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01 julho 2011

PLANO DE SAÚDE NÃO PODE EXIGIR NOVA CARÊNCIA POR EVENTUAL ATRASO DE MENSALIDADE





O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado é sobre plano de saúde, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 4.916/04

ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE.ATRASO NO PAGAMENTO DE MENSALIDADE. ACORDO. EXIGÊNCIA DE CARÊNCIA. ATENDIMENTO DE URGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
1.- TORNA-SE PRÁTICA ABUSIVA A EXIGÊNCIA DE CARÊNCIA PARA ANTIGA USUÁRIA DE PLANO DE SAÚDE QUE, APÓS ACORDO QUE CONTEMPLA O PAGAMENTO DE TODOS OS ENCARGOS LEGAIS DECORRENTES DO CONTRATO, SANA A INADIMPLÊNCIA, MORMENTE EM CASO DE ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA.
2.- NÃO COMPARECE IMPEDITIVA PARA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR A NATUREZA JURÍDICA DA EMPRESA, ÓRGÃO OU INSTITUIÇÃO QUE OPERA EM RAMO DE SAÚDE SUPLEMENTAR.
3.-DESCABIDO O PEDIDO CONTRAPOSTO, VEZ QUE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS DESPESAS MÉDICAS É DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE.
4.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, conhecer do recurso inominado, mas negar provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de  novembro de 2004.

R E L A T Ó R I O

A autora ajuizou ação de natureza obrigacional em face da requerida objetivando garantir direitos decorrentes de plano de saúde de que é associada há mais de dezenove anos alegando que, em virtude de atraso no pagamento de mensalidades, foi exigida nova carência. Pleiteou tutela antecipada que foi deferida pela r.decisão de fls. 26 e verso.
A r. sentença de fls. 153/157 julgou procedente o pedido autoral e, em conseqüência, improcedente o pedido contraposto, condenando a requerida no ressarcimento das despesas já ocorridas, consolidando a tutela antecipada oportunamente concedida.
Irresignada, a Fundação interpôs recurso inominado a fls. 185/196, alegando inexistência de relação de consumo na espécie face à natureza jurídica de sua instituição, a legalidade da suspensão do atendimento da recorrida, pleiteando a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos da recorrida, revertendo os ônus sucumbenciais.
Em contra-razões de fls. 210/211, a recorrida rebate os argumentos da recorrente, insistindo na manutenção do julgado com a condenação da recorrente no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.
É o relatório.

                                               V O T O

Considerando presentes os pressupostos de admissibilidade, sobremodo diante da certidão de fls. 207, conheço do recurso.

A saúde é direito assegurado constitucionalmente a todos, nos precisos termos do art. 196 da Constituição Federal, “verbis”: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Devido as reconhecidas deficiências e carências do Estado, as pessoas buscam proteger-se através de planos de saúde de caráter complementar ou suplementar.

E essas operadoras ou planos de saúde funcionam sob autorização e fiscalização de agências do Estado, submetendo-se ainda às normas do Código de Defesa do Consumidor.

Não procede, assim, a alegação da recorrente de que por ser uma fundação sem fins lucrativos esteja ela ao largo da lei consumerista. A natureza jurídica do prestador de serviço não comparece como óbice à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mormente em se tratando, como no caso dos autos, de contratos de adesão.

De outro lado, não se pode admitir que um associado ou usuário de plano de saúde seja submetido a novo prazo de carência por haver atrasado o pagamento de algumas prestações, quando o próprio contrato prevê a possibilidade de purgação da mora, como é de lei e da tradição do direito brasileiro.

Em situação semelhante à dos autos, o Colegiado Recursal Brasiliense assim pronunciou-se sobre o tema:

Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20000710112208ACJ DF
PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA.
COMO É POSSÍVEL O APROVEITAMENTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DE ASSOCIADO DE PLANO DE SAÚDE DE UMA EMPRESA DE SEGURO PARA OUTRA, NÃO HÁ MOTIVO PARA SE EXIGIR UM NOVO PRAZO DE CARÊNCIA.

Na mesma linha, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como demonstram, por mera exemplificação os julgados abaixo:

Plano de Saúde. Assistência Médica. Resilição unilateral do contrato, pela seguradora, sob o fundamento de mora de mora de 60 dias, intercalados, em 12 meses, com base na cláusula 19.8 do contrato de fl. 7. Emissão e quitação de boletos posteriores à alegada mora. Aplicação do artigo 322 do Código Civil de 2001: "Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores. Portaria 4 da Secretaria de Direito Econômico que, em aditamento ao rol do artigo 51 da Lei nº8.078/90 e do art. 22 do Decreto nº 2.181/97, tipificou como abusivas e nulas de Pleno direito as cláusulas que: I - estabeleçam prazos de carência na prestação ou fornecimento de serviços, em, caso de impontualidade das prestações ou mensalidades; 2 - imponham em caso de impontualidade, interrupção de serviço essencial, sem aviso prévio; não restabeleçam integralmente os direitas do consumidor a partir da purgação da mora. Abusividade da cláusula. Desprovimento do Recurso. Manutenção da Sentença de fl. 28/29 que condenou a Recorrente a pagar R$ 2.000,00 a título de danos morais, confirmando a tutela antecipada de fl. 12 que restabeleceu o contrato. Manutenção de sentença. Desprovimento do Recurso. Condenação de honorários em 20% sobre o valor da condenação.  (Número do Processo: 2002.700.022902-4).

Plano de saúde. Prestação de serviço. Incidência do CDC. Negativa da recorrente em permitir internação, sob argumento da existência de prazo carencial, em razão de não ter sido aproveitada a anteriormente existente, pelo inadimplemento pelo prazo de dois meses. Quadro clínico emergência[ da segurada que se comprova por documentos. Prazo de carência que se limita a vinte e quatro horas, a teor do art. 12, V, C da Lei 9656/98. Abusividade da conduta da reclamada, evidenciada pela recusa, que impõe à autora transferência para outra instituição hospitalar em situação de risco. Inteligência dos art. 47 e 51, IV XV e § 1º do CDC. Observância dos princípios da boa-fé e da confiança no ato de contratar. Apólice vigente, sem que fosse comprovada pela ré a notificação a que faz referência o inciso do art. 13. Ônus da prova que incumbiria à empresa de sáude. Aplicação do art. 60, VIII do CDC. Recurso provido. Sentença que se reforma. (Processo no.: 2001.700.000584-3 –J).

O Código de Defesa do Consumidor proíbe que o fornecedor possa auferir vantagem manifestamente exagerada ou impingir seus produtos e serviços prevalecendo-se da situação de fraqueza e ignorância, tendo em vista a idade, saúde, conhecimento ou condição social do consumidor, consoante o disposto nos incisos IV e V do art.39 da lei consumerista.

Houve acordo firmado entre as partes e não há denunciação de quebra do acordo, tendo a recorrida efetuado o pagamento das prestações atrasadas.

Não se pode ainda ignorar que a recorrida necessitou de atendimento de urgência, caso em que não há que se falar em carência, pois tal situação não se compadece com qualquer tipo de carência.

A recorrida, viúva e pensionista, com 71 anos de idade, desde longa data usuária do plano de saúde da recorrente não poderia ser penalizada com a negativa de autorização para atendimento de emergência sob a alegação de carência, em razão do atraso de prestações.

As prestações atrasadas são pagas com todos os encargos legais previstos no contrato, não se podendo falar por isso em desequilíbrio econômico da recorrente.

Entendo descabido o pedido contraposto, vez que o valor da conta hospitalar é justamente o objeto da demanda e deve ser satisfeito pelo recorrente. 

Tenho, assim, que a r. sentença impugnada analisou bem a “quaestio” e deu o desate correto e adequado, confirmando a tutela antecipada oportunamente deferida, razão porque a mantenho em sua integralidade.

Por essas razões, nego provimento ao recurso e, em conseqüência, condeno a recorrente no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, nos termos do art. 55 da LJE.

É como voto.