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30 julho 2012

CONGRESSO BRASILEIRO DE LICITAÇÕES, CONTRATOS E COMPRAS GOVERNAMENTAIS





As modificações realizadas na Lei 8.666/93, as novas figuras contratuais na área pública, a renovada aplicação de antigos institutos, como as concessões públicas, o controle dos contratos e licitações, permanecem exigindo dos agentes públicos, dos administradores, procuradores, auditores e demais agentes de fiscalização, assim como dos particulares que contratam com o Estado, permanente atualização.

Neste contexto, o VIII Congresso Brasileiro de Licitações, Contratos e Compras Governamentais será uma oportunidade única de reunir, em três dias de conferências e debates, especialistas consagrados e importantes agentes públicos para uma reflexão renovada sobre as transformações, avanços e problemas identificados no sistema brasileiro de licitações, contratos e compras governamentais, em continuidade ao extraordinário sucesso das edições anteriores. Não perca esse debate. 

20 julho 2012

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E O LIMITE DE SUA ALÇADA



O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado refere-se ao valor de alçada para todas as ações de competência dos Juizados Especiais Cíveis, como segue:


EMENTA: RECURSO INOMINADO. COBRANÇA DE QUOTAS CONDOMINIAIS. AÇÕES DESDOBRADAS QUE REUNIDAS SUPERAM O VALOR DE QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. TENTATIVA DE BURLA DO TETO LEGAL QUE DEVE SER CONTIDA COM APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART.51,II, DA LEI 9.099/95.     
1.- OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS TÊM A COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA QUALIDADE DAS PARTES, PELA MATÉRIA NELA VERSADA E, SOBRETUDO, PELO VALOR DA CAUSA.
2.-AS CAUSAS ENUMERADAS NO ART. 275, II, DO CPC TAMBÉM SUBMETEM-SE AO TETO  DE QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS, POR INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 98, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E INCISO I e §3º DO ART. 3º C/C ARTIGOS 15 E 39, TODOS DA LEI 9.099/95.
3.-A OPÇÃO PELO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, AFORA A HIPÓTESE DE CONCILIAÇÃO, IMPLICA RENÚNCIA AO CRÉDITO EXCEDENTE, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 3º DA LEI 9.099/95 OU SUA EXTINÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 51, II, DO MESMO DIPLOMA LEGAL.
4.- RECURSO IMPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
                        Vitória, ES,  de outubro de 2005.

R E L A T Ó R I O
O Condomínio da Praia, por seus advogados, ajuizou Ação de Cobrança de Quota Condominial em face do condômino FVC, alegando que o requerido deve quotas de condomínio referente às lojas 37 e 38 do segundo piso do referido Condomínio, que somam R$ 9.348,00, vencidas no período de 01/01/99 a 05/06/99, conforme demonstrativo anexo, aduzindo, mais, que os valores estão atualizados pela tabela judicial de março/04, apensa,acrescidos de juros de 1% ao mês, multa de 10% e ainda despesa com a cobrança, na ordem de 15%, com autorização do § 3º, do art. 12 da Lei 4.591, cláusulas 65 e 66 da Escritura Condominial, do Regulamento Interno e § 2º, da cláusula primeira do “Contrato de Prestação de Serviços Advocatícios”, anexados.
Regularmente instruído o feito, adveio a r.sentença de fls. 43, que julgou extinto o processo, bem como o processo em apenso, sem julgamento de mérito, com fulcro no art. 51,II, da Lei 9099/95, vez que, somados os valores de ambos, com as mesmas partes e causa de pedir, burlam o teto de quarenta salários mínimos, vez que outros pedidos foram julgados procedentes.
Irresignado o Condomínio interpôs recurso inominado a fls. 50/53, assentando que o MM Juiz a quo, contrariando o disposto no art. 3º, II, da Lei 9099/95 e ainda decisões deste Colégio Recursal proferidas no Mandado de Segurança 0090/03 e RI 4.462/03, entendeu não ser o Juizado Especial competente para julgar processos cujos valores excedam a quarenta salários mínimos, acostando cópias de referidos julgados. Desse modo, requereu provimento do recurso para anulação da r.sentença hostilizada e determinar a descida dos autos ao juízo de origem para redesignação de nova audiência de Instrução e Julgamento, pois somente desata forma se estará restabelecendo a justiça.
Regularmente intimado, o recorrido não apresentou contra-razões, conforme certidão de fls. 96.
É o relatório.

                   V O T O
    
Verificando que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, sobremodo diante do despacho de fls. 93, conheço do recurso.

A discussão posta nos autos gira em torno da interpretação do artigo 3º, da Lei 9099/95, ou seja, se as causas constantes do inciso II, do referido dispositivo devem ou não guardar obediência ao teto de quarenta salários mínimos.

Veja-se o teor do dispositivo:

Art. 3° O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I–as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo;
II–as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
Art. 275.  Observar-se-á o procedimento sumário: (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
I - nas causas, cujo valor não exceder 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo vigente no País;  (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
II - nas causas, qualquer que seja o valor (Retificado) (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;
b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;
d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;
e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução;
f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;
g) nos demais casos previstos em lei.
Parágrafo único. Este procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas. (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
III–a ação de despejo para uso próprio;
IV–as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
§ 1° Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I–dos seus julgados;
Il–dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até 40 (quarenta) vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1° do art. 8° desta Lei.
§ 2° Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
§ 3° A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.
A matéria é polêmica, suscitando respeitáveis opiniões, quer em prol da tese da inexistência de teto para as ações referidas no art. 275 do CPC, quer em sentido contrário. Entretanto, vem ganhando cada vez mais corpo, a posição que defende a limitação de teto para os Juizados Especiais Cíveis.

Aponta o recorrente dois precedentes desta Turma, cumprindo verificar que:

No primeiro julgado referido, ou seja, o RI 4.462/03, o tema não foi enfrentado pela Turma, posto que a preliminar de incompetência argüida, dizia respeito à impossibilidade do Condomínio, como pessoa jurídica, postular perante os Juizados Especiais. E foi repelida com o seguinte fundamento:

“Tenho que as restrições impostas no parágrafo 1º, do art. 8º da Lei nº 9099/95 não se aplicam às pessoas que gozam de personalidade judiciária como o espólio e o condomínio.
Coaduna com este o magistrado Joel Dias Figueira Jr. (Comentários, cit., p. 169), quando destaca a Conclusão 10 dos integrantes da Seção Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos seguintes termos:
“O Espólio, que goza de personalidade jurídica de direito processual e o condomínio, na defesa da comunidade dos condôminos, podem litigar perante o Juizado Especial, por não se incluírem no conceito de pessoa jurídica (art. 8º, § 1º, da Lei nº 9.099/95).”

Não é o caso dos autos.

Entretanto, no julgamento de mérito do Mandado de Segurança 090/03, ficou assentado pelo eminente Juiz-Relator, acompanhado pelos demais pares:

“Logo, para delimitar a competência do Juizado Especial Cível, serviu-se o legislador de 2 (dois) critérios, a saber, o qualitativo e o quantitativo.
No caso da ação de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio, a competência do Juizado Especial Cível dá-se pelo critério qualitativo.
Por isso, tem o Juizado Especial competência para processar e julgar tais ações, independentemente do valor em cobrança, entendimento este sufragado pelo Enunciado nº 58 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil antes mencionado, assim redigido: “As causas cíveis enumeradas no art. 275, II, do CPC, admitem condenação superior a 40 salários mínimos e sua respectiva execução, no próprio Juizado.”
Logo, sendo lícito ao condomínio propor no Juizado Especial Cível ação para cobrança de valores que lhe sejam devidos por condômino, em importe superior a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo, nada obsta que proponha mais de uma ação, versando sobre encargos referentes a períodos e a unidades condominiais distintas, ainda que os importes em cobrança em todas elas, somados, superem a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo.”

O supra-referido Enunciado nº 58 (aprovado no Encontro de Maceió-AL, em novembro de 2002) foi confirmado no XVII, ENCONTRO NACIONAL DE COORDENADORES DE JUIZADOS ESPECIAIS DO BRASIL, realizado em Curitiba-PR, no período de 25 a 29/05/2005. Transcrito no DJ-ES, edição nº 2614, de 17.06.2005.

Tal entendimento, contudo, tem enfrentado severas críticas de diversos doutrinadores, como se procurará demonstrar.

Em interessante artigo publicado na internet sob o título “Juizados Especiais: Compreendendo o valor de alçada” assevera JOSÉ CARLOS DE ARAÚJO ALMEIDA FILHO, advogado no Rio de Janeiro e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, o seguinte:

Analisando o art. 3º. da Lei 9099/95, podemos concluir que estão sujeitas aos Juizados Especiais as causas de menor complexidade, sendo consideradas como tal: I- as que não excederem a 40 vezes o valor do salário mínimo; II- aquelas enumeradas no art. 275, II, do CPC; III- despejo para uso próprio e IV- as ações possessórias.
Comparando o art. 3º. da referida lei com o nosso paradigma italiano, ou seja, o Juiz de Paz, podemos perceber que no art. 7º. do CPC Italiano há ressalvas – o que o nosso legislador não cuidou de fazer nos incisos. Diante desta omissão [17], surgem as correntes a favor de não limitação de valor (ou teto) e a que admite que as causas enumeradas nos incisos II a IV estão sujeitas ao teto.
A primeira corrente, que encontra diversos adeptos, se encontra equivocada. Não podemos interpretar a Lei 9.099/95 pelo caput do art. 3º., sem levarmos em consideração toda a sistemática dos Juizados Especiais.
A fim de expurgarmos de vez com a idéia de que não há teto, a ressalva contida no parágrafo terceiro do próprio artigo em questão afirma, peremptoriamente, que "a opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação".
Ou seja, ainda que não haja ressalvas em cada um dos incisos, o teto será sempre o de quarenta (40) vezes o valor do salário mínimo. Há, sem maiores polêmicas ou necessidade de problematização, a certeza de que não há qualquer possibilidade de ter no Juizado Especial causa acima de 40 salários mínimos. Não trataremos da transação, porque nesta sempre haverá renúncia de parte a parte.
O conjunto legal dos Juizados Especiais fixa, sim, o limite para a competência, bastando analisarmos, em conjunto com o art. 3º., o art. 39. Ainda que somente tenhamos um artigo estipulando valor de alçada, ou teto para aplicação das normas dos Juizados Especiais, qualquer sentença acima de 40 salários mínimos será ineficaz.(Texto inserido no Jus Navigandi nº 768 (11.8.2005).
Elaborado em 05.2005.
Acesso em: 12 out. 2005).

No mesmo sentido manifesta-se a professora da Universidade Federal de Sergipe e magistrada no Estado da Bahia, MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE, no alentado trabalho “Juizados Especiais Cíveis”, assim abordando a questão:

“Como última motivação à tese de que não deve prevalecer o valor para as causas enumeradas no inciso II do art. 3º da Lei 9.099/95, baseia-se na idéia de que as causas enumeradas no art. 275,II, do CPC, não encontram limitação de valor, daí por que não podem sofrer restrição nos Juizados Especiais. Também aqui esse entendimento não pode prosperar. A questão da limitação ao valor já estava prevista no art. 98, I, da Constituição Federal que determina a criação dos Juizados Especiais e que se encontra regulamentado nos arts. 3º, caput, 15 e 39 da lei supramencionada.
Ademais, conforme é sabido, em princípio, as causas enumeradas no inc. II do art. 275 são, de um modo geral, causas de menor complexidade.
Assim, ao aplicador da lei, cumpre realizar uma interpretação teleológica do novo texto legal, como ainda analisar o texto de forma sistemática, não só com outros dispositivos inseridos na própria lei (arts. 3º c/c 15 e 39 da Lei n. 9.099/95), como ainda diante de todo o sistema jurídico vigente, tendo por parâmetro maior a Constituição Federal.”
(Procedimentos especiais cíveis : legislação extravagante/ Cristiano Chaves Farias, Fredie Didier Jr., coordenadores – São Paulo : Saraiva, 2003, p. 477).

Igual posicionamento adota o ilustre juiz aposentado e professor da Universidade de Santa Maria, Estado do Rio Grande do sul, ALFEU BISAQUE PEREIRA, quando aduz:

Questão não menos polêmica vai se estabelecer quanto ao valor máximo dos pedidos para definir a competência dos juizados especiais cí­veis.
Tratando da competência, o legislador não foi muito feliz em definir o que seja causa cí­vel de menor complexidade.
Ao defini-la, estabeleceu três critérios aparentemente distintos.
No inciso I, para as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mí­nimo estabeleceu a competência apenas em razão do valor da causa;
No inciso II, para as causas enumeradas no art. 275, II do CPC, fixou a competência em razão da matéria;
No inciso III, para as ações de despejo para uso próprio e, portanto, também em razão da matéria, para, ao final, no inciso IV, estabelecer a competência em razão da matéria e do valor para as possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 vezes o valor do salário mí­nimo. Portanto, critério diverso do inc. I que se refere ao valor da causa, o que nem sempre é igual ao valor do bem, especialmente em possessórias onde há divergência quanto ao que se deve considerar como sendo o valor da causa.
A questão que se coloca, como a mais relevante, dentre outras também polêmicas, é a de saber se quando o legislador, ao tratar da competência em razão da matéria, dispensou o limite de alçada dos juizados especiais cí­veis. Ou seja, as hipóteses elencadas no inc. II e III não estão sujeitas ao limite de 40 vezes o valor do salário mí­nimo?
Os autores têm sustentado que apenas a matéria é limitadora da competência. Assim, seria possí­vel aforar pedido de reparação de danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito, por exemplo, em que a soma chegasse a R$ 150.000,00, por hipótese.
Várias razões justificam a impossibilidade dessa interpretação, a meu sentir.
Inicialmente é preciso atentar para a razão da própria existência deste procedimento, a partir dos anteriores juizados especiais de pequenas causas.
Quando imaginados e implantados os primeiros procedimentos, mesmo os extrajudiciais na Comarca de Rio Grande de onde tudo começou, pretendia atender às demandas reprimidas, compreendidas estas como as que, em razão da significação econômica pouco expressiva, não justificavam o procedimento tradicional.
Sob este fundamento se espalharam os juizados com a idéia de que essas contendas fossem trazidas a juí­zo e resultassem em composição. Disso decorreram algumas conseqüências, entre as quais a dispensa de assistência de advogados, informalidade do pedido, limitação dos meios de prova, etc. sendo significativa para a conclusão que se pretende a isenção de custas.
Como se tratavam de demandas sem maior expressão, as custas seriam dispensadas, como continuam sendo, ex vi do art. 54 da L. 9.099/95. Assim, seria um estí­mulo às partes para que viessem a juí­zo compor seus lití­gios.
Essa mesma caracterí­stica foi mantida pela nova lei, como, aliás, acentua a exposição de motivos subscrita pelo Min. NELSON JOBIM.
A par disso, quando o inc. II menciona as causas enumeradas no art. 275, II do CPC, não repete o mandamento daquele dispositivo que acrescenta: nas causas qualquer que seja o valor;
Portanto, o legislador de 1973 estabeleceu o elenco de matérias inseridas no procedimento sumário, como fez o de 1995, mas excluindo qualquer limite de valores, o que não foi feito agora e, entendo, nem poderia, dada a finalidade e princí­pios norteadores dos juizados cí­veis.
Mas não é só por isso que a competência sempre estará limitada ao valor da causa, ou do bem pretendido.
Quando o art. 15, inserto na seção V - que trata da instauração do processo, dos requisitos da petição inicial, etc. estabelece que os pedidos mencionados no art. 3º desta lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapassse o limite fixado naquele dispositivo, não exclui nenhum dos incisos do art. 3º. Logo, no exemplo antes citado, o pedido de reparação de danos materiais e morais, mesmo elencado entre os que compõe o inc. II do art. 275 do CPC, em sede de juizados especiais deve se limitar ao valor de alçada estabelecido na lei especial.
Ainda com o mesmo exemplo, não há como compatibilizar um pedido de reparação no valor de R$ 150.000,00 com a regra do art. 3º  § 3º que estabelece a renúncia do que exceder o limite fixado no art. 3º, não havendo, a exemplo do art. 15, qualquer referência à  exceção.
No mesmo sentido, para confirmar o propósit1o do legislador em limitar a um certo valor todo e qualquer pedido, determina o art. 39 a ineficácia da sentença que exceder a alçada estabelecida nesta lei. Qual é a alçada instituí­da nesta lei? Claro está que é o valor fixado pelo art. 3º, não estabelecendo, também, o art. 39 qualquer exceção.
Poderia ser argumentado que esse limite se refere apenas para os pedidos de créditos, ou pedidos de condenação em dinheiro, e que para os demais, quando o bem da vida não é propriamente um crédito pecuniário, esse limite não existiria.
Entretanto, não há como imaginar que para algumas espécies de pedidos constantes do inc. II haja limite e para outros este seja ilimitado, especialmente porque todos os quatro incisos dizem respeito ao art. 3º que demonstra como se conceitua causa cí­vel de menor complexidade. Mesmo tratando o inc. II de competência em razão da matéria, esta se encontra limitada ao valor de alçada do juizado, conforme se verifica não só do art. 3º, mas também do art. 15, do art. 39, do § 3º do mesmo art. 3º e de todo o sistema.
Esse mesmo sistema também limitou expressamente as execuções de tí­tulos extrajudiciais no art. 53 ao valor de alçada, não o fazendo quanto aos tí­tulos judiciais, porque a própria lei já determina a ineficácia do que exceder ao valor e autoriza a execução de valor superior ao de alçada, quando decorrente de conciliação - art. 3º § 3º última parte ou quando homologado acordo extrajudicial de qualquer natureza ou valor - art. 57.
Portanto, quando o sistema autoriza valor superior a alçada, expressamente consigna, tendo o art. 57 sido expresso em mencionar qualquer natureza ou valor. Logo, aqui é exceção à  regra do art. 3º que é a regra geral.
Há mais uma evidência desse limite, seja de natureza patrimonial ou não o pedido.
Imaginemos um pedido de condenação em obrigação de fazer, por exemplo, que consista em restabelecer servidão de caminho entre duas propriedades rurais, sendo o prédio dominante utilizado para o plantio de 1.000 quadras de arroz.
Essa espécie de pedido está elencada no inc. II e, para os que sustentam não estar limitado ao valor, porque apenas competência em razão da matéria, seria possí­vel, independente do valor da causa, receber para processo e julgamento nos juizados especiais.
Instruí­do o feito e julgado procedente o pedido, em sede de execução há inadimplemento, o que determina a transformação da condenação em perdas e danos que devidamente comprovadas alcançam o valor de uma safra anual de 1.000 quadras de arroz. Aproximadamente 200.000 sacas de arroz a um preço de hoje de R$ 7,00 a saca, o que alcançaria R$ 1.400.000,00 depois do que se seguiria a execução por quantia certa, na forma do art. 52, V da lei em estudo.
Sabe-se que nenhuma condenação pode ultrapassar o valor de alçada porque o excedente é ineficaz. A própria lei estabelece quando esse limite pode ser ultrapassado, fixando que apenas quando se tratar de transação - art. 3º § 3º última parte, ou quando for homologado judicialmente acordo extrajudicial de qualquer valor ou natureza - art. 57.
Sendo assim, não é possí­vel imaginar que o devedor se submeta a uma execução, como a do exemplo, em sede de ajuizado quando o procedimento não autoriza valores superiores ao estabelecido na lei.
Some-se a todas essas evidências, as circunstâncias de que o Estado estaria impedido de receber custas por ações com esses valores e os profissionais advogados impedidos de receberem honorários advocatí­cios, que na hipótese elencada somariam R$ 140.000,00 se fixados no mí­nimo legal.
Seguramente não foi para isso que os juizados especiais foram criados, implantados e desejados por toda a sociedade.
Assim, entendo como melhor interpretação quanto às s matérias em exame, o entendimento de que o procedimento continua sendo uma faculdade de escolha por parte do autor para os pedidos autorizados pela L. 9.099/95, desde que limitados ao valor da causa em 40 vezes do valor do salário mí­nimo para todas as hipóteses, salvo se decorrentes de transação ou homologação de acordo extrajudicial de qualquer valor ou natureza, quando estará autorizado, para a execução, valores superiores ao que determina a lei como sendo o limite de alçada dos juizados cí­veis.
(PEREIRA, Alfeu Bisaque. Juizados Especiais Cíveis: uma escolha do autor em demandas limitadas pelo valor do pedido ou da causa. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponí­vel em: www.ufsm.br/direito/artigos/processo-civil/jec.htm.
Acesso em: 14.OUT.2005).


Por último, o não menos brilhante e conceituado comentarista da lei dos juizados especiais JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR ministra, com a propriedade de haver produzido a obra de maior aceitação da comunidade jurídica sobre a matéria:
  
“Polemizou-se na doutrina e nos tribunais a questão da limitação do valor da causa para as matérias elencadas no art. 3º, inc. II, da Lei 9.099/95 que correspondem, em outros termos, ao rol das demandas insculpidas no art. 275, II, do CPC, isto é, as causas que se inserem no novo procedimento sumário.
Quando escrevemos a primeira edição destes Comentários (publicação de novembro/95) não tivemos qualquer dúvida em afirmar categoricamente que as demandas referidas ficavam limitadas a quarenta salários mínimos, ressalvada a hipótese de renúncia ao crédito excedente.”
(Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, 3ª. ed. rev.atual. e ampl.- São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 99).

Esclarece, ainda, o renomado jurista que quatro pontos centrais são tomados como referência pelos defensores da tese contrária, quais sejam: 1) a competência é absoluta em razão da matéria; 2) onde o legislador quis limitar o valor da causa assim o fez (art. 3º, IV e § 1º, II); 3) a limitação contida no § 3º do art. 3º, diz respeito tão somente ao inc.I do mesmo dispositivo) e 4) as causas enumeradas no art. 275,II, do CPC, não encontram limitação de valor.

Após discorrer e rechaçar os argumentos sobre cada uma delas, especialmente sobre a última, isto é, a limitação do valor da causa, assentou:

“Se é exato que o legislador negligenciou a redação do art. 3º, por outro lado, também não é menos verdadeiro que a sua intenção era apenas aludir às demandas enumeradas nas alíneas contidas no inc. II, do art. 275, que representam, ao menos em princípio, causas de menor complexidade. A limitação de valor já estava implicitamente inserida na Constituição Federal, art. 98, inc. I e § 3º, do art. 3º e nos arts. 15 e 39.
Reforçando o nosso entendimento, encontramos também a matéria sumulada pelo Colégio Recursal gaúcho, sediado em Porto Alegre, cujo teor da orientação é o seguinte:
 “Competência do JEC – mesmo as causas cíveis enumeradas no art. 275, quando de valor superior a quarenta salários mínimos, não podem ser propostas perante o Juizado Especial.” (Súmula 11), ressalvada, obviamente, a renúncia ao crédito excedente.
No mesmo diapasão, a orientação fixada pelo Colégio Recursal de São Bernardo do Campo, ao assinalar que “se não houve conciliação entre as partes para a superação do limite de quarenta vezes o salário mínimo, única exceção a permitir inobservância de quantum nas causas de competência dos Juizados Especiais Cíveis, não é plausível supor que a mera menção às ações do art. 275, II, do CPC, destacada pelo legislador neste âmbito, tivesse, a exemplo da legislação processual civil, o condão de autorizar fosse contornado o teto máximo explicitado na lei especial”.
Como dissemos alhures, o legislador utilizou-se dos critérios quantitativo e qualitativo de forma híbrida e não alternadamente. Mesclou-se valor não muito elevado com matéria fatual de menor complexidade. Assim como o sistema processual comum do CPC admite a opção de ritos (arts. 292, incs. II e III e § 2º), o mesmo se verifica na Lei dos Juizados Especiais. (Ob.cit.p.104).

Mais adiante, arremata:

     “A vontade da lei e do legislador nunca convergiram no sentido de admitir a tese contrária à que defendemos. Inversamente, sua preocupação sempre esteve voltada à manutenção do equilíbrio entre os critérios quantitativo e qualitativo, a ponto de formar de maneira híbrida o conceito de menor complexidade. Essa, portanto, é a interpretação teleológica que se retira do texto em exame e, sistematicamente, do inc. I, do art. 98 da Lei Maior.”
(Idem, p. 105).

E aponta, em defesa de sua tese, dentre tantos outros, os seguintes doutrinadores: Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, vol. III, p. 470/471, nos. 1.579 e 1.580; Cândido Rangel Dinamarco, Tribuna da Magistratura, Caderno de Doutrina, p. 5/6. n. 3, de maio/96: “Os Juizados Especiais e os fantasmas que os assombram”; Sérgio Bermudes, A reforma do CPC, 2ª. ed. p. 33/34; Paulo Lúcio Nogueira, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, p. 11; Donaldo Armelin, Conferência proferida na USP, em março/96; João B. Lopes, Repertório IOB de Jurisprudência, n. 24, 2ª. Quinz./dez-96, p. 387, “Juizados Especiais, etc.

Também perfilho do mesmo entendimento dessa expressiva plêiade de renomados juristas.

Com efeito, o juizado especial não foi criado para substituir a justiça comum nem concorrer com ela.

Antes de mais nada, veio a lume como instrumento de cidadania no bojo da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã. Por isso, a princípio, apenas pessoas físicas, maiores e capazes, podiam dela utilizar-se.

Lamentavelmente, já se abriu a possibilidade para entes despersonalizados e, pior, permitiu-se a inclusão das micro-empresas como autoras, o que, segundo alguns juristas, transforma o juizado em verdadeiro balcão de cobranças mercantis.

Portanto, torna-se necessário e até mesmo imprescindível que se mantenha o limite de sua alçada em quarenta salários mínimos, valor que já é maior do que os juizados congêneres em muitos países, como Estados Unidos, de onde veio a idéia.

É preciso lembrar que a experiência exitosa dos juizados especiais cíveis inspirou os juizados cíveis federais.

Neles o legislador, através da Lei 10.259, de 12.07.2001 foi mais cuidadoso, estabelecendo de forma clara e induvidosa a sua competência e o limite de alçada, dispondo:

Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
Assim, fica demonstrado sem sombra de dúvida que os juizados especiais destinam-se a apreciar determinadas causas dentro de certos limites que, a meu ver, não podem ser ultrapassados por interpretações equivocadas, ainda que decorrentes de redação inadequada do legislador.

Não se pode permitir que seja desvirtuada a finalidade precípua da criação dos juizados especiais: cuidar de causas de menor complexidade e de valor limitado.

A continuar assim, incorporando mudanças, caminhará celeremente no sentido de sua completa desfiguração.

Se a isso somarmos a dificuldade de sua ampliação, considerando-se a escassez de recursos humanos e materiais disponíveis, muito em breve os juizados poderão se tornar tão ineficazes e morosos como a justiça comum.

Isso seria mais uma grande frustração para o povo brasileiro já tão desencantado com suas instituições.

Em face do exposto e desnecessárias outras tantas considerações, nego provimento ao recurso.

Sem ônus sucumbenciais, vez que não houve contra-razões.
É como voto.

EM TEMPO:

Nesse mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de JUstiça, através de sua Quarta Turma, no julgamento do RMS 33155-MA, sob relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, cuja publicação se deu no DJe de 29/08/2011, restando assim ementado:

Ementa
PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. ALÇADA. LEI 9.099/1995. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STJ admite a impetração de mandado de segurança para que o Tribunal de Justiça exerça o controle da competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, vedada a análise do mérito do processo subjacente.
2. Dispõe o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei 9.099/95, que compete ao Juizado Especial promover a "execução dos seus julgados", não fazendo o referido dispositivo legal restrição ao valor máximo do título, o que não seria mesmo necessário, uma vez que o art. 39 da mesma lei estabelece ser "ineficaz a sentença condenatória na parte em que exceder a alçada estabelecida nesta lei".
3. O valor da alçada é de quarenta salários mínimos calculados na data da propositura da ação. Se, quando da execução, o título ostentar valor superior, em decorrência de encargos posteriores ao ajuizamento (correção monetária, juros e ônus da sucumbência), tal circunstância não alterará a competência para a execução e nem implicará a renúncia aos acessórios e consectários da obrigação reconhecida pelo título.
4. Tratando-se de obrigação de fazer, cujo cumprimento é imposto sob pena de multa diária, a incidir após a intimação pessoal do devedor para o seu adimplemento, o excesso em relação à alçada somente é verificável na fase de execução, donde a impossibilidade de controle da competência do Juizado na fase de conhecimento, afastando-se, portanto, a alegada preclusão. Controle passível de ser exercido, portanto, por meio de mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça, na fase de execução.
5. A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 9.099/95 conduz à limitação da competência do Juizado Especial para cominar - e executar - multas coercitivas (art. 52, inciso V) em valores consentâneos com a alçada respectiva. Se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do Juizado Especial, como de "baixa complexidade" a demora em seu cumprimento não deve resultar em execução, a título de multa isoladamente considerada, de valor superior ao da alçada.
6. O valor da multa cominatória não faz coisa julgada material, podendo ser revisto, a qualquer momento, caso se revele insuficiente ou excessivo (CPC, art. 461, § 6º). Redução do valor executado a título de multa ao limite de quarenta salários mínimos.
7. Recurso provido.

16 julho 2012

CPF EM DUPLICIDADE GERA DANO MORAL À RECEITA FEDERAL


O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, através de sua Sexta Turma, manteve sentença do Juiz Federal da 10ª. Vara da Bahia, que condenou a Receita Federal do Brasil ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, em favor de contribuinte que teve o número do CPF emitido em duplicidade para um homônimo.

Na apelação, a União argumentou que não poderia ser responsabilizada pelo incidente por não haver nexo de causalidade entre os fatos alegados e o dano moral pleiteado pelo contribuinte.

Entretanto, o relator, juiz federal convocado Vallisney de Souza Oliveira, asseverou que a conduta do Estado se caracterizou como omissa e negligente "ao conceder o mesmo número de Cadastro da Pessoa Física (CPF) para duas pessoas distintas, que apesar de terem o mesmo nome, residem em cidades diferentes e possuem certamente outros dados os quais poderiam ter sido verificados de forma a identificar corretamente e diferenciar os homônimos".

Ainda de acordo com o entendimento do magistrado, a reparação de danos morais ou extrapatrimoniais deve ser estipulada de modo a coibir a repetição desse tipo de prática, que ocasiona situação vexatória ao indivíduo. Desse modo, considerando o princípio da razoabilidade e com base em decisões anteriores do Tribunal, o relator manteve também o valor da indenização fixado pelo juiz sentenciante.

Veja abaixo a ementa do acórdão:

EMENTA
CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 37, § 6º). EMISSÃO DE CADASTRO DE PESSOA FISICA - CPF EM DUPLICIDADE PELA RECEITA FEDERAL PARA HOMÔNIMOS. PREJUÍZOS. NEXO DE CAUSALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

1. Havendo duplicidade no numero do Cadastrado na Receita Federal - CPF, e restrição indevida de pagamento de benefício previdenciário, o que gerou constrangimentos e prejuízos ao autor perante o INSS, se configura o dano moral passível de reparação.
2. Diante dos prejuízos sofridos, à luz dos precedentes, reputa-se bem aplicado o montante arbitrado na sentença.
3. Apelação da União e remessa oficial a que se nega provimento.
4. Apelação adesiva do autor a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Sexta Turma, à unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial e ao recurso adesivo do autor, nos termos do voto do Relator.
Sexta Turma do TRF da 1ª Região - 21/05/2012.
VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA Juiz Federal – Convocado


Informações Magister e Pesquisador Jurídico

06 julho 2012

DANO MORAL PRESUMIDO NA VISÃO DO STJ


Diz a doutrina – e confirma a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que a responsabilização civil exige a existência do dano. O dever de indenizar existe na medida da extensão do dano, que deve ser certo (possível, real, aferível). Mas até que ponto a jurisprudência afasta esse requisito de certeza e admite a possibilidade de reparação do dano meramente presumido? 


O dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Pela dimensão do fato, é impossível deixar de imaginar em determinados casos que o prejuízo aconteceu – por exemplo, quando se perde um filho. 

No entanto, a jurisprudência não tem mais considerado este um caráter absoluto. Em 2008, ao decidir sobre a responsabilidade do estado por suposto dano moral a uma pessoa denunciada por um crime e posteriormente inocentada, a Primeira Turma entendeu que, para que “se viabilize pedido de reparação, é necessário que o dano moral seja comprovado mediante demonstração cabal de que a instauração do procedimento se deu de forma injusta, despropositada, e de má-fé” (REsp 969.097). 

Em outro caso, julgado em 2003, a Terceira Turma entendeu que, para que se viabilize pedido de reparação fundado na abertura de inquérito policial, é necessário que o dano moral seja comprovado. 

A prova, de acordo com o relator, ministro Castro Filho, surgiria da “demonstração cabal de que a instauração do procedimento, posteriormente arquivado, se deu de forma injusta e despropositada, refletindo na vida pessoal do autor, acarretando-lhe, além dos aborrecimentos naturais, dano concreto, seja em face de suas relações profissionais e sociais, seja em face de suas relações familiares” (REsp 494.867). 

Cadastro de inadimplentes 

No caso do dano in re ipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Uma das hipóteses é o dano provocado pela inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes. 

Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro de Inadimplência (Cadin) e Serasa, por exemplo, são bancos de dados que armazenam informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protesto de título, ações judiciais e cheques sem fundos. Os cadastros dificultam a concessão do crédito, já que, por não terem realizado o pagamento de dívidas, as pessoas recebem tratamento mais cuidadoso das instituições financeiras. 

Uma pessoa que tem seu nome sujo, ou seja, inserido nesses cadastros, terá restrições financeiras. Os nomes podem ficar inscritos nos cadastros por um período máximo de cinco anos, desde que a pessoa não deixe de pagar outras dívidas no período.

No STJ, é consolidado o entendimento de que “a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos” (Ag 1.379.761). 

Esse foi também o entendimento da Terceira Turma, em 2008, ao julgar um recurso especial envolvendo a Companhia Ultragaz S/A e uma microempresa (REsp 1.059.663). No julgamento, ficou decidido que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa jurídica. 

Responsabilidade bancária

Quando a inclusão indevida é feita em consequência de serviço deficiente prestado por uma instituição bancária, a responsabilidade pelos danos morais é do próprio banco, que causa desconforto e abalo psíquico ao cliente. 

O entendimento foi da Terceira Turma, ao julgar recurso especial envolvendo um correntista do Unibanco. Ele quitou todos os débitos pendentes antes de encerrar sua conta e, mesmo assim, teve seu nome incluído nos cadastros de proteção ao crédito, causando uma série de constrangimentos (REsp 786.239). 

A responsabilidade também é atribuída ao banco quando talões de cheques são extraviados e, posteriormente, utilizados por terceiros e devolvidos, culminando na inclusão do nome do correntista em cadastro de inadimplentes (Ag 1.295.732 e REsp 1.087.487). O fato também caracteriza defeito na prestação do serviço, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 

O dano, no entanto, não gera dever de indenizar quando a vítima do erro que já possuir registros anteriores, e legítimos, em cadastro de inadimplentes. Neste caso, diz a Súmula 385 do STJ que a pessoa não pode se sentir ofendida pela nova inscrição, ainda que equivocada. 

Atraso de voo

Outro tipo de dano moral presumido é aquele que decorre de atrasos de voos, inclusive nos casos em que o passageiro não pode viajar no horário programado por causa de overbooking. A responsabilidade é do causador, pelo desconforto, aflição e transtornos causados ao passageiro que arcou com o pagamentos daquele serviço, prestado de forma defeituosa. 

Em 2009, ao analisar um caso de atraso de voo internacional, a Quarta Turma reafirmou o entendimento de que “o dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa” (REsp 299.532). 

O transportador responde pelo atraso de voo internacional, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela Convenção de Varsóvia, que unifica as regras sobre o transporte aéreo internacional e enuncia: “Responde o transportador pelo dano proveniente do atraso, no transporte aéreo de viajantes, bagagens ou mercadorias.” 

Dessa forma, “o dano existe e deve ser reparado. O descumprimento dos horários, por horas a fio, significa serviço prestado de modo imperfeito que enseja reparação”, finalizou o relator, o então desembargador convocado Honildo Amaral. 

A tese de que a responsabilidade pelo dano presumido é da empresa de aviação foi utilizada, em 2011, pela Terceira Turma, no julgamento de um agravo de instrumento que envolvia a empresa TAM. Nesse caso, houve overbooking e atraso no embarque do passageiro em voo internacional. 

O ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, enfatizou que “o dano moral decorre da demora ou dos transtornos suportados pelo passageiro e da negligência da empresa, pelo que não viola a lei o julgado que defere a indenização para a cobertura de tais danos” (Ag 1.410.645). 

Diploma sem reconhecimento 

Alunos que concluíram o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pelotas, e não puderam exercer a profissão por falta de diploma reconhecido pelo Ministério da Educação, tiveram o dano moral presumido reconhecido pelo STJ (REsp 631.204). 

Na ocasião, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que, por não ter a instituição de ensino alertado os alunos sobre o risco de não receberem o registro de diploma na conclusão do curso, justificava-se a presunção do dano, levando em conta os danos psicológicos causados. Para a Terceira Turma, a demora na concessão do diploma expõe ao ridículo o “pseudoprofissional”, que conclui o curso mas se vê impedido de exercer qualquer atividade a ele correlata. 

O STJ negou, entretanto, a concessão do pedido de indenização por danos materiais. O fato de não estarem todos os autores empregados não poderia ser tido como consequência da demora na entrega do diploma. A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou, em seu voto, que, ao contrário do dano moral, o dano material não pode ser presumido. Como não havia relatos de que eles teriam sofrido perdas reais com o atraso do diploma, a comprovação dos prejuízos materiais não foi feita. 

Equívoco administrativo 

Em 2003, a Primeira Turma julgou um recurso especial envolvendo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul (DAER/RS) e entendeu que danos morais provocados por equívocos em atos administrativos podem ser presumidos. 

Na ocasião, por erro de registro do órgão, um homem teve de pagar uma multa indevida. A multa de trânsito indevidamente cobrada foi considerada pela Terceira Turma, no caso, como indenizável por danos morais e o órgão foi condenado ao pagamento de dez vezes esse valor. A decisão significava um precedente para “que os atos administrativos sejam realizados com perfeição, compreendendo a efetiva execução do que é almejado” (REsp 608.918). 

Para o relator, ministro José Delgado, “o cidadão não pode ser compelido a suportar as consequências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia, atender ao público”. 

De acordo com a decisão, o dano moral presumido foi comprovado pela cobrança de algo que já havia sido superado, colocando o licenciamento do automóvel sob condição do novo pagamento da multa. “É dever da administração pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não deixar prejudicados os interesses da sociedade”, concluiu. 

Credibilidade desviada 

A inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia orientador de plano de saúde gerou, no STJ, o dever de indenizar por ser dano presumido. Foi esse o posicionamento da Quarta Turma ao negar recurso especial interposto pela Assistência Médica Internacional (Amil) e Gestão em Saúde, em 2011. 

O livro serve de guia para os usuários do plano de saúde e trouxe o nome dos médicos sem que eles fossem ao menos procurados pelo representante das seguradoras para negociações a respeito de credenciamento junto àquelas empresas. Os profissionais só ficaram sabendo que os nomes estavam no documento quando passaram a receber ligações de pacientes interessados no serviço pelo convênio. 

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, “a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos caracteriza o dano, sendo dispensável a demonstração do prejuízo material ou moral” (REsp 1.020.936). 

No julgamento, o ministro Salomão advertiu que a seguradora não deve desviar credibilidade dos profissionais para o plano de saúde, incluindo indevidamente seus nomes no guia destinado aos pacientes. Esse ato, “constitui dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização, salientando-se, aliás, inexistir necessidade de comprovação de qualquer prejuízo”, acrescentou. 


Informações do STJ