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18 junho 2010

FIM DE EXPEDIENTE

Pregando no deserto.


Extraído de Tiras Nacionais

EX-COMPANHEIRO DEVE COMPROVAR ESFORÇO COMUM PARA FAZER JUS À PARTILHA DE BENS

Na dissolução da união estável, o companheiro só tem direito à sua parte nos bens caso comprove de forma segura que foram adquiridos durante o período de convivência do casal. Com esse entendimento, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso indeferiu uma apelação interposta por um homem com o intuito de incluir na ação de partilha de bens com a ex-esposa um imóvel residencial adquirido no ano de 2005. Alegou o apelante que a aquisição da casa teria sido resultado de esforço comum ao longo do período conjugal, compreendido entre 1995 e 2002.

O relator do processo, desembargador Sebastião de Moraes Filho, ao analisar o caso, não encontrou qualquer elemento que comprovasse a participação efetiva do apelante no processo de aquisição do imóvel. “Para ter direito a partilha dos bens na dissolução de sociedade, mister que se faça a prova inconteste que foram adquiridos na constância dessa união de fato. Além disso, os bens adquiridos na constância da sociedade de fato devem advir do esforço mútuo dos conviventes”, explicou o magistrado, cujo voto foi acompanhado pelo desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha (revisor) e pelo juiz convocado Paulo Carreira de Souza.

Conforme entendimento pacificado em outras decisões judiciais, a separação de fato interrompe a vida em comum, gerando, em conseqüência, a incomunicabilidade dos bens adquiridos após a interrupção da vida em comum. O desembargador ressaltou que a escritura pública de compra e venda juntada aos autos revela que a casa foi adquirida pela ex-companheira do apelante em dezembro de 2005, ou seja, mais de três anos após a separação do casal. Assim, de acordo com o desembargador, tal fato por si só, elimina qualquer tentativa do recorrente no sentido de querer caracterizar que o imóvel foi adquirido na constância da união estável.

“Por todos os aspectos que se analise a questão, fica evidente que as alegações do apelante são infundadas, indo em sentido contrário com as provas carreadas aos autos, motivo pelo qual não há falar-se em dividir o imóvel - casa, domicílio onde encontra-se residindo a apelada, que após a separação do casal arcou sozinha com todas as despesas provenientes deste imóvel”, finalizou o relator.

Fonte: TJMT, via Newsletter Magister.

VELHOS E NOVOS MÉTODOS OU ARMADILHAS USADOS PARA ROUBOS E SEQUESTROS




Archimedes Marques
Delegado de Policia. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe


Assim como a Policia procura se modernizar com novos métodos de combate à criminalidade que sempre está em vertiginosa ascensão, os criminosos também se especializam e estudam sempre as novas maneiras e por vezes até repetem os métodos antigos para levar as vítimas às armadilhas por eles arquitetadas, por isso é necessário estarmos sempre bem informados.


Os golpes de fraudes e estelionatos são exemplos vivos em todo canto do país de que o nosso povo não usa as cautelas necessárias e termina por sofrer sérios prejuízos financeiros, entretanto este texto tem por objetivo somente elencar algumas velhas e novas ciladas ou métodos usados para assaltos ou sequestros, no sentido de alertar o leitor a melhor se precaver.

A simulação de acidentes em rodovias pouco movimentadas é uma delas. Por vezes os marginais atravessam um carro na pista ou chegam até a tombar um veículo roubado deixando-o com as rodas de lado ou para cima, com as portas abertas e com um ou dois comparsas deitados no asfalto ali próximo. Tal armadilha geralmente ocorre no período noturno e em lugares mais desertos, e vez por outra os marginais conseguem que alguém pare no local no sentido humanitário de socorrer as supostas vítimas ou mesmo aqueles desonestos que querem levar alguma vantagem com o infortúnio alheio, vez que muitos também se aproveitam de acidentes para saquear bagagem ou furtar dinheiro e objetos das vítimas. Tais pessoas quando param seus veículos caem nas armadilhas e são assaltados ou seqüestrados. As vítimas por vezes são até mortas, como de fato ocorrem com muitos caminhoneiros, ou quando não, apenas perdem as suas cargas ou caminhões.

O melhor para evitar tal perigoso imprevisto é não viajar em hipótese alguma pela noite, mas se inevitável for, é necessário ter uma percepção rápida com certa cautela para sentir se o fato é real ou não, e o melhor a fazer é de imediato ligar para o posto da Polícia Rodoviária mais próximo se possível for.

Consta agora como novidade uma armadilha já ocorrida por diversas vezes nos grandes centros do país, em que o cidadão ao dirigir o seu veículo no período noturno, receoso e até ultrapassando os sinais de trânsito vermelho justamente para não ser abordado pelos marginais, então recebe sem esperar, ovos que são jogados no pára-brisa do carro, e como impulso natural, esguicha água ligando o limpador para se ver livre da sujeira. Ocorre, porém, que com a química imediata da mistura da água com a gema e a clara dos ovos é logo formada uma espécie de látex amarelado turvo tirando quase que a total visão do motorista por vários segundos apesar do esforço do limpador para tirar o produto, fazendo assim com que o mesmo, por falta de opção, pare o veiculo para evitar um acidente, oportunidade em que o marginal se aproxima rapidamente e armado lhe dá a voz de assalto.

É aconselhável, portanto, que o motorista ao vivenciar tal situação permaneça calmo e não esguiche água ou ligue o limpador do pára-brisa do veículo, deixando para tomar tal atitude quando estiver em local seguro.

Uma armadilha mais simples e muito repetitiva é usada em apartamentos que não dispõem de bons métodos de segurança privada, em que o marginal entra no condomínio furtivamente, joga água por debaixo da porta e fica escondido aguardando o morador abri-la curioso pensando se tratar de algum vazamento no prédio, para então anunciar o assalto e concretizar o seu intento sem chamar atenção dos vizinhos.

Nesse caso, é melhor ser sempre mais precavido e desconfiar de tudo, telefonando para o seu vizinho para saber ou não do possível vazamento de água.

Outro método de assalto ou seqüestro relâmpago que já fez diversas vítimas em algumas cidades do país trata-se de abordagem dos marginais dentro dos cinemas em Shoppings Center. As vítimas mais procuradas são os casais que se acomodam distantes de outras pessoas principalmente nos dias de menos movimento. Os dois marginais chegam ao mesmo tempo por lados opostos cercando as vítimas normalmente sem chamar atenção. De logo são mostradas as armas e ordenadas às vitimas silencio absoluto. Um deles já faz a catação inicial dos celulares, carteiras e chaves do veículo, para em seguida, sair um marginal com uma das vítimas para retirar dinheiro em cash bancário através dos respectivos cartões de crédito arrecadados. Geralmente a vítima que está com o bandido passeando dentro do Shopping Center não esboça qualquer tipo de reação com receio também que aconteça algo de mal com a pessoa que ficou dentro do cinema com o outro marginal. Depois de realizar o crime, os dois se dirigem até o automóvel da vítima no estacionamento e de lá o marginal liga para o seu parceiro que está dentro do cinema que por sua vez ordena que a vítima não esboce qualquer tipo de reação quando da sua saída do cinema sob pena da outra pessoa que está lá fora sofrer as conseqüências.

Dentro desse mesmo tipo de abordagem criminosa, por vezes os bandidos são mais audaciosos e ligam dos próprios celulares das vítimas para os seus familiares anunciando o seqüestro e exigindo que pequenas quantias em dinheiro sejam de logo transferidas de contas bancarias para outras abertas com documentos falsificados e que são usadas somente nessa única ocasião. Nesses casos, como as ações são mais demoradas, geralmente os seqüestradores e vítimas saem dos Shoppings para outros lugares e só liberam os mesmos após o dinheiro entrar e ser retirado da conta preparada para tal finalidade.

Para evitar esse tipo de crime, aconselha-se que as pessoas procurem dentro dos cinemas sempre se sentarem juntos as outras para dificultar as ações dos marginais, ao passo que, já está mais do que na hora, do Banco Central do Brasil arranjar meios plausíveis de evitar que marginais abram contas com documentos falsificados ou documentos de terceiros que são usadas somente para crimes. Seria interessante, pelo menos, a obrigatoriedade que de em toda nova conta bancaria aberta tirassem fotografias e se colhessem as impressões digitais do correntista, fato este que facilitaria o trabalho da Polícia, ademais é outro absurdo o Banco só atender a ordem judicial para fornecer dados sobre o correntista, pois com isso, perde-se muito tempo nas investigações Policiais. É evidente que o histórico da conta e o sigilo bancário do correntista só devem ser quebrados por ordem judicial, mas os outros dados mais simples como nomes, endereços e documentos dos correntistas investigados poderiam muito bem ser liberados por simples ofício requisitório do Delegado responsável pelo Inquérito Policial pertinente, como outrora ocorria.

Há um velho ditado em que se diz que cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, por isso toda a cautela é pouca para evitar que passemos por esses constrangimentos citados, que além do prejuízo financeiro podem valer até as nossas próprias vidas. Não podemos achar que nunca cairemos nessas armadilhas e que essas coisas só acontecem com os outros, vez que a marginalidade caminha a passos largos em todo canto à caça das suas vítimas sem medir as conseqüências dos seus atos criminosos.

Artigo enviado pelo autor.

STJ FIXA EM 50 SALÁRIOS MÍNIMOS O TETO DE INDENIZAÇÃO POR NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES

O valor razoável da indenização para casos de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito é de 50 salários-mínimos. Assim entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se limita a revisar a quantia da condenação por danos morais apenas nos casos em que o montante fixado nas instâncias locais é exagerado ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Com base nessa orientação, a Quarta Turma do Tribunal conheceu em parte do recurso especial do Banco Bradesco S.A., e reduziu, de 200 salários para R$ 20 mil, a quantia que a instituição foi condenada a pagar.

D.J. ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Banco de Crédito Nacional, posteriormente sucedido pelo Bradesco. O autor alega que seu nome foi indevidamente inscrito no Serasa, em virtude de dois protestos que valiam, juntos, R$ 5.930. O cliente afirma que providenciou todas as certidões negativas de títulos e solicitou o cancelamento da restrição, mas, sem justificativa, o banco não retirou o nome dele do órgão de proteção ao crédito, o que teria lhe causado inúmeros prejuízos.

O juízo de primeira instância julgou procedente o pedido, condenando a instituição bancária ao pagamento de indenização por danos morais em dez vezes a soma dos títulos indevidamente protestados, ou seja, R$ 118.600, corrigidos monetariamente a partir da citação. Ambas as partes apelaram e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina alterou o valor do dano moral para 200 salários mínimos, mais juros de 6% ao ano: “Abalo de crédito inconteste, culpa do banco evidenciada, obrigação de indenizar, fixação moderada e condizente com os elementos apresentados nos autos”.

Insatisfeito, o Bradesco recorreu ao STJ, pedindo a redução dos valores da condenação. Argumentou violação ao artigo 1º da Lei n. 6.205/1975, uma vez que a fixação da indenização foi feita em salários-mínimos. Alegou também violação aos artigos 160 do Código Civil e 13 da Lei n. 5.474/1968, “pois o banco-endossatário é obrigado por lei a levar duplicatas vencidas a protesto, o que não constitui ato ilícito”.

“Rever os fundamentos que ensejaram o entendimento do tribunal de origem de que o banco recorrido é responsável pela inscrição indevida, uma vez negligente ao encaminhar o título indevidamente para protesto, implica reexaminar o conjunto fático probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial”, explicou o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão.

Entretanto, o ministro acolheu o pedido do banco para reduzir o valor da indenização, ressaltando que a jurisprudência consolidada do STJ admite a revisão do montante indenizatório em recurso especial, quando a quantia fixada nas instâncias locais é exagerada ou ínfima. “Este colendo Tribunal, por suas turmas de Direito Privado, só tem alterado os valores assentados na origem quando realmente exorbitantes, alcançando quase que as raias do escândalo, do teratológico; ou, ao contrário, quando o valor arbitrado pela ofensa é tão diminuto que, em si mesmo, seja atentatório à dignidade da vítima”.

Para o relator, a quantia fixada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina fugiu da razoabilidade, distanciando-se dos parâmetros adotados pelo STJ em casos de indenização por inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito, que é de 50 salários-mínimos. “Diante da flagrante inadequação do valor fixado nas instâncias ordinárias, justifica-se a excepcional intervenção deste Tribunal, a fim de reformar o acórdão impugnado, de modo a minorar a indenização fixada para R$ 20.000, com juros de mora a partir do evento danoso e correção monetária a partir da data de julgamento deste acórdão, mantendo, no mais, a decisão recorrida, inclusive quanto aos ônus sucumbenciais”.

Resp 623776
Fonte: STJ

17 junho 2010

VONTADE LEGÍTIMA DA TESTADORA SE SOBREPÕE AO RIGOR FORMAL NA VALIDAÇÃO DO TESTAMENTO

O testamento é um ato solene que deve ser submetido a numerosas formalidades; caso contrário, pode ser anulado. Entretanto, todas as etapas formais não podem ser consideradas de modo exacerbado, pois a exigência delas deve levar em conta a preservação de dois valores principais: assegurar a vontade do testador e proteger o direito dos herdeiros do testador, sobretudo dos seus filhos. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que reconheceu a validade da disposição de vontade da testadora, contestada por um de seus sobrinhos.

De acordo com as informações processuais, a vontade da testadora era a de beneficiar as próprias irmãs que ainda estavam vivas na época e com as quais tinha maior afinidade. Mas um dos sobrinhos, cuja mãe já havia falecido e não foi contemplada, resolveu contestar a validade do testamento para que também fosse beneficiado.

Para tanto, alegou que a escritura pública do documento não teria sido lavrada pelo oficial do cartório, mas por terceiro, funcionário da serventia, que não possuía fé pública. Argumentou também que as cinco testemunhas não acompanharam integralmente o ato, o que levaria à nulidade “a disposição de última vontade, por ausência de requisitos essenciais elencados no artigo 1.632 do Código Civil”. Para o sobrinho, a irmã que foi mais beneficiada pelo testamento teria acompanhado a testadora durante todo o procedimento, influenciando-a de forma a obter maior vantagem.

O TJPR não acolheu os argumentos em favor do sobrinho, esclarecendo que levou em consideração a vontade da testadora, e não o excessivo rigor formal. “O referido documento foi elaborado pelo Cartório Salinet, tabelionato de notas tradicional da cidade de Londrina. Foi comprovado e não restou dúvida alguma quanto à lucidez e juízo perfeito da testadora, e que sua enfermidade não alterou essa condição. A simplicidade, pouca instrução, hábitos reservados, vida recatada, poucas palavras, vêm demonstrar a lisura da condução da vida da testadora, de sua educação, cordialidade e presteza como pessoa e ser humano. Nada pode caracterizar que a mesma não tivesse vontade própria. Portanto, não há o que falar em ilegalidade dos autos formais do Testamento Público, uma vez que o documento é legal, legítimo, verdadeiro, constando de informações e assinaturas verdadeiras, registradas com fé pública”.

Inconformado, o sobrinho recorreu ao STJ para conseguir a nulidade do testamento, mas o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do recurso especial, entendeu que a decisão do tribunal estadual “não merecia reparo”. Segundo o ministro, “o vício formal somente deve ser motivo de invalidação do ato quando comprometedor da sua essência, que é a livre manifestação da vontade da testadora, sob pena de se prestigiar a literalidade em detrimento da outorga legal à disponibilização patrimonial pelo seu titular”.

Em seu voto, Aldir Passarinho Junior enfatizou que não foi identificado qualquer desvio de vontade da testadora e que os únicos “vícios” encontrados se resumiam à ausência da testemunha “durante o ato da redução a escrito” e ao fato de o testamento ter sido lavrado por servidor de cartório, não pelo tabelião, mas dentro do Ofício de Notas e, por este último, lido e subscrito. “Ora, parece-me que muito mais relevante é o testemunho relativo ao teor das disposições emanadas pela testadora. Se a testemunha assistiu às declarações, livres, e a leitura feita a posteriori com elas coincidia, inexiste motivo para nulificação. É relevante observar que igualmente não foi reconhecida qualquer evidência de incapacidade mental da testadora”, explicou.

Para concluir, o ministro ainda salientou: “O autor do recurso é sobrinho da testadora, enquanto as rés são suas irmãs, de modo que não é desarrazoado imaginar-se que ela tenha desejado privilegiar aquelas pessoas mais próximas em detrimento de um parente mais distante, filho de uma outra irmã que já se encontrava falecida à época da elaboração do testamento. Por tais circunstâncias, não conheço do recurso especial”.

Resp 600746

Fonte: STJ

AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO NA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL-4

Parte 4-Final



Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral
Advogada; Doutoranda em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Privado, em Direito Público e em Educação; Professora.


5 Conclusão

A Família contemporânea, estruturada sobre a sólida base da afetividade, deixa de ser uma instituição que visa a proteger o grupo formado por seus membros para se tornar um ambiente propício às manifestações dos direitos inerentes à personalidade, ao desenvolvimento das potencialidades de cada um e às diferenças individuais. Ademais, ela promove um alargamento de possibilidades, sonhos e ideais de cada uma das pessoas que a integram e nela interagem.

Consagrado o princípio da dignidade da pessoa humana e a consequente constitucionalização do Direito Civil, os direitos da personalidade se revestem de especial importância, passando a merecer incomparável tutela jurídica. O afeto se transforma em um divisor de águas, e como valor, não apenas jurídico, mas sob a refinada ótica da Psicologia, passa a definir relações e responsabilidades.

O respeito, como decorrência do afeto, torna-se fundamental para que as pessoas se sintam amadas na dinâmica das relações familiares – um respeito que se materializa não somente na criação, no desenvolvimento e na manutenção de laços afetivos capazes de fortalecer tais relações, mas ainda nas diversas manifestações de cuidado que se traduzem no zelo, na proteção e na dedicação entre seus membros.

O respeito aponta, ainda, para uma espécie de responsabilidade firmada sobre a afetividade e compreendida do ponto de vista da promoção do bem comum, do empreendimento de todos os esforços para a consecução de satisfação pessoal; por conseguinte, o compromisso com a boa formação do caráter e o desenvolvimento de potencialidades permitem aos membros da família enfrentar as diferentes situações de vida com equilíbrio e segurança, o que se traduz na expressão Parentalidade Responsável.

Os laços afetivos construídos sobre o princípio constitucional da solidariedade emprestam aos membros da família uma nova perspectiva, uma solidariedade familiar, consubstanciada no cuidado e na reciprocidade do cotidiano entre pessoas que se relacionam na dinâmica do lar.

Nesse ambiente, a afetividade faculta a superação das dificuldades e fomenta o amor e o respeito entre os membros da família, que somente por fortes motivos permanecem juntos: porque se encontram ligados pelos sólidos vínculos afetivos – elos capazes de construir pontes sobre as diferenças individuais e fortalecer a família através do exercício diário de condutas promotoras de ajustamento coletivo e, ao mesmo tempo, de questões individuais, pessoais dos componentes da entidade familiar, promovendo ali a concretização da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Somente assim se realiza o direito nesse espaço: transcendendo o limite das páginas da Constituição e do Código Civil e materializando-se na vida real; assoprando-lhe fôlego de vida, imprimindo-lhe existência no mundo fático.

O homem, que é por excelência ser social, necessita desenvolver a afetividade para melhor se relacionar com seus semelhantes. Assim, estabelecer e estreitar laços afetivos é completamente indispensável à salutar convivência em família, que é o primeiro núcleo afetivo que as pessoas conhecem. Depende, fundamentalmente, de cada pessoa respeitar os limites e os direitos dos demais membros da família.

Mister que se enfatize a relevância de cativar o outro no contexto das relações familiares, no sentido de estabelecer vínculos afetivos, fator indispensável à saudável formação da personalidade, pois as pessoas têm necessidade de se sentirem amadas. Na família, a pessoa vivencia as primeiras demonstrações de amor, de afeto, de respeito. Nela, procura-se, também, refrigério para as muitas lutas que se enfrenta fora do ambiente do lar – locus onde se renovam as forças que se fazem indispensáveis à recomposição das energias para prosseguir.

Procurou-se realçar a importância de se estabelecer laços afetivos, remetendo-se às ricas lições de vida contidas em O Pequeno Príncipe, especialmente quando de seu encontro com a raposa. Desse episódio, abstrai-se enorme sensibilidade, ao conversarem sobre uma gama de valores, por ela evidenciados no diálogo entre eles travado: ao lhe falar necessidade de "criar laços", de cativar; ao lhe confessar seus temores em relação aos caçadores; ao realçar a satisfação de suas necessidades básicas como encontrar galinhas objetivando saciar a fome; ao ensinar de nobres sentimentos como "só se vê bem com o coração" e que "o essencial é invisível para os olhos", destacando que os sentimentos mais sublimes não se curvam à razão do mundo sensível, mas são inerentes à esfera dos mais íntimos sentimentos que residem no coração e perceptíveis somente através de um olhar extra-sensível.

Saliente-se ainda a importância da tutela da confiança no Direito de Família. É indispensável que haja entre os parentes a segurança de se amar e se respeitar reciprocamente e de que nenhum deles seja capaz de praticar atos que venham violar essa certeza. Nesse ambiente de bem-querer não há espaço para comportamento diverso de cuidado e respeito. Isso porque a vedação do comportamento contraditório extrapola a teoria contratual e passa a permear as relações familiares, impondo que as pessoas com quem se divide o espaço mais íntimo não venham a praticar condutas capazes de surpreender negativamente as que convivem com boa-fé, manifestada nas condutas positivas que se espera daqueles a quem se ama.

Por fim, enfatiza a raposa a mais nobre lição de vida, objeto deste trabalho, que sem dúvida aponta para uma responsabilidade tal como a que deve ser verificada nas relações familiares, demonstrando que cativar sinaliza um compromisso que não se resume ao tempo presente, mas capaz de vincular as pessoas de forma duradoura: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Os laços afetivos estabelecem, de fato, responsabilidades perenes, como se salientou, em três dimensões: pessoais, em relação à formação integral de cada parente que compõe a família, procurando suprir desde as necessidades materiais, passando pelas psicológicas, até às questões atinentes a seus sonhos, expectativas; sociais, correspondentes à sua reputação como ente familiar; e, patrimoniais, compreendendo inclusive direitos sucessórios, naturalmente decorrentes das relações fundadas no afeto.

Sem dúvida, a afetividade se converte em um axioma a permear as relações entre os parentes e, o afeto, o elemento propulsor do bem-querer nas relações familiares, convertendo-se em uma espécie de lente através da qual as pessoas de uma família devem se olhar mutuamente, pelo fio condutor da solidariedade, do respeito e do cuidado a fim de desenvolver ali o compromisso com a felicidade uns dos outros.

Em última análise, cumpre à família realizar o importante desiderato de promover a dignidade da pessoa humana, uma vez que todos os seus membros são agentes responsáveis pela (re)construção da personalidade, pela consecução de bem-estar, pela preservação dos laços afetivos, pela conquista de equilíbrio e pela incessante busca de realização pessoal e familiar.

É na família, ainda, que se alcançam a liberdade e a confiança para sonhar junto e crescer em apoio recíproco na edificação de cada pessoa – nessa especialíssima qualidade que somente ao ser humano é inerente –, na incessante busca do verdadeiro significado de "ser gente" e de "se sentir gente", ou ela não estará cumprindo o seu papel, et tunc erit finis.

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Extraído de Editora Magister/doutrina, edição de 10/05/2010, Porto Alegre, RS.

STJ AFASTA JUÍZES DO TRE E DESEMBARGADORES DE MATO GROSSO

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou, na sessão de ontem (16/06), os desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso Evandro Stábile (também presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso) e José Luiz de Carvalho, além do advogado e membro do TRE-MT Eduardo Henrique Migueis Jacob e do juiz convocado da 3ª Câmara Criminal do TJMT, Círio Miotto por serem acusados de participar de uma associação organizada de manipulação de decisões judiciais.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o afastamento se deu em decorrência de indícios de participação dessas autoridades em grupo criminoso, apurada em investigação da Polícia Federal - Inquérito 558-, que culminou, em 18 de maio último, na deflagração da operação Asafe. Durante a operação, foram cumpridos 30 mandados de busca e apreensão e nove mandados de prisão temporária e foram ouvidas 45 pessoas, além dos detidos.

A ministra ressaltou a gravidade dos fatos apurados, comprometedores do exercício da função judicante e de todo o Poder Judiciário, sobretudo por se tratar de ano eleitoral, e destacou que o afastamento dos magistrados tem por objetivo a garantia da ordem pública.

O afastamento cautelar das autoridades, sem prejuízo dos subsídios, foi acolhido pela maioria dos ministros da Corte. Somente o ministro Ari Pargendler, vice-presidente do STJ, votou em sentido contrário, sob o argumento de que o afastamento, sem o recebimento da denúncia, é um precedente perigoso.

Informações do STJ

16 junho 2010

FIM DE EXPEDIENTE


Quando só se pensa naquilo...

NO STJ PREVALECE O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

Quando se trata de disputas por guarda de menores, processos de adoção e até expulsão de estrangeiro que tem filho brasileiro, o que tem prevalecido nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o melhor interesse da criança. Foi com base nesse princípio que a Quarta Turma proferiu, em abril passado, uma decisão inédita e histórica: permitiu a adoção de crianças por um casal homossexual.


Apesar de polêmico, o caso foi decidido por unanimidade. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que a inexistência de previsão legal permitindo a inclusão, como adotante, de companheiro do mesmo sexo, nos registros do menor, não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos das crianças e adolescentes. O artigo 1o da Lei n. 12.010/2009 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor, que devem prevalecer sobre os demais.

Várias testemunhas atestaram o bom relacionamento entre as duas mulheres, confirmando que elas cuidavam com esmero das crianças desde o nascimento. Professores e psicólogos confirmaram o ótimo desenvolvimento dos menores. Na ação, as mães destacaram que o objetivo do pedido não era criar polêmica, mas assegurar o futuro das crianças em caso de separação ou morte das responsáveis. Diante dessas circunstâncias, aliadas à constatação da existência de forte vínculo afetivo entre as mães e os menores, os ministros não tiveram dificuldade em manter a adoção, já deferida pela Justiça gaúcha. (Resp n. 889.852)

Adoção direta

Outra questão polêmica que tem chegado ao STJ é a adoção de crianças por casal não inscrito no Cadastro Nacional de Adoção. O ministro Massami Uyeda, relator do Resp n. 1.172.067, ressaltou que são nobres os propósitos contidos no artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preconiza a manutenção do cadastro. Porém, ele entende que a observância do cadastro com a inscrição cronológica dos adotantes não pode prevalecer sobre o melhor interesse do menor.

Quando já existe um vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção que não esteja cadastrado, os ministros da Terceira Turma avaliam que o melhor para a criança é manter esse vínculo. “Não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes não está em discussão. O que se busca, na verdade, é priorizar o direito da criança de ser adotada pelo casal com o qual, na espécie, tenha estabelecido laços de afetividade”, explicou o relator.

Em outro caso de adoção direta, uma criança foi retirada do casal que tinha sua guarda provisória porque o juiz suspeitou que a mãe biológica teria recebido dinheiro para abrir mão do filho. A questão chegou ao STJ em um conflito positivo de competência entre o juízo que concedeu a guarda provisória e o que determinou que a criança fosse encaminhada a um abrigo em outro estado.

O artigo 147 do ECA estabelece que a competência de foro é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável pela criança ou, na falta deles, pelo lugar onde a criança reside. O caso tem duas peculiaridades: os genitores não demonstraram condições e interesse em ficar com o menor, e a guarda provisória havia sido concedida e depois retirada por outro juízo. Diante disso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, definiu a competência pelo foro do domicílio do casal que tinha a guarda provisória.

Seguindo o voto da relatora, os ministros da Terceira Turma entenderam que o melhor interesse da criança seria permanecer com o casal que supriu todas as suas necessidades físicas e emocionais desde o nascimento. A decisão do STJ também determinou o imediato retorno da criança à casa dos detentores da guarda. (CC n. 108.442)

Disputa pela guarda

Ao analisar uma disputa de guarda dos filhos pelos genitores, a ministra Nancy Andrighi destacou que o ideal seria que os pais, ambos preocupados com o melhor interesse de seus filhos, compusessem também seus interesses individuais em conformidade com o bem comum da prole. Mas não é o que acontece.

Nessa medida cautelar, a mãe das crianças pretendia fazer um curso de mestrado nos Estados Unidos, onde já morava o seu atual companheiro. A mãe alegou que a experiência seria muito enriquecedora para as crianças, mas o pai não concordou em ficar longe dos filhos, que viviam sob o regime de guarda compartilhada. Seguindo o voto da relatora, os ministros não autorizaram a viagem.

Com base em laudos psicológicos que comprovavam os profundos danos emocionais sofridos pelas crianças em razão da disputa entre os pais, os ministros concluíram que o melhor para as crianças seria permanecer com os dois genitores. Segundo ela, não houve demonstração de violação ao ECA, nem havia perigo de dano, senão para a mãe das crianças, no que se refere ao curso de mestrado.

Nancy Andrighi afirmou que, em momento oportuno e com mais maturidade, os menores poderão usufruir experiências culturalmente enriquecedoras, sem o desgaste emocional de serem obrigados a optar entre dois seres que amam de forma igual e incondicional. Ao acompanhar o entendimento da relatora, o presidente da Terceira Turma, ministro Sidnei Beneti, ressaltou que a guarda compartilhada não é apenas um modismo, mas sim um instrumento sério que não pode ser revisto em medida cautelar. (MC n. 16.357)

Quando a briga entre os genitores gira em torno do direito de visita aos filhos, o interesse do menor também é o que prevalece. Por essa razão, a Terceira Turma do STJ assegurou a um pai o direito de visitar a filha, mesmo após ele ter ajuizado ação negatória de paternidade e ter desistido dela.

O tribunal local chegou a suspender as visitas até o fim da investigação de paternidade. Diante da desistência da ação, o pai voltou a ver a criança. Ao julgar o recurso da genitora, os ministros da Terceira Turma consideram que, ao contrário do que alegava a mãe, os autos indicavam que ele não seria relutante e que teria, sim, uma sincera preocupação com o bem-estar da filha. Eles entenderam que os conflitos entre os pais não devem prejudicar os interesses da criança, que tem o direito de conviver com o pai, conforme estabelecido no artigo 19 do ECA, que garante o direito do menor à convivência familiar. (Resp n. 1.032.875)

Quando um dos genitores passa a residir em outro estado, a disputa pelo convívio diário com os filhos fica ainda mais complicada. Depois de quatro anos de litígio pela guarda definitiva de uma criança, o STJ manteve a menor com a mãe, que residia em Natal (RN) e mudou-se para Brasília (DF). Ao longo desse período, decisões judiciais forçaram a criança a mudar de residência diversas vezes. Em Natal, ela ficava com os avós paternos.

O pai pediu a guarda, alegando que a mãe teria “praticamente abandonado” a filha. Disse, ainda, que ela não tinha casa própria em Brasília, nem emprego fixo ou relacionamento estável. Nada disso foi provado. O laudo da assistência social atestou o bom convívio entre mãe e filha e o interesse da criança em ficar com a mãe.

Na decisão do STJ, merece destaque o entendimento sobre a alegação de que a mãe estaria impossibilitada de sustentar a sua filha. A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, mesmo se existisse prova nos autos a esse respeito, é sabido que a deficiência de condições financeiras não constitui fator determinante para se alterar a guarda de uma criança. Essa condição deve ser analisada em conjunto com outros aspectos igualmente importantes, tais como o meio social, a convivência familiar e os laços de afetividade. (Resp n. 916.350)

Expulsão de estrangeiro

O inciso II do artigo 75 da Lei n. 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) estabelece que estrangeiro não será expulso “quando tiver cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos; ou filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente”.

Com base nesse dispositivo, muitos estrangeiros pedem revogação de expulsão. A jurisprudência do STJ flexibilizou a interpretação da lei para manter, no país, o estrangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório. Porém, é preciso comprovar efetivamente, no momento da impetração, a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido.

Muitos estrangeiros, no entanto, não conseguem comprovar o vínculo afetivo e a dependência econômica, tendo em vista que o simples fato de gerar um filho brasileiro não é suficiente para afastar a expulsão. Nem mesmo a apresentação de extratos bancários demonstrando depósitos é meio de comprovação da dependência econômica. A comprovação é analisada caso a caso. (HC n. 31.449, HC n. 104.849, HC n. 141.642, HC n. 144.458, HC n. 145.319, HC n. 157.483)

Fonte: STJ

AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO NA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL -3

Parte 3/4



Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral
Advogada; Doutoranda em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Privado, em Direito Público e em Educação; Professora.


4 Laços Afetivos e Parentalidade Responsável

Toma-se aqui pela expressão parentalidade toda espécie de parentesco capaz de gerar as diferentes e, por vezes, complexas relações familiares, entendidas como as oriundas da convivência em família, cotidianamente, capazes de criar direitos e deveres reciprocamente.

Ensina Bobbio (2004, p. 225), com certa perspicácia, que direito e dever não se dissociam: "[...] a primazia do direito não implica de forma alguma a eliminação do dever, pois direito e dever são dois termos correlatos e não se pode afirmar um direito sem afirmar ao mesmo tempo o dever do outro de respeitá-lo". Semelhante raciocínio concebe Carvalho (2009, p. 15) às relações familiares ao registrar: "Grande parte dos direitos conferidos à família se tornam deveres, como o poder familiar, a tutela e curatela, impondo ao titular cuidar, proteger e propiciar melhores condições de vida". Assim, cada membro da família tem direito de ser respeitado e receber carinho, proteção e cuidado; em contrapartida, tem deveres a cumprir.

Nesse caso, têm-se direitos-deveres que a todos os integrantes da família se estendem. O que é um direito traz, em sua essência, um conteúdo de dever, não sendo possível a existência de bônus, sem o correspondente ônus, nem a exata delimitação do limiar a partir do qual um determinado direito se transforma em dever.

Cabe aos membros da família uma atuação conjunta no sentido de criar laços de afeto e agir de forma a preservar condutas que reflitam boa-fé, seguindo o viés de conduta ditado pela responsabilidade moral inerente a todo ser humano.

4.1 Laços Afetivos como Fundamento na Parentalidade Responsável

As várias manifestações de família originam novas espécies de relações familiares. Como se tem hoje um Direito de Família plural, imperioso que sejam observadas regras de convivência capazes de vencer as dificuldades e buscar uma dinâmica de vida equilibrada e que atenda aos anseios de cada um dos membros da entidade familiar, efetivando o caráter instrumenta 4 da família contemporânea.

O desiderato de estruturar as relações familiares se mostra bastante complexo, devendo ser compreendido sob três aspectos: criar sólidos laços afetivos, auxiliar a dinâmica das relações familiares através da cooperação recíproca e minimizar os conflitos a fim de promover o equilíbrio no âmbito familiar.

Não se está a propor uma "felicidade para sempre", utópica, estática e inatingível, mas que haja progressiva superação das diferenças que causam atrito, através de posturas baseadas no respeito e na criação, no desenvolvimento e na manutenção de laços afetivos capazes de suportar as diferentes e inusitadas situações de vida que se apresentem.

Os laços afetivos possibilitam que as pessoas se amem, se respeitem e desejem a felicidade reciprocamente – atitudes que permitem construir pontes sobre os abismos emocionais, ligando as pessoas por vínculos perenes. O afeto é o propulsor do desenvolvimento do senso de respeito e de cuidado nas relações familiares. "Aliás, não apenas sob as vestes jurídicas. Também sob o prisma da Psicologia, o afeto se evidencia como uma verdadeira ‘âncora do sentido’[...]" (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 25).

Necessário pontuar que a afetividade se materializa nas condutas de respeito e de cuidado, na busca do bem-estar, na construção da auto-estima, na incessante busca de atender às necessidades e aspirações uns dos outros, na aceitação recíproca e na compreensão.

Farias; Rosenvald (2008, p. 25) comentam que "Maria Berenice Dias consagra o afeto como verdadeiro direito fundamental, permitindo projeções do mais alto relevo, como, v.g., o reconhecimento da igualdade entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva".

Enfim, o afeto e o respeito envolvem toda a família em uma dinâmica que visa à construção, à reconstrução e à adaptação das pessoas que a compõem, a fim de que a personalidade delas seja solidamente formada, num ambiente salutar onde as potencialidades individuais são preservadas e desenvolvidas satisfatoriamente. Tais posturas propiciam à pessoa se sentir segura, capaz de dar e receber amor; elas facilitam a estrutura do caráter para enfrentar as intempéries que a vida oferece com uma dose suficiente de equilíbrio, serenidade e sabedoria – fatores imprescindíveis à realização de escolhas conscientes.

Muito oportuna e realística é a construção de Farias (2007, p. 13) ao escrever: "a Família enquanto LAR – Lugar de Afeto e Respeito", título sob o qual o aludido autor salienta:

"[...] as mudanças que se operam – e continuarão a se operar – no âmbito da família evidenciam que só se justifica a estruturação da sociedade em núcleos familiares se, e somente se, for encarada como refúgio para a realização da pessoa humana, como centro para implementação de projetos de felicidade pessoal e para a concretização do amor." (Ibidem, p. 14)

Nessa perspectiva, a família somente tem razão de ser se atender às necessidades de seus membros, se viver em espírito de colaboração, cumprindo os ideais ditados pela afetividade e solidariedade. Enfim, se cumprir a sua função social, promovendo bem-estar, fornecendo apoio emocional, inclusive trazendo ao mundo fático o cumprimento das expectativas, oferecendo instrumentos e recursos capazes de viabilizarem a materialização de seus sonhos e projetos de vida. Somente nessa perspectiva estará cumprindo seu mais elevado papel segundo o direito de família constitucionalizado e solidário, qual seja, imprimir efetividade ao direito, o que significa, na lição de Barroso (2009, p. 82-83), fazê-lo transcender a esfera dos preceitos legais, tornando-o realidade no mundo fático.

Embora classicamente a expressão responsabilidade no Direito Civil remonte à noção de descumprimento – já que sob o enfoque da reparação civil é uma obrigação decorrente da violação de outra originária –, a responsabilidade que aqui se analisa pode ser definida na ordem da obrigação de estabelecer a afetividade para promoção do bem-estar da família, o que compreende o dever de cooperação, solidariedade, respeito e cuidado entre todos os membros que a compõem.

Responsabilidade aqui apresenta um conteúdo específico, embora muito mais exigente e com uma perspectiva de direito existencial; por esse motivo, muito mais complexo. Isso porque, quando se trata de Direito de Família, não se fala de direito subjetivo, mas de pessoa. Enquanto aquele se vincula ao "ter", este é concebido na dimensão do "ser", conforme lição de Perlingieri (2007, p. 155):

"[...] onde o objeto de tutela é a pessoa, a perspectiva deve mudar; torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o ponto de referência objetivo da relação. O ‘ser’, muito mais importante que o ‘ter’ na escala de valores, é prestigiado pelo ordenamento jurídico, sobretudo no que respeita a preservação da dignidade humana."

De fato, a esfera do "ser" é a que se liga diretamente à preservação da dignidade da pessoa humana, pois muito mais importantes são os valores a ela inerentes do que aqueles que se referem aos direitos subjetivos, de conteúdo patrimonial. Assim, os direitos pessoais ou existenciais compreendem uma gama muito maior e infinitamente mais valiosa que os direitos meramente materiais. Exatamente por trabalhar com esse objeto de estudo de conteúdo ético, as questões concernentes à família se revestem de especial importância devido ao seu caráter de direito extrapatrimonial, decorrentes da dignidade da pessoa humana.

Existe no ordenamento jurídico, consoante lição de Langaro (1996, p. 21), uma "responsabilidade legal, que se fundamenta nas leis positivas da autoridade civil e a da responsabilidade moral, como decorrência do atendimento do dever moral". Na convivência entre os parentes também são verificadas as duas espécies de responsabilidade, pois no tocante às relações que se desenvolvem no lar coexistem deveres legais, decorrentes da legislação e deveres morais, decorrentes da consciência.

Como exemplo desse primeiro grupo, podem-se vislumbrar as Leis Federais ns. 8.069/90 (o Estatuto da Criança e do Adolescente), 10.741/03 (Estatuto do Idoso), 11.340/06 (Lei de Violência Doméstica), 11.698/08 (Guarda Compartilhada) e, ainda, dispositivos do vigente Código Civil como os arts. 1.630 e seguintes, que se referem ao poder familiar; o 1.583 e seguintes que disciplinam a proteção à pessoa dos filhos; o 1.566, IV que prevê como dever dos cônjuges "o sustento, a guarda e a educação dos filhos". Além da lei positivada, há um segundo grupo de normas ditadas pela moral, que determina "procurar fazer o bem e evitar o mal" (LANGARO, 1996, p. 18), materializada na incessante busca pela promoção do bem-estar, agindo em consonância com a solidariedade, como já salientado, que se deve aos membros da família que vivem no lar.

Bobbio (2008, p. 151) ensina que "a norma moral deve ser obedecida por si mesma, e como tal, exige uma obediência interior, que não pode ser constrangida". Tem-se, então, uma ordem ditada pela consciência, pelo "eu" de cada um, que deságua na responsabilidade. Numa linha de sequência lógica, Langaro (1996, p. 20) comenta a concepção de responsabilidade consistente no cumprimento do dever de consciência:

"[...] se o dever é o bem enquanto obrigatório, se o bem faz nascer o dever, daí resulta que o atendimento e o cumprimento do dever fazem gerar a responsabilidade. A responsabilidade, consequentemente, é uma consequência do dever cumprido, pois quem cumpre um dever de consciência se mostra inteiramente responsável pelo ato praticado."

Evidentemente que na família é necessário o dever legal, porém o dever moral se mostra muito mais efetivo, porque, sem dúvida, as pessoas atendem com muito mais amor e diligência às ordens de sua consciência, respondem com uma eficácia muito superior aos comandos de seus valores morais, concretizando os ideais da diretriz da eticidade, indicada por Miguel Reale como um dos três princípios norteadores do vigente diploma civil (CARVALHO, 2009, p. 17).

Pode-se sintetizar a parentalidade responsável como a dinâmica de relacionamentos entre pessoas comprometidas, assentada sobre a afetividade, concebida como dever de colaboração entre parentes e buscando o cumprimento da função social da família. Como via de consequência direta, gera efeitos jurídicos em três dimensões: pessoal, social e patrimonial.

A esfera pessoal se refere além dos laços afetivos indispensáveis, às obrigações deles decorrentes, das mais diversificadas espécies que os parentes se devem reciprocamente, no que tange valores que vão desde a preservação da vida até as condutas concernentes ao respeito, cuidado, proteção e promoção da felicidade a permear todas as relações que se desenvolvem no âmbito da entidade familiar. Trata-se das relações afetas ao núcleo primeiro, recôndito mais íntimo em que se desenvolve o ser humano, onde a pessoa recebe cuidados, aprende valores, adquire orientação religiosa e começa a tomar consciência de seu "eu".

Essa esfera é o núcleo responsável pela promoção de bem-estar, pela (re)construção da personalidade e pela realização pessoal de cada membro da família, incluindo,ainda, os sonhos, ideais e expectativas de cada um de seus membros. É o aspecto promotor da pessoa enquanto "gente".

A dimensão social engloba os reflexos das relações familiares na sociedade em que está inserida a entidade familiar, capazes de extrapolarem o lar, cumprindo a diretriz da Socialidade, princípio que Miguel Reale imprimiu ao Código Civil de 2002 (CARVALHO, 2009, p. 17). Refere-se ao reconhecimento pela sociedade daquele vínculo de parentesco. Remonta à questão de a pessoa ser identificada na sociedade como membro de determinada família. Dias (2008a, p. 68) reconhece uma repercussão muito mais ampla:

"O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade, em cada família, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família."

Embora sejam as questões existenciais a constituírem o objeto deste trabalho, inexoravelmente as relações afetivas gerarão efeitos na esfera patrimonial, na dicção de Farias; Rosenvald (2008, p. 25). Haja vista o reconhecimento dos direitos nas relações concubinárias e, notadamente, decorrentes do reconhecimento da filiação sócio-afetiva, que independe de certidão para produzir efeitos sucessórios dela decorrentes, conforme salienta Dias (2008b, p. 47): "O reconhecimento do vínculo de filiação deixou de depender da certificação cartorária. Manifestações que revelem o vínculo de filiação são que basta para se ter constituído o elo parental".

Aliás, saliente-se, uma das maiores transformações do Direito de Família deste novo milênio é o deferimento de direitos sucessórios fundado no reconhecimento de filiação socioafetiva, a demonstrar, e com toda razão, que existem novas formas de se estabelecer uma relação de parentesco tão legítima quanto aquela baseada na consanguinidade.

Assim, a parentalidade requer um compromisso do qual decorre a responsabilidade em três dimensões, que, consideradas harmonicamente, são capazes de sintonizar a pessoa em seu mundo pessoal e social, ajudando-a a formar o conceito e o conhecimento que terá de si mesma, além de sintonizá-la com o seu contexto patrimonial.

4.2 Parentes Corresponsáveis

Quando se fala em parentalidade, consoante já se comentou, está-se referindo a uma série de pessoas ligadas por laços consanguíneos e/ou afetivos que integram uma mesma família. Refere-se ao grupo de pessoas que compartilham a vida, as experiências, o afeto, o amor, sendo todas elas coletiva e individualmente responsáveis pela promoção do bem comum.

Importante destacar que todos aqueles que (con)vivem em família se tornam corresponsáveis para a promoção do bem-estar e da felicidade dos demais membros. É necessário que essa (con)vivência seja baseada em nobres sentimentos que se realizem no mundo fático em condutas positivas de umas pessoas em relação às outras. Em outras palavras: é natural que as pessoas que convivem sob um teto comum busquem a promoção do bem-estar, a satisfação pessoal, a superação, a realização e a felicidade umas das outras.

Para funcionar bem, todo grupo social necessita de regras e cada um dos membros que o compõe tem de desempenhar um papel que faça sentido para a complementaridade e para a cooperação quanto aos interesses comuns. O mesmo acontece com a convivência familiar: toda e qualquer manifestação de família deve estar construída sobre laços afetivos entre pessoas que possuem objetivos comuns. Cada uma delas deve exercer um papel e cumprir as responsabilidades por ele exigidas. O cumprimento dessas responsabilidades está atrelado a questões éticas que devem necessariamente permear a convivência familiar, consoante o que ensina Dias (2008a, p. 74):

"Ainda que tenha havido sensível mudança na concepção da família, inserido o afeto como traço identificador dos vínculos familiares, é impositivo invocar também o comprometimento ético que os vínculos afetivos geram. No confronto com situações em que a afetividade é o diferencial das relações interpessoais, não se podem premiar comportamentos que afrontam o dever de lealdade, que merece ser prestigiado como elemento estruturante da família."

Responsabilidade no contexto da família indica, então, uma convivência ética, pautada no cuidado, no compromisso de promover a adaptação e o equilíbrio dos parentes, uma obrigação que deve ser verificada em três níveis: entre as pessoas que exercem papel de pai e mãe, entre os que exercem papel de filhos e ainda um canal de mão dupla entre este e aquele grupo.

Assim, cada um é responsável pelas pessoas com quem constrói laços de afeto, incumbindo a todos, ao mesmo tempo, a busca por um tratamento humano, solidário e igualitário, já que as cativou. Uma responsabilidade que não se restringe ao tempo atual, antes perdura com o passar dos anos, consoante o que disse a raposa ao principezinho: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" (SAINT-EXUPÈRY, 1981, p. 74).

Com todas as transformações e as evoluções por que tem passado o Direito de Família, há papéis indispensáveis, que precisam ser exercidos no âmbito familiar, sob pena de graves consequências. Nesse sentido, Pereira (2003, p. 54) salienta que o mal exercício das funções materna e paterna, "é um eterno desajuste psíquico e social". Não significa dizer que é indispensável que haja necessariamente pai e mãe, mas que no padrão de família é imprescindível que alguém exerça esses papéis com responsabilidade para que sejam atingidos certo equilíbrio e ajuste psíquico e social 5.

Corresponsabilidade é exatamente a responsabilidade que todos os membros da família se devem, reciprocamente. A responsabilidade materializada na preocupação em promover o bem-estar, a proteção e a defesa, quando descumprida, gera o sentimento de arrependimento, como se pode observar através do diálogo com o geógrafo que o principezinho encontra, que o faz perceber que falhou em relação à sua rosa:

"– Que quer dizer ‘efêmera’? Repetiu o principezinho que, nunca, na sua vida, renunciara a uma pergunta que tivesse feito.

– Quer dizer ‘ameaçada de próxima desaparição’.

– Minha flor está ameaçada de próxima desaparição?

– Sem dúvida.

Minha flor é efêmera, disse o principezinho, e não tem mais que quatro espinhos para defender-se do mundo! E eu a deixei sozinha!

Foi seu primeiro momento de remorso." (SAINT-EXUPÈRY, 1981, p. 57-58)

Surge um novo elemento: o remorso, que nada mais é senão uma sensação de culpa qualificada pela certeza de que não se cumpriu o dever ditado pela consciência moral. Um sentimento que não produzirá bons resultados, devendo ser buscada com assertividade uma alternativa para corrigir o erro e evitar repeti-lo. Cabe, então, ressaltar que é necessário também oferecer suporte para as situações adversas, como, por exemplo, a separação:

"Assim, o principezinho cativou a raposa, mas quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

– Ah! Eu vou chorar.

– A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

– Quis, disse a raposa.

– Mas tu vais chorar! Disse o principezinho.

– Vou, disse a raposa." (ver último diálogo do item 3.2 do trabalho; SAINT-EXUPÈRY, 1981, p.71)

Separação, despedida, tristeza, apreensão, frustração e dor fazem parte de uma esfera de sentimentos que precisam ser vivenciados e trabalhados em família para que os membros se fortaleçam e se tornem capazes de enfrentar, mais tarde, adversidades em proporções maiores que as várias situações de vida possam apresentar. É necessário que se aprenda no ambiente familiar a elaborar as perdas, que inexoravelmente ocorrerão.

Responsabilidade entre parentes significa, a teor de última análise, o compromisso em buscar praticar condutas positivas e atitudes que, sem dúvida, contribuirão para promover salutar convivência, equilíbrio emocional e felicidade das pessoas no âmbito das relações familiares – inspiradas pela boa-fé objetiva e seus deveres anexos, principalmente o da confiança e o da lealdade e pela vedação do comportamento contraditório.

Notas da Autora:

4 - Sobre a família como instrumento, ensina Gama (2008, p. 125): "Reconhece-se o primado da pessoa humana e, conseqüentemente, que as comunidades intermédias – inclusive a família – são colocadas a serviço das pessoas que a compõem. Cuida-se da passagem da idéia de família-instituição para família instrumento, como nota características das entidades familiares constitucionalizadas (expressa ou implicitamente)".
5 - Comenta o autor: "A não-presença física do pai ou da mãe, ou a sua permanência, não é definidora da situação; este pai ou esta mãe não precisam ser biológicos. Qualquer um pode ocupar esse lugar, desde que exerça tal função. A paternidade e a maternidade é uma questão de função. Prova disso é o instituto milenar da adoção".

Extraído de Editora Magister/doutrina, edição de 10/05/2010, Porto Alegre, RS.

NOVO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA É ADOTADO PELO INSS

A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (PFE/INSS) divulgaram uma nova tese jurídica para subsidiar a atuação dos procuradores nas ações judiciais que envolvam a concessão de benefícios para deficientes físicos. A nova "defesa mínima", como é chamada este tipo de tese, analisa o novo conceito de deficiência criado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já incorporado pela Constituição Federal de 1988, através do Decreto Legislativo nº 186/2008.

Pela nova definição, as pessoas com deficiência passam a ser conceituadas como "aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas".

Desde o dia 1º de junho o INSS vem considerando este novo conceito para analisar e conceder os benefícios às pessoas com deficiência em todo o Brasil. O conteúdo já havia sido disponibilizado pela PFE/INSS em forma de Memorais e divulgado durante a Semana Nacional de Integração com o Poder Judiciário. Mas a necessidade de divulgar ainda mais a nova definição, motivou a formalização da tese de defesa.

Segundo o Coordenador-Geral de Matéria de Benefícios da PFE/INSS, procurador Federal Elvis Gallera Garcia, "para otimizar a defesa judicial do INSS, a aplicação do novo conceito de deficiência física vai depender do conhecimento e da utilização dos critérios enumerados pela Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde (CIF)". É indispensável, ainda, que a perícia seja realizada também por médico e assistente social.

Com informações da AGU, via Newsletter Magister

15 junho 2010

FIM DE EXPEDIENTE

COMO UMA VÍRGULA ACABOU COM UM NAMORO NO DIA DOS NAMORADOS



Dílson Catarino
Professor de Português, ensina gramática na 3ª série do ensino médio e no cursinho pré-vestibular do Colégio Maxi, em Londrina (PR).


Conta-se que, em Palmeirinha do Vale, cidade de dezessete mil viventes, que se situa perto de Santana do Arrebol do Oeste, havia uma professora de português, extremamente rígida, de nome Austeresa de Jesus. Ela era de tal modo rigorosa para com os alunos que estes temiam encontrá-la mesmo no dia a dia, na praça central, na mercearia, na farmácia.

Dizem que ela interpelava seus pequenos educandos, estivessem onde estivessem, sobre as mais variadas regras gramaticais. Ai de quem não soubesse a resposta: ela sacava seu caderninho rosa, anotava o nome da vítima, a pergunta que lhe fizera, a resposta dada --ou a falta dela-- e o quanto valia relativamente à nota escolar.

Dependendo do grau de dificuldade da pergunta, ela diminuía 0,1, 0,2 ou 0,5 da nota que o aluno tirasse na prova seguinte. Era um suplício para as pobres crianças palmeirinhenses.

Quando Austeresa era jovem, enamorou-se de um belo rapaz, também professor de português, de nome Telos Alonso. Ele, porém, não tinha a mesma capacidade intelectiva dela nem a mesma habilidade em sala de aula nem a mesma rigidez. Era um moleirão a bem dizer, que nem gostava muito de estudos aprofundados. As maldizentes até comentavam que ele não era homem para uma mulher como Austezinha, como a chamavam carinhosamente.

O namoro entre eles durou exatamente onze meses e vinte e sete dias. O estopim para o término do relacionamento foi um cartão que ele lhe mandara no dia dos namorados em que escrevera "Para a minha namorada Austereza de Jesus". Ao ler esses dizeres, quase teve uma síncope; chegou a perder o juízo. Pegou de uma caneta e imediatamente escreveu-lhe uma pequena carta, em que dizia:

"Telos Alonso, é de conhecimento geral em Palmeirinha que tolero os maiores sofrimentos, que suporto as maiores provações. É, no entanto, também comentário corrente que há duas situações que jamais enfrentarei: traição e erro gramatical. E você, meu ex-amado, acabou de cometer ambos: você, professor de português, sabe muito bem que os nomes próprios femininos formados pela posposição do sufixo -esa ao radical se escrevem com S, não com Z.

Como meu namorado há quase um ano ainda erra meu nome, trocando letras? Não me importo tanto pelo erro de meu nome, mas importo-me --e muito-- com o trocar letras. Poderia ter-me chamado de Austerise; não me atenazaria tanto, pois teria usado as letras adequadas: nomes femininos terminados em -ise se escrevem com S, como Denise e Anelise; mas ignorar que se escrevem com -ês e -esa nomes de pessoas, como Inês, Teresa e o meu, logicamente, Austeresa, adjetivos pátrios, como português e portuguesa, e títulos sociais ou nobiliárquicos, como camponês e camponesa, marquês e marquesa e ainda princesa, a maneira como me tratava, é demais para mim.

Fico agora a pensar: cada vez que me chamava de princesa, sua mente produzia princeza? Não. É demais para mim. Não suporto tal provação. E a traição? Como a descobri? Você mesmo se delatou: '...minha namorada Austereza'. Assim escreveu você; sem vírgula. Assim escolheu me mostrar que tem outra namorada. Não teve coragem de me contar pessoalmente, contou-me por subterfúgio, e eu entendi.

Ao não colocar vírgula entre meu nome e o substantivo que ele especifica, mostrou-me que não sou a única. Se o fosse, ter-me-ia escrito '...minha namorada, Austeresa', com vírgula. Muito perspicaz foi você, dar-me a conhecer uma situação por meios gramaticais: substantivo próprio que especifica substantivo comum, sem vírgula entre eles, restringe, ou seja, há mais de um: 'Professora Austeresa', sem vírgula, pois não sou a única professora, há muitas; mas substantivo próprio que especifica substantivo comum, com vírgula entre eles, explica, ou seja, só há um: '...minha namorada, Austeresa', com vírgula; eu seria a única, mas não o sou; sei-o agora.

Aliás, nem me importo mais com o namoro. Mesmo não havendo a traição, não quero mais tê-lo como namorado, pois dois erros de português em uma única frase cometidos por um 'professor de português' é demais para mim. Adeus."

Nota do autor: Isto nem Austeresa atinou: o substantivo telo, na cidade de Beira, em Moçambique, é usado como sinônimo de jumento; e alonso, em uso informal, significa parvo, tolo, pateta.

Publicado em Uol Vestibular, de onde foi extraído.

MAIORES DE 18 ANOS SÓ PODEM SER ADOTADOS MEDIANTE PROCESSO JUDICIAL

O Código Civil de 2002 estabelece que é indispensável o processo judicial para a adoção de maiores de 18 anos, não sendo possível realizar o ato por meio de escritura pública. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) conheceu do recurso especial do Ministério Público do Estado do Paraná, para extinguir o procedimento de adoção envolvendo um rapaz de 20 anos.

E.A.K. requereu um alvará para a autorização da escritura de adoção do jovem F.A.C.G. O Juízo de primeira instância julgou procedente o pedido e autorizou o procedimento, lavrando a escritura e determinando a averbação na 1ª Vara de Família e Registros Públicos da Comarca de Londrina. No novo registro civil, E.A.K. constava como pai, e os pais dele, como avós paternos, permanecendo inalteradas as demais informações.

O Ministério Público (MP) estadual apelou ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), com o objetivo de reformar a sentença para que fosse extinto o processo sem julgamento do mérito, alegando impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que procedimentos de adoção são de competência exclusiva das Varas de Família.

Entretanto, o TJPR negou provimento ao recurso, decidindo que a alegação do MP estadual seria improcedente, pois, na demanda em questão, o magistrado da vara atua tanto como Juiz da Vara de Família como Juiz da Vara de Registros Públicos, “fazendo valer o princípio da economia e celeridade processuais”.

Insatisfeito com a decisão, o MP estadual recorreu ao STJ, argumentando que a adoção, ainda que de jovens maiores de 18 anos, deve obedecer, obrigatoriamente, a processo judicial, não sendo, assim, possível realizá-la por intermédio de escritura pública.

O ministro relator, Luis Felipe Salomão, acolheu os argumentos do MP estadual: “Com efeito, o novo Código Civil modificou sensivelmente o regime de adoção para maiores de 18 anos. Antes, poderia ser realizada conforme vontade das partes, por meio de escritura pública. Hoje, contudo, dada a importância da matéria e as consequências decorrentes da adoção, não apenas para o adotante e adotado, mas também para terceiros, faz-se necessário o controle jurisdicional que se dá pelo preenchimento de diversos requisitos, verificados em processo judicial próprio”.

Em seu voto, o relator transcreveu passagem do jurista Paulo Lobo sobre o tema: “Ao exigir o processo judicial, o Código Civil extinguiu a possibilidade de a adoção ser efetivada mediante escritura pública. Toda e qualquer adoção passa a ser encarada como um instituto de interesse público, exigente de mediação do Estado por seu poder público. A competência é exclusiva das Varas de Infância e Juventude quando o adotante for menor de 18 anos e das Varas de Família, quando o adotando for maior”.

O ministro ressaltou que não se pode falar em excesso de formalismo nesses casos, pois o processo judicial específico garante à autoridade judiciária a oportunidade de verificar os benefícios efetivos da adoção para o adotante e adotando, seja ele menor ou maior, “o que vai ao encontro do interesse público a que visa proteger. Sendo assim, é indispensável, mesmo para a adoção de maiores de 18 anos, a atuação jurisdicional, por meio de processo judicial e sentença constitutiva”, concluiu.

Fonte: STJ

AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO NA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL-2

Parte 2/4



Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral
Advogada; Doutoranda em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Privado, em Direito Público e em Educação; Professora.



3 Da Família Tradicional à Afetividade

A história da família apresenta uma série de fases evolutivas que provocaram profundas transformações na sociedade através dos tempos. Desde a Antiguidade até nossos dias, vem-se modificando, evoluindo, traçando novos contornos para o conceito de família. Leciona Venosa (2007, p. 2) que "entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos tempos".

Em época muito remota, sabe-se que as pessoas se ajuntavam em grupos para garantir a sobrevivência e a subsistência, em busca de fortalecimento contra o frio, facilitação da caça e, mais tarde, objetivando a perpetuação da espécie.

No Estado primitivo, as relações familiares não se baseavam em moldes individuais. Predominava a endogamia. Por esse motivo, conhecia-se apenas a mãe, o que levou alguns doutrinadores a afirmam que a família era matriarcal. (ENGELS apud VENOSA, p. 3).

Somente muito mais tarde, quando as relações tendem a se individualizar, organizando-se em núcleos menores com a finalidade de construir patrimônio, cada um procura formar sua própria família.

Nas leis gregas e romanas a família se constituía sob imperativa influência da religião, que ditava o regramento para todas as condutas civis e sociais. As famílias mantinham o fogo sagrado, prestavam culto em que ofereciam seus sacrifícios e adoravam aos deuses – seus antepassados – que eram considerados seres sagrados. (COULANGES, 2003, p. 24). A mulher não possuía aptidão para prática de nenhum negócio jurídico, nem podia decidir sobre seu destino. Ensina Coulanges (2003, p. 43) que essa religião "[...] não pertencia exclusivamente ao homem, pois a mulher também tomava parte no culto. Como filha, ela assistia aos atos religiosos do pai; casada, aos do marido".

Com o Cristianismo, censuram-se as uniões livres, institui-se o casamento como sacramento, cercando-o de várias solenidades perante autoridades religiosas. Na Idade Média, a Igreja desempenha importante papel, impondo vários dogmas.

No curso da História o homem caminha para as relações individuais, e a monogamia passa a desempenhar um papel de impulso social em benefício da prole, consolidando o poder paterno. (VENOSA, 2007, p. 3). Com a aquisição de bens, começa-se a formar patrimônio, e a preocupação com a transmissão deste impõe a necessidade de se ter certeza sobre a filiação. Há um fortalecimento da família patriarcal.

No Brasil-Colônia desenvolveu-se um conceito de família como "unidade produtiva, refletindo os valores daquela sociedade agrícola, patriarcal, hierarquizada e patrimonialista" (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 9).

Sob a égide do diploma civil de 1916, somente a família constituída pelos laços do matrimônio gozava de proteção estatal. O casamento passou a ter a função de demarcar o direito sucessório, deferindo aos filhos dele advindos a qualidade de herdeiros, fato extremamente relevante para a sociedade cujos olhos estavam voltados, quase que exclusivamente, para o patrimônio.

Hoje, na sociedade pós-moderna, a família contemporânea ganha novos contornos: o casamento e a família dele decorrentes continuam sendo valorizados pelo ordenamento jurídico, porém, é possível se evidenciar que o formalismo vem cedendo espaço aos laços afetivos.

3.1 Erosão da Família Hierarquizada

Em tempos não tão remotos, a família se apresentava estruturada sob marcante hierarquia. O homem era o chefe da família. O filho obedecia ao pai; em segundo lugar, à mãe; e, em terceiro, ao irmão mais velho. O modelo hierarquizado e patriarcal impunha um conceito de respeito reverencial em que as pessoas deviam obediência ao pai e temiam descumprir suas ordens. Muitas injustiças foram cometidas por não se poder questionar uma ordem, às vezes, equivocada. Isso porque as relações eram baseadas no respeito-temor, e não no respeito-cuidado.

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos – que no momento pós-guerra passa a enfatizar os direitos fundamentais, estabelecendo a liberdade, a igualdade, a fraternidade e o direito à dignidade – muitas transformações ocorreram em relação à pessoa e à família. Surgem, no mundo ocidental, os movimentos sociais das décadas de 60, 70 e 80, a busca pela efetivação dos direitos da mulher, a luta pela liberdade de manifestação do pensamento e outras relevantes transformações sociais.

No Brasil não foi diferente. Tais movimentos foram bastante marcantes, refletindo na juventude uma postura excessivamente liberal, cujas características eram a rebeldia e a irreverência, rompendo de forma radical com os padrões até então estabelecidos. Além disso, havia os ideais políticos caracterizados pelo enorme desejo de pôr fim à ditadura militar.

Todas as mudanças legislativas e sociológicas não alteraram a necessidade que tem a espécie humana de pertencer a um núcleo afetivo que lhe sirva de família. É o que se abstrai da dicção de Oliveira; Hironaka (2007, p. 7):

"Os seres humanos mudam e mudam os seus anseios, suas necessidades e seus ideais, em que pese a constância valorativa da imprescindibilidade da família enquanto ninho. A maneira de organizá-lo e de fazê-lo prosperar, contudo, se altera significativamente em eras e culturas não muito distantes uma da outra."

Com a ordem constitucional inaugurada em 1988, a família passa por importantes e sensíveis evoluções. A primeira delas é o princípio da igualdade entre os cônjuges que por via de consequência direta extingue o pátrio poder e institui o poder familiar, agora exercido pelo casal, em igualdade de condições; além de determinar que a administração do lar passa a caber a ambos. A segunda grande diferença é que a Constituição Federal determina a isonomia entre os descendentes, o que faz cessar qualquer tipo de desigualdade entre irmãos, independente da origem da filiação. Outro divisor de águas é a afetividade, a trazer como consequência o fato de que a família pós-moderna, no dizer de Farias (2007, p. 14), "tem o propósito de impulsão para a afirmação da dignidade das pessoas de seus componentes, tratando-se de locus privilegiado, o ambiente propício, para o desenvolvimento da personalidade humana em busca da felicidade pessoal e não mais como instituição merecedora de tutela autônoma, justificada por si só, em detrimento, não raro, da proteção humana".

A atual realidade sobre as diferentes manifestações de família impõem a observância de certos princípios constitucionais, mormente no que se refere ao modelo de família afetiva e mosaica, em que há filhos de um cônjuge, filhos do outro e filhos comuns. Nesse caso, que atualmente parece ser a regra, é necessário que haja muito equilíbrio para que se alcance um ambiente favorável ao desenvolvimento de pessoas tão diferentes entre si, mas que por forças circunstanciais vivem juntas.

3.2 Aprendendo a Valorizar Laços Afetivos com O Pequeno Príncipe

No clássico O Pequeno Príncipe, Saint-Exupèry narra as aventuras de um principezinho, cuja saga consiste em visitar diferentes planetas a fim de conhecê-los e desvendar-lhes os mistérios. Nessas viagens, vivencia muitas descobertas ao se deparar com diversos personagens que o conduzem a despertar profundas reflexões, muitas vezes altamente filosóficas, sobre os valores essenciais da vida.

O protagonista possui dois vulcões e uma rosa. Encontra-se durante essa encantadora aventura com o rei, o vaidoso, o bêbado, o homem de negócios, o acendedor de lampiões, o velho escritor, as rosas, a raposa e, entre outros, o geógrafo.

Importante destacar que, com cada um deles, o principezinho reúne aprendizados que se tornam importantes mandamentos para a formação de seu caráter, de seus princípios e de uma salutar construção de regras de convivência. Aprende, principalmente, a "criar laços" e a compreender a importância destes para a realização pessoal rumo à felicidade.

Dentre as mais variadas situações existenciais, merece destaque um profundo diálogo entre o principezinho e a raposa. Nesse episódio, o autor salienta a importância da afetividade e da arte de "criar laços". Observe-se:

"– Sou uma raposa, disse a raposa.

– Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...

– Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

– Ah! Desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão acrescentou:

– Que quer dizer ‘cativar’?

– Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?

– Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer ‘cativar’?

– Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?

– Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer ‘cativar’?

– É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa ‘criar laços...’

– Criar laços?

– Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

– Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou..." (SAINT-EXUPÈRY, 1981, p. 68-69)

O rico diálogo apresentado evidencia, entre muitas outras lições de vida, a importância de cativar, que, explica a raposa, significa "criar laços". Semelhante relação Farias; Rosenvald (2008, p. 25) estabelecem sobre o conceito de família fundada na afetividade.3 Tão importantes os laços afetivos que não aceitou o convite do principezinho para brincarem juntos, pois não podia, sem que antes fosse por ele cativada. Depreende-se que só é possível um envolvimento verdadeiro entre pessoas que se tenham cativado: criado, desenvolvido e estreitado laços afetivos. É possível perceber claramente nas entrelinhas que se trata da construção da confiança que deve ser estabelecida, e que esta é indispensável ao aprazível relacionamento.

Quando já se cativou, a pessoa passa a ser especial, diferenciada, única: "única no mundo". Eis a grande diferença existente, o verdadeiro distanciamento entre o fato de se estabelecer um contato superficial e o de se conhecer alguém.

As pessoas somente conhecem de verdade aquelas a quem cativaram e por quem foram cativadas, porque é nessa interação que se desenvolve a interdependência, passando as pessoas a terem necessidade umas das outras. Saliente-se, uma necessidade salutar, capaz de libertar e não de criar amarras, porque onde há o verdadeiro amor há liberdade.

Agora, a raposa explica a importância da paciência, da arte de conquistar, da linguagem do olhar, por fim, da confiança, novamente...

"A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:

– Por favor... cativa-me! disse ela.

– Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

– A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

– Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.

– É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia te sentarás mais perto..." (Ibidem, p. 70)

A confiança que não aparece de maneira textual, mas nas entrelinhas, é um elemento importantíssimo na convivência em família. É a expressão da boa-fé objetiva nas relações de parentesco, que deságua na vedação do comportamento contraditório. Não pode haver frustração da expectativa entre as pessoas que se amam, pois umas esperam das outras condutas positivas como carinho, atenção, zelo, enfim, todas as manifestações de promoção do bem-estar. O contrário não se pode esperar das pessoas que convivem em família. Seria um comportamento obviamente contraditório amar e praticar condutas nocivas àqueles a quem se ama como o desrespeito, a falta de cuidado e todas as outras espécies de atitudes capazes de provocar um mal-estar.

Concluindo com Farias; Rosenvald (2008, p. 65), a efetivação da solidariedade social "se cristaliza através da tutela jurídica da confiança, impondo um dever jurídico de não serem adotados comportamentos contrários aos interesses e expectativas despertadas em outrem"[12]. É, pois, indispensável que as pessoas que convivem em família se cativem a cada dia, através de pequenas ou grandes demonstrações de cuidado. Observe-se o principezinho conversando com as flores de um roseiral, comparando "sua" rosa com as várias que encontrou:

"Sois belas, mas vazias, não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida, um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa." (SAINT-EXUPÈRY, 1981, p. 72)

A importância do cuidado evidencia-se nas palavras do principezinho ao narrar as condutas de zelo que praticava rumo à promoção do bem-estar de sua rosa: regar para crescer; recolher na redoma para resguardar; abrigar para proteger do vento; matar as larvas objetivando preservar a saúde e o desenvolvimento; ouvi-la nos momentos de dificuldades e nos de alegria. Importante salientar que quando o principezinho diz que não se pode morrer por aquelas rosas, subentende-se que pela sua rosa ele seria capaz de dar a própria vida, o que denota um sentimento muito profundo de afeto e de amor.

O cuidado tem por finalidade precípua, além da proteção, o desenvolvimento das potencialidades de forma a assegurar uma convivência pacífica, altruística, sadia e responsável. Cada um dos membros da família é responsável pelo ambiente que ajuda a criar e pela contribuição para a salutar formação das pessoas do núcleo familiar, o que se coaduna perfeitamente com o que se encontra registrado, com muita propriedade, em outro comentário da raposa, ao se despedir do principezinho:

"– Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

– O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

– Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.

– Foi o tempo que eu perdi com minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

– Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." (SAINT-EXUPÈRY, 1981, p. 72)

Infere-se do excerto outro elemento importantíssimo na arte de criar laços: o tempo. O tempo que se gasta, que se investe em alguém, em um relacionamento produz o verdadeiro envolvimento. O tempo que se dedica às pessoas torna-as importantes, porque na medida em que horas são empregadas em condutas de zelo, de satisfação de necessidades, de assistência ou mesmo de companhia, os laços afetivos se estreitam e se fortalecem. Para se "criar laços", no mais elevado sentido da expressão, é indispensável que haja um investimento de tempo, pois se trata de uma conquista que requer dedicação.

Notas da Autora:

3 - Comentam: "Nessa linha de intelecção, a entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional".

Extraído de Editora Magister/doutrina, edição de 10/05/2010, Porto Alegre, RS.