigando-se as empresas a terem custos extraordinários, com a criação inclusive de áreas somente para atender as muitas requisições frequentemente solicitadas.

Afigura-nos que o caminho sadio é criar no administrador a obrigatoriedade de praticar o exercício da criatividade, da inteligência e obriga-lo a assumir responsabilidade.

O que propomos, em apertada síntese, é que se deixe de tutelar estas empresas, sem se exercer a indispensável fiscalização, de forma a se preservar os princípios constitucionais da moralidade e da transparência. Ao se tutelar alguém, impede-se que haja crescimento, pois o tutelado não mais se preocupa em criar, ousar e se preocupar com os resultados: passa a aguardar pacientemente pelo próximo comando.

Campo fértil,  no entanto, para que estas iniciativas frutifiquem, somente adubado com alguma liberdade de ação.

Acreditamos que a solução é a celebração dos denominados contratos de gestão, a serem celebrados entre as sociedades de economia mista e o acionista controlador. Tal iniciativa já foi implementada no passado, tendo sido assinado contratos de gestão, contudo não se materializou no campo pragmático.

Com a ausência de certo grau de autonomia para agir, podem ser gerados prejuízos ao Tesouro, que para suprir estas empresas tem de destinar-lhes recursos, invertendo-se, desta forma, a ordem natural das coisas: que seria a empresa gerando dividendos para seu acionista controlador.
A matéria, ora em tela, encontra-se dissecada com raro brilhantismo no Parecer no. JCF- 18/93, de 27 de Janeiro de 1993, da lavra do Dr. José de Castro Ferreira, verbis:
É que, se o regime jurídico das sociedades de economia mista, por exemplo, é o das sociedades anônimas, o Poder Público nãoi poderá adotar formas de interferência na administração dessas empresas que venham a ser incompatíveis com os procedimentos de uma sociedade anônima. Da mesma forma, não será lícito nem conveniente adotar normas referentes a seus empregados, que se  conflitem com as disposições da legislação trabalhista, societária, tributária, civil, entre outras, pois significaria esvaziar de sentido o excerto constitucional que subordina estas empresas ao regime jurídico aplicável às empresas privadas. Demais disso, o poder do Estado, nessas empresas, é o poder do acionista controlador e não o poder de governo... (omissis). As sociedades de economia mista e as empresas públicas, assim como as demais entidades que explorem atividade econômica, são regidas por lei, mas não geridas por lei (o negrito consta do original).

Obviamente, isso não significar obstar o Estado de baixar legislação aplicável às empresas do setor público. A Lei das Sociedades Anônimas  já encerra tal previsão ao dizer que as sociedades de economia mista se regerão pela lei das sociedades anônimas privadas, sem prejuízo das disposições de leis federais (Lei no. 6.404/76, art. 235). O que queremos dizer é que se mostra incabível além de inadequada a intervenção do Estado na organização e funcionamento das sociedades de economia mista mediante a promulgação de leis que não tenham  a característica de norma geral endereçadas a todas as empresas, mas se destinem à área de deliberação própria do acionista e até a atacar o varejo das atribuições gerenciais dos conselhos de administração (o realce é reprodução do original).

No regime capitalista, quando o Estado atua no domínio econômico não produz, como consequência, a estatização da economia,  mas sim a sua assimilação como ente privado, desvestido do ius imperii e em igualdade de condições com os demais agentes econômicos privados. A transmudação ocorre nesse sentido e não no oposto. Isso é o que explica a vetusta regra isonômica, repetida na atual Carta em seu art. 173,1º. (Parecer JFC -18/93, da Consultoria Geral da República).

No mesmo sentido manifestou-se o Tribunal Superior do Trabalho, em mais de uma oportunidade:
Essas empresas, que com petem no plano  econômico, têm que ter um tratamento diferenciado dentro do serviço público, uma vez que não é possível que venham a ser atreladas aos rígidos preceitos da administração direta ou das entidades fundacionais especificamente mencionadas. (TST; PLENO, Proc. DC 07/89, julgado em 4/5/94; Rel. Min. Orlando Teixeira da Costa).

O Banco do Brasil é notoriamente sociedade de economia mista...(sic). Com efeito tratando-se de sociedade de economia mista, ainda que possa ser visto como integrante da Administração Pública Indireta, o Banco, porque explora evidente, manifesta, incontroversa e iniludível atividade econômica, sujeitando-se à concorrência e no mercado de captação de dinheiro, e na realização de contratos de natureza financeira, não pode deixar de se submeter ao regime jurídico próprio das empresas privadas. “inclusive quanto às obrigações trabalhistas”, como ressalta, com zelo pleonástico o texto constitucional.(TST,PLENO, Proc. DC 16/89; Rel. Min. Almir Pazzianotto).
 
Sobre a imprescindibilidade de se conceder maior autonomia às empresas de sociedade de economia mista, abrangidas pelo disposto no art. 173, da Carta Maior, discorreu com  raro acerto o ministro Adhemar Paladini Ghisi, do Tribunal de Contas da União, que vem igualmente a robustecer a tese neste esposada, verbis:
 
(...) Não temos dúvida, neste Tribunal, da necessidade de se dar aos órgãos da administração indireta no Brasil, principalmente àqueles referidos na Constituição no Art. 173, uma maior flexibilidade. Essa liberdade permitirá uma maior agilidade nesse sistema competitivo a que estão submetidas as empresas em geral, principalmente as públicas. É preciso que essa possibilidade esteja prevista na Carta Magna, que hoje não consagra essa liberdade de ação ... (Sessão Plenária de 2 de fevereiro de 1994, publicada no DOU DE 17/2/94).
Assim, até que se promulgue lei, prevista na Constituição Federal, para regulamentar a atividade das economias mistas, deve-se cuidar de modo a que não se venha a manietar a atuação desse importante braço do Estado, no desenvolvimento do País, procurando-se fiscalizá-las sem tutelar, bem como proferir decisões equilibradas, isto é, fora do  binômio público/privado, eis que não se encontram essas sociedades em nenhuma das duas espécies.
(Extraído da Revista da Escola Nacional da Magistratura, Ano VII, ed. No. 6, Brasilia: Escola Nacional da Magistratura, [2012], p 521/527 .


01 fevereiro 2013

BEM DURÁVEL COM DEFEITO DEVE SER LOGO SUBSTITUÍDO

O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje a questão versa sobre direito do consumidor referente à aquisição de bem durável, nos termos abaixo:

RECURSO INOMINADO Nº 7.468/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AQUISIÇÃO DE BEM DE CONSUMO DURÁVEL. DEFEITO NA INSTALAÇÃO DO PRODUTO. ENCAMINHAMENTO À ASSISTÊNCIA TÉCNICA. PRÁTICA CONDENÁVEL NOS TERMOS DO CDC.
1.- SE O BEM ADQUIRIDO APRESENTOU DEFEITO QUANDO DE SUA INSTALAÇÃO, DEVERIA A EMPRESA TROCAR POR OUTRO DE IGUAL QUALIDADE E NÃO ENCAMINHAR O CONSUMIDOR PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA, SOMENTE EFETUANDO A TROCA OITO DIAS DEPOIS.
2.-ALÉM DISSO, SE O GERENTE DA EMPRESA LIGA PARA O CONSUMIDOR SUPONDO QUE O MESMO FICOU COM O PRODUTO DEFEITUOSO E O NOVO PRODUTO, ACUSANDO-O DE PRÁTICA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E TAL FATO NÃO OCORREU, RESPONDE A EMPRESA POR ESTA ILICITUDE, QUE CARACTERIZA DANO MORAL.
3.-NÃO MERECE REDUÇÃO O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL QUANDO ARBITRADO COM PONDERAÇÃO, TENDO EM CONTA O PORTE ECONÔMICO DAS PARTES, A SITUAÇÃO RETRATADA NOS AUTOS E O CARÁTER PUNITIVO/PEDAGÓGICO DO INSTITUTO. 
4. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, à unanimidade, conhecer do recurso e negar provimento, para manter a sentença impugnada, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de novembro de 2005.

RELATÓRIO
 
O autor compareceu pessoalmente perante o 2º Juizado Especial de Vitória alegando que adquiriu um aparelho de ar refrigerado numa das filiais da rede de lojas da empresa requerida, porém ao ligar o aparelho em sua casa percebeu que o mesmo estava com defeito, tendo levado à assistência técnica e lá emitido um laudo e encaminhado a loja. Dirigiu-se à loja e recebeu outro aparelho de igual marca e modelo, porém, alguns dias depois um funcionário da requerida ligou para sua residência alegando que ele havia retirado mercadoria da loja e isso seria apropriação indébita constituindo caso de polícia. Requereu indenização por danos morais, atribuindo à causa o valor de R$ 5.200,00.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 14/16, que julgou procedente o pedido, condenando a requerida ao pagamento de R$ 1.000,00, a título de danos morais.
Irresignada, a empresa requerida interpôs recurso inominado a fls. 40/48, pretendendo a reforma da sentença para afastar a condenação em danos morais ou que seja arbitrado um novo valor indenizatório, inferior ao já arbitrado.
O recorrido apresentou singelas contra-razões a fls. 53/54, requerendo seja negado provimento ao recurso.
É o relatório.
 
V O T O
              
Trata-se de evidente relação de consumo, dispondo a respeito o Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo    duráveis ou não duráveis respondem solidariamente         pelos vícios de qualidade ou quantidade que os        tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que       se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a          indicações constantes do recipiente, da       embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,     respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a         substituição das partes viciadas.” 
 
Portanto, quando o produto adquirido apresenta defeito e tal defeito não é solucionado, a lei faculta ao consumidor exigir do fornecedor a substituição do produto, a devolução da importância paga ou o abatimento proporcional do preço.
 
Numa sociedade de consumo como a que vivemos a psicologia explica que ao adquirir um produto novo o consumidor sente a sensação agradável de haver satisfeito um desejo, muitas vezes aguardado por muito tempo.
 
Obviamente que há enorme frustração quando o produto adquirido apresenta defeito, que se agrava quando o vendedor não procura imediatamente solucionar o problema, trocando o produto por outro com as mesmas qualidades.
 
Ninguém em sã consciência vai se sentir confortável em adquirir um produto novo e ser encaminhado à assistência técnica porque o produto não funcionou adequadamente. É inaceitável tal prática, caracterizando verdadeiro abuso econômico.
 
Mais grave ainda, quando o consumidor é surpreendido com telefonemas por funcionário da loja afirmando que houve apropriação indébita e que isso é caso de polícia. Tal situação causa evidente transtorno e constrangimento ao consumidor, caracterizando dano moral indenizável, nos termos do Código de Defesa do Consumidor que assegura efetiva reparação, “verbis”:
 
            Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
            ...
           VI - a efetiva prevenção e reparação de danos   patrimoniais e morais, individuais, coletivos e  difusos;
No caso dos autos restou comprovado que o consumidor adquiriu um aparelho de ar condicionado novo que apresentou defeito e a recorrente em vez de promover a imediata troca, o encaminhou para a assistência técnica, tendo o consumidor ficado privado de seu uso por oito dias.

Ficou demonstrado, ainda, que houve a troca por outro produto, porém, por desorganização administrativa da requerida, o então gerente ligou para o recorrido afirmando que o mesmo praticou o crime de apropriação indébita, sendo caso de polícia,  por supor que o recorrido tivesse ficado com o aparelho que estava na assistência técnica e com o outro que retirou posteriormente da loja. Essa situação é evidentemente geradora de dano moral.
 
O valor arbitrado é razoável, tendo em conta o porte econômico da recorrente e o caráter punitivo/pedagógico do instituto, estando em consonância com as circunstâncias descritas nos autos, não havendo qualquer razão plausível para reduzi-lo.
 
Nesses termos, correta a sentença impugnada, que deve ser prestigiada também por seus próprios fundamentos.
 
A recorrente pagará as custas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em face da singeleza das contra-razões, nos termos do art. 55 da LJE.
 
É como voto.